Folclore, uma língua europeia

Viseu é este ano a Cidade Europeia do Folclore. A promoção desta arte e a partilha desta cultura entre vários países é a aposta do município para 2018. O acolhimento da 55a edição do Europeade, um festival europeu que promove a cultura tradi- cional popular, trouxe o folclore para a ordem do dia da cidade, embora esta cultura faça parte da vida de muitos viseenses, desde sempre. Sónia Teles e Telmo Polónio são dois exemplos disso.

Desde os nove anos no Grupo Folclórico da Casa do Povo de Cabril, de Castro Daire, Sónia Teles já participou dezanove vezes no festival Europeade e já teve diversas outras experiências internacionais. A diversidade e partilha de culturas é o que mais a marca nestas vivências. Uma das suas primeiras recordações do rancho foi em Valência, Espanha, era Sónia criança. “Cada escola tem um grupo de cada país diferente e logo aí há uma diversidade de culturas. Eu lembro-me de estarmos no hall da escola a dançar músicas que cada um estava a tocar. Estavam os nossos acordeonistas e a viola portuguesa a tocar, mas também estavam a tocar instrumentos doutros países”, relembra Sónia Teles. “Com nove anos, estar ali com pessoas que não conheço de lado nenhum, toda a gente a dançar o mesmo, é como se estivéssemos a falar a mesma língua”, acrescenta.

 

Sónia Teles com o Grupo Folclórico de Cabril

 

DIFERENÇAS NO FOLCLORE EUROPEU

Telmo Polónio integra o Rancho Folclórico de Gumirães, Viseu, desde 1985. Este ano é a primeira vez que irá participar, juntamente com o seu grupo, no festival Europeade, apesar de já ter estado em festivais europeus em Espanha e França. Telmo explica que aquilo que mais o marca é a união: “sabemos que hoje, naquela parte de Espanha onde estivemos, está lá aquele rancho e que se nos cruzarmos com eles há alguém que se lembra de nós e dos nossos momentos”. Para o gumiranense, o que ficam “são os laços. É como se fossemos uma família”.

Por toda a Europa, o folclore é uma arte com grande tradição, apesar de ser muito diferente de país para país. Telmo Polónio explica que, “as músicas, o instrumento que é usado e as vestes, é tudo muito diferente”.

Da sua experiência, Sónia Teles explica que na Europa existem países em que a tradição é representar apenas um traje ou uma situação, enquanto noutros há uma grande diversidade dentro do próprio. “Em Espanha e Itália, num só país há uma diversidade enorme. Se falar- mos de países como a Estónia e a Letónia, em que o folclore está enraizado nas universidades, verificamos que os grupos dançam todos da mesma forma, as mesma forma, as mesmas músicas com os mesmos trajes”, acrescenta.

É por esta razão, esclarece a cabrilense, “que os ranchos portugueses se destacam quando vão para o estrangeiro. Todos dançam de forma diferente e têm as suas características únicas”. São a representação de uma localidade e não de toda uma região ou país. Os seus trajes retratam “as pessoas que no verão iam trabalhar para os campos ou as pessoas que no inverno andam com o burel, ou o pescador, ou os noivos,… são a representação dos hábitos daquela aldeia” afirma Sónia Teles. Telmo Polónio complementa, afirmando que Portugal tem “uma cultura muito própria e que isso é visível quando estão grupos de vários países uma vez que a diferença entre eles é muito grande”.

 

Rancho Folclórico de Gumirães numa atuação

 

O FOLCLORE VISTO PELOS EUROPEUS

Em Portugal, o folclore sempre foi associado às aldeias, uma vez que foi aí que apareceram a maioria dos grupos. “As pessoas mais pobres tinham uma desculpa para se juntar, porque não tinham cinema, nem teatro, nem tinham outras atividades que existem na cidade, e por isso começaram a criar estes grupos”, explica Sónia Teles.

Para a cabrilense, “o folclore em Portugal é visto de forma negativa, mas é devido ao que é transmitido. As televisões nacionais não transmitem o melhor folclore que existe no mercado, o que faz com que as pessoas mudem de canal e não se interessem”. A própria palavra folclore é usada num sentido pejorativo, como a própria relembra numa “discussão no parlamento em que um dos parlamentares disse «estás para aí a tentar convencer com esse folclore»”.

Esta é “mais uma forma de ajudar a pôr a imagem negra que temos no nosso folclore”. Sónia Teles considera que muitos grupos se esforçam para mostrar as tradições e cativar as pessoas, mostrando a importância do folclore e isso não é valorizado pelos portugueses. Alexandre Gonçalves, viseense, sempre teve uma ideia negativa do folclore. “Para mim folclore sempre foi uma coisa de idosos, uma forma deles passarem o tempo”, explica. “Nunca me tinha apercebido que é uma transmissão de cultura de geração em geração. Hoje em dia temos telemóveis, podemos fotografar e filmar, mas antigamente as coisas eram recordadas desta forma”, acrescenta.

Já em alguns países europeus, o folclore é uma cultura presente e enraizada em toda a sociedade. Nos países nórdicos, “é seguido em diversas televisões e todos os festivais Europeade são transmitidos em vários canais. Em França, o bilhete diário para o festival era 25€ e tínhamos o estádio cheio. As pessoas não se importam de pagar para assistir a folclore e têm muito gosto e interesse em assistir. É esta a grande diferença entre a mentalidade destes países e, por exemplo, Portugal”, clarifica Sónia Teles.

 

A 55.ª EDIÇÃO DO FESTIVAL EUROPEADE

O Europeade 2018 terá lugar na cidade de Viseu de 25 a 29 de julho, contando com mais de 5000 participantes. Esta edição contará com 188 grupos de 23 nacionalidades diferentes. De acordo com os dados estatísticos fornecidos pela Câmara Municipal de Viseu, Portugal será representado por 25 grupos, dentre os quais 16 viseenses. O país que irá ter o maior número de participante é Espanha, de onde são esperados 40 grupos e mais de mil participantes.

Almeida Henriques, presidente da Câmara Municipal de Viseu, afirma em comunicado que “este festival é uma grande montra europeia da diversidade e riqueza cultural das tradições de folclore, mas é mais do que isso. É também uma oportunidade de gigante para a qualificação do nosso folclore e a internacionalização da cidade-região de Viseu”. Em declarações, o presidente afirma que vai iniciar “um novo ciclo na programação do património imaterial de Viseu, nomeadamente do folclore e da etnografia”, acrescentando que o município quer “dar um forte contributo para que o folclore entre na moda, para que haja uma reconciliação do país com as suas tradições”.

Viseu receberá o festival nos dias 25 a 29 de julho. Os pontos altos do festival serão as cerimónias de abertura e as de encerramento, as atuações de rua, o desfile e o baile. Estes momentos realizar-se-ão em diferentes locais da cidade para dar oportunidade aos participantes do evento que vêm de fora de conhecerem a cidade toda e não apenas o centro, bem como a cultura e a história da mesma.

 

Texto: Alexandre Ferreira, Inês Vaz e Rafaela Sousa

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