Jotas: A rebeldia do progresso
A política é um fenómeno global, um mundo onde reina a militância, a inteligência, a tática, a convicção e sobretudo, a ação. À volta deste fenómeno existem uma série de organizações, entre as quais estão as organizações partidárias de juventude. Mais conhecidas por “jotas”, as juventudes partidárias são as organizações políticas de juventude empenhadas na defesa dos valores dos partidos políticos de que militam e constituídas sensivelmente por jovens entre os 13 e os 32 anos de idade.
Por Jorge Afonso
Desde o ativismo social na freguesia até à função de deputado na Assembleia da República, os militantes das juventudes partidárias são conhecidos pela rebeldia e falta de calculismo nas posições que tomam, o que leva muitas vezes a choques frontais com as lideranças dos partidos, justo será dizer também que é nas “jotas” que se faz uma renovação dos mesmos, existe o progresso de muitas causas sociais e se dá a conhecer à sociedade problemas até então desconhecidos.
“Aderi à JS (Juventude Socialista) na mesma altura que aderi ao PS (Partido Socialista), com 19 anos. Senti que podia ser um contributo importante nos dois setores, a JS sempre foi um pensamento mais crítico do PS e sempre teve historicamente um rasgo mais progressista do que o próprio partido. Pelo contributo e contexto informal com que a gente debate e discute política, eu acho que as juventudes partidárias têm esse mérito de serem um espaço informal, sem barreiras onde a gente pode dizer umas coisas bastante interessantes, sem paternalismos. A JS precisa do PS e o PS precisa da JS”.
Joana Sá Pereira, presidente da Federação Distrital da JS de Aveiro
Atualmente também deputada socialista, Joana Sá Pereira além de destacar a importância que uma “jota” tem, faz também relevo ao espírito progressista que a mesma deve ter, algo que já lhe pertence desde cedo: “Os meus pais são funcionários públicos, sempre tiveram no seu ADN o combate ideológico de esquerda, o meu pai em particular que passou pelo 25 de Abril nos Açores. Portanto sempre nos passou este espírito de não nos acomodarmos, de sermos inconformados, não aceitarmos aquilo que nos dão e foi isso que me levou a ser parte ativa desse contributo”.
Joana Sá Pereira além de assumir muita admiração por Mário Soares, adiantou também que além da continuação da luta para que a eutanásia e a legalização das drogas leves para consumo recreativo sejam aprovadas no Parlamento, a JS com a representação dos seus 7 deputados eleitos esta legislatura, vai travar um combate profundo contra o corporativismo das ordens profissionais.
Se como Joana Sá Pereira, houve pessoas cujo o talento e ordem de acontecimentos na vida política as levaram ao nível nacional, existe também quem apenas se tenha fixado nos objetivos a nível local, é o caso de Hugo Andrade, militante da JP (Juventude Popular) de Trancoso.
“O meu interesse pela política começou desde bastante jovem. Interessei-me desde muito cedo pela envolvente da minha região e do meu concelho em particular, o concelho de Trancoso. Tive a oportunidade de participar no Parlamento dos Jovens a nível nacional, tendo ido à Assembleia da República e representado o distrito da Guarda no meu 9.º ano de escolaridade. As minhas ambições são, acima de tudo, locais. Passam pela instituição de uma JP no meu concelho e por dar voz a muitos jovens que querem ser escutados”, refere o mesmo. Tal como à jovem socialista, foi a vontade de mudar e de discutir em comunidade que levou o jovem popular a aderir à causa: “Numa juventude partidária discute-se um pouco de tudo, dando-se maior ênfase aos problemas da nossa geração. Somos uma geração que exige cada vez mais da geração dos nossos pais. A vontade de questionar o status quo do partido e da Sociedade Civil. As juventudes partidárias dão anseio às vozes dos jovens. São necessárias pois vivemos numa democracia.”
Hugo Andrade, JP de Trancoso
Na atualidade, ninguém nega que as juventudes partidárias produzem futuros quadros e são muito relevantes dentro de um partido político, ao ponto de influenciarem determinadas posições e decisões. Se ainda hoje é uma realidade, a mesma vem bem mais detrás. Durante os primeiros 15 anos imediatos à revolução de abril, as “jotas” tinham um enorme peso no mundo estudantil e associações de estudantes. Apesar da relevante presença nestes campos por parte da JCP (Juventude Comunista Portuguesa) pela força juvenil resistente antifascista ao antigo regime, a JSD (Juventude Social Democrata) foi desde sempre a “jota” com mais militância, mais ativismo e mais ambição durante a época. “Nós tínhamos uma ambição muito grande, com as devidas adaptações nós considerávamo-nos praticamente um partido. Tínhamos um nível de autonomia muito grande em relação ao PSD e tínhamos formas de representação tanto nos órgãos nacionais, como na Assembleia da República. Chegámos a ter o 4º maior grupo parlamentar, tínhamos mais deputados do que o CDS por exemplo”, recorda Pedro Passos Coelho, ex-presidente da JSD.
