Reconquista, hecatombe e incerteza- Assim vai a Espanha desunida

A Espanha na sua totalidade é uma pátria multicultural e heterogénea. De tal forma que no campo político passou em poucos anos de um duelo na corrida à liderança pelo Governo de Madrid para uma luta a cinco, com três pequenos partidos a agigantarem-se para o confronto com os dois grandes. Existindo ainda a presença significante de dois movimentos nacionalistas/separatistas, com a forte possibilidade de serem a muleta final para a estabilidade governativa. Foi com desejo de reconquista, medo de uma possível hecatombe e um clima de incerteza, que todos os partidos partiram para este embate considerado por muitos como “as mais importantes eleições que a Espanha ia ter na sua democracia”. Se assim foram não tenho a certeza, mas que foram umas eleições que vão perdurar durante muito tempo na memória dos nuestros hermanos, foram claramente. Adelante!

Opinião por Jorge Afonso

A estabilidade para um Governo poder exercer o poder é fundamental num sistema democrático, aqui há que reconhecer que Espanha é um país exímio. Para confirmar esta ideia basta olhar para Portugal, que desde o 25 de Abril teve dezassete Primeiros-Ministros e Espanha somente sete. Sempre que existem eleições aqui ao lado, devemo-nos preocupar porque as nossas economias estão interligadas, ou seja, se existe um problema grave em Espanha, Portugal pode ser automaticamente afetado por ele.

Oxalá esse problema grave não surja, mas pelo menos para já não há muita razão para otimismo, pois os últimos cinco anos da política espanhola foram marcados por muitos problemas e fenómenos económicos, sociais e até territoriais: Mudou o Rei, abriram-se feridas profundas causadas pela austeridade dos Governos de Zapatero e Rajoy, corrupção de políticos ligados ao partido do Governo, tentativa de independência da Catalunha, afirmação do nacionalismo basco, um sistema político cada vez mais fraturado, o populismo de esquerda e no fim apareceu(como em quase toda a Europa) a extrema-direita a apelar a unidade espanhola e ao nacionalismo.

Como tive oportunidade de dizer na rubrica que faço parte, chamada “Liberdade de Expressão” na rádio TerraNova em Aveiro, iam ser umas eleições disputadas entre os dois partidos tradicionais, um duelo entre PSOE do Primeiro-Ministro Pedro Sánchez e o PP do principal líder da oposição Pablo Casado. Mas com a diferença desta vez de se juntarem aos dois grandes da política espanhola, três partidos recentes(Podemos, Ciudadanos e Vox) com vontade de mudar o rumo do país. Já lá vão os tempos em que os dois grandes lideravam confortavelmente, o PSOE com Felipe González e Zapatero e o PP com José María Aznar e Mariano Rajoy.

Acertei maioritariamente no prognóstico quando disse que a vitória ia ser do atual Primeiro-Ministro, porque com uma esquerda dividida em dois e uma direita em três, só por mera incompetência governativa ou eleitoralista é que Sánchez não manteria a liderança nas sondagens e depois nas urnas, uma vitória confortável onde teve mais dois milhões de votos do que em 2016. É sensata e mais pacífica esta escolha, porque com o principal rival ferido de morte por causa de escândalos de corrupção e desgaste governativo de sete anos e outro lado dividido entre nacionalismo franquista e separatismos basco e catalão, qualquer mudança seria mais tempestiva. Agora com um líder do Podemos mais moderado como se mostrou nos debates, Sánchez embora precise de um golpe final dos separatistas catalães de esquerda para governar, irá conseguir formar governo.

O que não esperava era uma queda brutal do PP, embora o seu líder tenha deixado dúvidas nas suas posições a nível social, sem se perceber se tinha uma tendência mais liberal(questões LGBT) ou reacionária(papel da mulher na sociedade), não esperava que os populares perdessem mais de metade dos deputados, perdessem dois milhões e meio de votos para o Vox e tenham ficado só duzentos mil votos à frente do Ciudadanos. Fica agora numa posição difícil e prevejo que com tudo o que o rodeia, o PP tenha uma longa travessia do deserto até voltar ao poder.

