Rendinha do meu coração

Os pontos precisos feitos através de agulhas e linhas transformaram-se em várias peças de arte. Sob forma de entretenimento, autossustento e decoração da humilde casa, a técnica da renda e da malha foi a alternativa encontrada.

Por Inês Melo

Maria da Conceição, de 90 anos, exerceu funções, grande parte da sua vida, como empregada doméstica em casas de “grandes senhores”, e foi apenas com 15 anos que aprendeu a técnica da renda, malha e do ponto de arraiolos.

Com a  mãe a fazer malha e renda para sobreviver, Maria da Conceição acredita que, antigamente, as famílias autossustentavam-se, essencialmente, com trabalhos por si produzidos. “Nós tínhamos de fazer camisolas, casacos, naprons e meias porque não havia tanta oferta nem tanto dinheiro como hoje há”, afirma.

Não querendo fazer desta arte um negócio, realça que “só fazia para a família. E mesmo assim já eram muitas peças que tinha de fazer. Não me queria comprometer com prazos de entrega,caso vendesse. Não era o meu objetivo. Fazia renda porque precisava, gostava e por distração”.

Com rolos de linha, agulhas e um desenho como orientação, era assim que Maria da Conceição, analfabeta, produzia várias peças artísticas, tais como naperons ou até mesmo tapetes de arraiolos.

“Eu não sabia ler. Então, na altura, eu via como se fazia e decorava. Também tinha o auxílio de um desenho. Sei que tinha lá números, mas eu não me orientava por lá. Até porque nem era capaz. Aprendi o processo: espetas o alfinete e tornas a espetar. Depois de aprender a gente já sabe. E fazia muitos tapetes de arraiolos ou até mesmo naperons com a minha patroa. Passava muitas tardes a fazer renda”.

Maria da Conceição

O gosto pela renda não ficou por aqui. Também os filhos de Maria da Conceição aprenderam esta técnica e, ainda hoje, tentam passar este gosto às gerações mais novas.

“Eu ensinei este ofício a todos os meus filhos, quer rapazes quer raparigas. Naquela altura não nos podíamos dar ao luxo de ninguém saber . Em tempo de crise tanto rapazes como raparigas tinham de contribuir para o sustento da casa. Não havia distinções. À medida que ia tendo netos também lhes ensinava. E eles gostavam muito. Podem já não fazer tanta renda como faziam enquanto estavam comigo, mas eu tive o gosto e a preocupação de os ensinar a todos”.

Maria da Conceição

Maria da Conceição não fica indiferente ao desuso desta técnica e reconhece que, hoje em dia, já há mais lojas de roupa, mais dinheiro e pessoas mais viciadas na tecnologia, considerando é normal que já quase ninguém tenha o gosto e a prática pela renda.

“As pessoas hoje em dia já não dão importância. Têm tudo ao pé delas. Hoje basta sair de casa ir a uma loja de roupa e tem-se lá tudo. Já não há crise que havia na altura. Antes não havia muito dinheiro e tínhamos de fazer a nossa própria roupa. E não havia a tecnologia que há hoje. Os jovens não tinham um computador ou um telemóvel para ficarem viciados. E depois vieram as máquinas, que substituíram a mão humana, estragando a tradição”.

Maria da Conceição
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