Animais abandonados: o olhar de quem os salva

Em Portugal são abandonados, em média, 10 mil animais por ano, sendo a maioria cães. Em 2017, segundo uma notícia da Agência Lusa, a lei que criminaliza os maus tratos e abandono dos animais contribuiu para o aumento dos casos de abandono. A falta de informação e sensibilização dos donos foram as principais causas que provocaram esta controvérsia.

 

Uma das associações que pretende combater este número é o “SOS Animais de Nelas”. Criada em setembro de 2014, a associação conta com 39 voluntários, sendo 20 deles pertencentes à associação. O que impulsionou a criação desta instituição foi o facto de Nelas não ter um canil e os animais abandonados serem transportados por atrelados e deixados à chuva.

A “SOS Animais de Nelas”, segundo a voluntária Patrícia Loio, tem cerca de 30 cães num abrigo, 10 cães em tratamento e ainda alguns numa família de acolhimento temporária. “Normalmente, são as pessoas que se oferecem para ficar com os animais durante algum tempo, quando não temos espaço ou quando é um animal especial que não se dá com outros e requer cuidados especiais”, explica a voluntária.  No entanto, Patrícia confessa que “a maioria das famílias de acolhimento temporárias são os voluntários”. E, no toca ao voluntariado, ser voluntário no “SOS animais de Nelas” tem uma condição: tudo o que é pedido pela instituição é que gostem de animais e que os respeitem. Inclusive, são várias as crianças que visitam a instituição apenas para brincarem com os cães.

A instituição, sem fins lucrativos, sobrevive através de donativos, companhas de recolhas de alimentos de animais e, ainda, um subsídio autárquico que, segundo Patrícia, apenas cobre 10% das despesas.  No entanto, o mais difícil “são as pessoas”, refere a voluntária. “Nós somos uma associação composta por pessoas comuns, temos família, trabalho e tudo o que fazemos é nas nossas horas de lazer. Nós estamos aqui pelos animais, fazemos os possíveis e os impossíveis pelos animais e eles agradecem-nos. As pessoas não compreendem e não são sensíveis com o esforço que fazemos e criam-nos obstáculos”, adianta Patrícia. A voluntária refere, ainda, que “são as pessoas que nos dão trabalho e não os animais, visto que estes que são muito fáceis de cuidar e nós estamos cá para cuidar deles”.

 

Instalações da SOS Animais de Nelas

 

A “SOS Animais de Nelas” é constituído por apenas duas boxes e, para a voluntária, essa condição impede que a associação recolha mais animais e tenha um gatil destinados aos gatos que a instituição recolhe, mesmo não tendo espaço. Os pedidos de ajuda e denúncias chegam todos os dias e, nem sempre, é possível ajudar o animal, como explica Patrícia. Devido ao tamanho da instituição, existem situações em que o “SOS animais de Nelas” não consegue resgatar todos os animais. Tal situação leva a que haja críticas por parte da comunidade, o que acaba por dificultar o trabalho da instituição.

Quando se tratar da adoção de um dos animais, a instituição procura sempre perceber que tipo de cão o adotante procura e se o animal se irá adaptar. “Antes de mais tentamos perceber que tipo de animal (o adotante) quer, ou então somos nós que aconselhamos”, explica Patrícia, “e nós, conhecendo os nossos animais e as suas histórias damos as nossas sugestões, mas alguns animais não recomendamos que sejam adotados por serem especiais”. Segundo a voluntária, o “SOS animais de Nelas”, durante o início da adoção, mantém contato com o adotante, a fim de assegurar que o animal se encontra num bom ambiente. No entanto, verificam-se casos em que o animal é devolvido: “nós não conseguimos garantir que sejam todas (as adoções) 100% eficazes”. Para Patrícia, há adoções que correm mal devido ao facto de “as pessoas não verem o animal como um ser sensível, mas sim como coisas uteis e quando o deixam de o ser, descartam o animal”. Ainda na adoção, a voluntária confessa que ela mesma, desde que começou a fazer voluntariado na instituição, já adotou sete gatos.

 

Zona Industrial de Mangualde vista como uma zona crítica

Em Mangualde, também se regista um número elevado de cães abandonados. Apesar de no concelho existirem duas instituições, a “Tira-me da rua” e a “Grumapa”, a zona industrial é, segundo Sandra Costa e Diogo Barbosa, o lar de muitos cães.

 

Zona Industrial de Mangualde

 

A cuidar de sete cães e cinco gatos, Sandra Costa, apesar de não ser voluntária em nenhuma instituição, refere que ajuda os animais sempre que pode. “Procuro ajudar os animais que, muitas das vezes, encontro na rua, dando-lhes comida e água”, explica. Como trabalha na zona de industrial de Mangualde, Sandra confessa que “esta situação, ver os animais sem terem, muitas vezes, o que comer nem beber mexe com qualquer pessoa. Isto em Mangualde, apesar de já ter sido pior, ainda está bastante mal”, acrescenta.