Uma vitória clara foi a do Ciudadanos que sobe a sua votação e conquista o estatuto de terceira força política, o Podemos tem um resultado assim-assim porque embora tenha voltado a perder votos e deputados, consegue ficar à frente da extrema direita e com a subida de deputados do PSOE mais facilmente se poderá juntar a um bloco de esquerda que possa assegurar a estabilidade governativa.

O Vox é o fenómeno destas eleições, como português que conhece relativamente bem a realidade portuguesa, que já viajou um pouco por Espanha e conhece pessoas que por lá também estiveram, pensei que o povo português era mais nostálgico em relação a Salazar do que os espanhóis em relação a Franco, mas estas eleições para além de mostrarem que estava errado, demonstrou também outra realidade: os portugueses quando estão pessimistas baixam a cabeça e resignam-se com o que há, enquanto que os espanhóis gritam bem alto o seu pessimismo e fazem acontecer uma reação. Foi com esta mentalidade, com irritação para com a esquerda e com sentimento de desilusão em relação à direita liberal e moderada, que se levou um partido saudosista de Franco, contra o casamento e adoção homossexuais, contra o aborto e eutanásia, a favor do porte legal de arma, anti-feminista, contra a lei de violência de género por considerar que só protege as mulheres, anti-islâmico e com visões céticas em relação ao multiculturalismo a ter mais de 10% de votos e 24 deputados eleitos. Já antes das eleições de 2015 se viu uma reação à esquerda com o Podemos, agora vemos uma igual à direita com o Vox.

Com estes dois partidos anti-sistema a parecerem ter cada vez mais influência na política castelhana, fica a dúvida se devem ser isolados a fazer uma oposição fácil aos governos, quiçá a ser-lhes chumbado o programa em termos de inconstitucionalidade ou chamados à responsabilidade governativa, democratizando-se mais e tornando-se mais moderados. Qualquer uma das hipóteses me parece razoável, mas com equidade e igualdade no tratamento, ou seja, se cair um, terá de cair o outro e se é para ficarem, que fiquem ambos. Porque extremo é extremo, não interessa se é de esquerda ou direita.

O grande problema que volta a acontecer nesta nova vida do sistema político espanhol, são os grupos separatistas que têm sempre os últimos três ou quatro deputados que são necessários ao governo para formar a maioria, o que é extremamente negativo para a pacificação nacional. Basta olhar para o que aconteceu nos últimos três anos, Mariano Rajoy venceu entre 2015 e 2016 duas eleições seguidas, só nas segundas conseguiu formar um governo com o apoio formal do Ciudadanos e com abstenção dos nacionalistas bascos. Dois anos depois, com os escândalos a sucederem-se de políticos do PP acusados de corrupção(embora a corrupção exista em todos os partidos) e a rebelião que existia na Catalunha a gritar pela independência, o PSOE decidiu apresentar uma moção de censura ao Governo e o mesmo caiu, com os nacionalistas bascos a votarem a favor. Rajoy fora abandonado por eles. Logo de seguida, Pedro Sánchez chegou a Primeiro-Ministro com o apoio… dos separatistas catalães. Uma situação embaraçosa para o socialista que nesta campanha fora acusado de ter de ceder na questão da independência para conseguir manter a sua muleta no Governo. Será que o preço a pagar para a estabilidade governativa de Espanha é ceder aos movimentos separatistas? Com este Parlamento eleito, uma reforma constitucional para haver mudanças em termos de separações de comunidades já esteve mais longe.

Existe também a questão em Espanha, se a Monarquia vai começar ou não a ser mais contestada, com o líder do Podemos a ser assumidamente republicano e com os nacionalistas e separatistas(nomeadamente os catalães) com mais tradição republicana. Sendo também republicano assumido, pois considero que é mais democrático e melhor eleger o nosso Chefe de Estado do que tê-lo por laços de sangue, ter uma República ou uma Monarquia é positivo desde que a pessoa que esteja no cargo de Presidente ou Rei seja boa e neste campo nos dias de hoje, os espanhóis até não se podem queixar.

Irá a Espanha começar a unir-se ou dividir-se-á ainda mais? Veremos como serão os próximos tempos do outro lado da fronteira.

 

a