Para a mangualdense, os principais culpados desta situação são as pessoas e a GNR que, apesar as novas leis, nada faz na maioria das vezes. “É inadmissível que as pessoas ainda achem que os animais são coisas, os cães são os nossos melhores amigos e, falando por mim, são a minha companhia”, afirma Sandra. A habitante considera que a ligação que criou com os cães da zona industrial é “incrível”. “Os cães conhecem-me, o carinho que eu lhes dou, eles dão-me em dobro”, concretiza. Quando questionada sobre o que falta fazer para combater o abandonado de animais, Sandra refere que, para ela, “falta ver os animais como seres sensíveis que são, falta respeitar os animais, falta amar os animais e falta respeitar as leis e aplicá-las”.

 

Sandra Costa e Diogo Barbosa

 

Diogo Barbosa mora em São Cosmado, perto da Zona Industrial de Mangualde. O jovem lida com o abandonado diário de cães naquela zona desde que chegou a Portugal, em 2005. “Todos os dias à noite passo pela zona industrial de Mangualde e encontro sempre imensos cães abandonados, custa imenso vê-los, mas ao menos sei que eles comem, porque conheço uma senhora que tem um bar lá perto e que todos os dias os alimenta, o que por si só é um ato heroico”, refere Diogo.  Ao longo destes anos em que se encontra em Portugal, Diogo destaca um caso de abandono que, segundo este, foi o que mais desumano que presenciou. “No início de 2015, o meu pai, numa das suas caminhadas matinais. encontrou dois cães bebés abandonados num pequeno riacho, do qual não conseguiam sair. Nesse mesmo dia fui lá com ele e resgatámos os cães, conseguindo, posteriormente, arranjar um lar cómodo para ele”.

As novas leis que criminalizam os maus tratos e abandono de animais são aquilo que, tanto Diogo, como a voluntária Patrícia Loio, mais destacam. Para o jovem de Mangualde, “as leis, apesar de serem bastante importantes, acabam por ainda prever poucas sanções”. Diogo refere, ainda, que “o cão tem de ser visto como um ser humano, pois embora se diga que não, eles têm sentimentos, eles mostram dor e conseguem muitas das vezes ser melhores que as pessoas. É por isso que eu defendo que a proposta para que as penas sejam mais pesadas faz muito sentido”.

Já para a voluntária, as novas leis e o partido PAN têm diminuído os casos de maus tratos de animais. “(O PAN) tem tido um papel bastante ativo em termos de proteção do animal e, seguramente, é graças ao partido que existem as novas leis”, acrescenta.  A implementação da lei que criminaliza os maus tratos e abandono dos animais, em outubro de 2014, é “uma mais valia”, pois, segundo Patrícia, até esta lei ser implementada “só era crime dependendo da sensibilidade do GNR em relação à causa. Depois notou-se uma diferença, e inclusive houve polícias a fazerem denúncias”.

Muitos dos casos de maus tratos de animais são denunciados por vizinhos ou pessoas próximas de quem comete este crime. No entanto, para Patrícia, faz parte do ADN das pessoas terem medo de denunciar. “O que me choca são as pessoas que têm coragem de fazer mal a um animal, pois quando veem que este dá trabalho deixam de o querer”, refere a voluntária. “É crime abandonar e maltratar os animais, as pessoas têm de deixar de ter medo e, de certeza forma, compactuar com estes crimes”, acrescenta.  Também Diogo Barbosa considera que o medo que as pessoas têm em denunciar impede que muitos crimes sejam julgados. “Aquilo que mais magoa alguém que adora cães é vê-los ao abandono, quem os salva é um herói”, refere Diogo, que desde novo que sempre sentiu carinho por animais, em especial cães. Para o jovem “não se entende como existem pessoas que querem ter os cães, mas que, quando eles começam a dar problemas ou a fazer asneiras, algo que é perfeitamente normal, os abandonam de imediato”. Como tal, o jovem apela para que todos, que tenham possibilidades, adotem cães, mas acima de tudo, que denunciem estes maus tratos.

 

78 denúncias por mês

Diariamente são abandonados e maltratados dezenas de cães em todo o país. Segundo uma notícia da revista Visão, a GNR registou cerca de 78 denúncias por mês, em 2017. As denúncias feitas não eram apenas contra particulares, mas também contra instituições de proteção dos animais. Esta mesma notícia refere que uma das críticas mais comum às novas leis é o facto de apenas abrangerem animais de companhia, deixando de fora outros animais.

Setúbal é o distrito onde se registam mais queixas, com um total de 126 denúncias em 2017, segundo uma notícia do Jornal de Notícias. Logo a seguir surge o distrito do Porto com 110 denúncias. O distrito Coimbra é outro com maior número de denúncias (100) e é também naquela região que se regista uma das maiores taxas de abandono de cães: cerca de mil por ano, diz também o Jornal de Notícias. Apesar destes números alarmantes, desde 2010 que se  verifica uma diminuição dos números de abandono e maus tratos de animais. Uma notícia do Jornal de Notícias, em 2010, referia que eram abandonados por ano 10 mil animais e estimava-se que meio milhão de animais não teriam dono.

 

Texto e imagens: Alice Santos

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