Tendo aderido com 14 anos à JSD de forma mais lúdica do que política, o jovem Passos Coelho admirador de Sá Carneiro, acabou por mais tarde assentar como uma luva na liderança da mesma e levando-a juntamente com os antecessores Pedro Pinto e Carlos Coelho a patamares nunca vistos até então:
“Muitas vezes quando tínhamos contactos com outras organizações partidárias de juventude nossas congéneres europeias, elas pareciam-nos muito juvenis e infantilizadas. Faziam-se campanhas para que os polícias pudessem ter o seu nome na farda e por exemplo, na Alemanha dedicavam-se muito aos tempos livres dos jovens e turismo juvenil. Nós queríamos decidir, intervir e estar no Parlamento.”
Pedro Passos Coelho
Muito por força dos seus órgãos nacionais terem sido chamados a decidir o futuro e o sucessor de Francisco Sá Carneiro após a sua morte, a 4 de dezembro de 1980 e durante as legislaturas de Cavaco Silva como primeiro-ministro, a JSD chegou a ter mais de 20 deputados eleitos, uma realidade nunca vista noutro Grupo Parlamentar. Apesar de terem sido já fundadas, a JS e a JC (Juventude Centrista) só aparecem com força anos mais tarde.
Tendo sido líder da JSD entre 1990 e 1995, Passos Coelho ficou também para a história como alguém que confrontara o aparelho e o primeiro-ministro a propósito de causas como o fim do serviço militar obrigatório, o não à amnistia dos crimes de sangue das FP-25 de Abril e a atualização das propinas no ensino superior. “Nós tivemos muitas causas que representaram bandeiras e que se tatuaram na história da JSD: a defesa de um serviço militar profissionalizado e não obrigatório, tudo o que estava relacionado com uma política de juventude que não existia, que para nós era pensar nos problemas da habitação, emprego e reformas na educação, depois questões relacionadas com o ambiente, a mobilidade e o sindicalismo”, recordou.
O ex-primeiro-ministro foi um dos mais históricos líderes de uma organização partidária de juventude em Portugal, tendo sido igualmente um dos quatro “jotinhas” juntamente com Manuel Monteiro (Juventude Centrista), António José Seguro (Juventude Socialista) e Rui Rio (JSD) a chegar mais tarde à presidência do respetivo partido e o único até hoje a se ter tornado inquilino do Palácio de S. Bento. Todos estes intervenientes, são oriundos de um tempo em a entrada para uma “jota” era o pão-nosso de cada dia num país onde se bebia e respirava política no imediato pós-25 de abril.
O ex-presidente da JC, Manuel Monteiro, confesso admirador de Adelino Amaro da Costa e Adriano Moreira, inscreveu-se aos 16 anos quando estudava no Liceu Passos Manuel, onde foi colega do agora primeiro-ministro António Costa e do então líder da União dos Estudantes Comunistas (UEC), o já falecido Miguel Portas. Tantos anos depois, Monteiro recorda com orgulho esses tempos:
“Foram tempos inesquecíveis, mas não repetíveis. Recordo-os com o orgulho de ter feito parte de uma geração que lutou por aquilo em que acreditava. Na época era quase impossível ser alheio à atividade política. Ela não batia à porta, nem pedia licença para se sentar ao nosso lado. Não participar e não intervir era estranho. Imagine isso hoje com os jovens dessa idade… e até mais velhos”.
Manuel Monteiro
Dando pormenores dessa época: “O liceu onde estudava, era muito politizado e o dia a dia era dividido entre aulas e Reuniões Gerais de Alunos. Mas houve também um fator familiar que me impulsionou e muito – a participação política do meu Avô materno que, logo em 1976, foi candidato pelo CDS à presidência de Câmara de Vieira do Minho (no distrito de Braga). A sua ligação ao CDS logo após a fundação e o ambiente escolar foram decisivos para esse despertar de interesse, para o meu envolvimento”, recorda o primeiro ex-presidente de uma juventude partidária a chegar à liderança do respetivo partido.
Apesar do ativismo forte, sempre esteve adjacente às “jotas” a ideia de que são sítios onde os jovens vão à procura de um “tacho” e de emprego. Uma ideia que tens prós e contras, Manuel Monteiro confirma-a dizendo que “em muitos casos tem toda, toda, a razão” e que para os jovens que não se interessam por política e vida pública do país, o conselho é “que não deixem de ler LIVROS e que se interessem pela História e, em segundo lugar, que nunca deixem de pensar em algo muito simples: o seu legítimo bem-estar não pode ser indiferente e alheio ao bem-estar da Comunidade em que vivem.”
Hugo Andrade militara antes na JSD de Aveiro e revela que saiu de lá com mágoa:
“Não por causa da JSD de Aveiro, mas por perceber que existiam vícios e pouco se trabalhava na JSD de Trancoso. Tachos na política? É um facto, não o nego. Muitas vezes é o ‘Jobs for the Boys’. No entanto, penso ser injusto proceder-se a uma generalização sem fundamento. Dou o meu exemplo: o CDS-PP em Trancoso de forma (quase) impossível conseguirá eleger vereadores ou vencer as eleições autárquicas”. Já Carlos Lopes, militante da JSD de Mangualde revela que: “No meu percurso pela JSD de Mangualde, maior parte dos participantes ativos nas reuniões e atividades da mesma, estavam em licenciatura ou em Mestrado. O PSD está numa altura fraca em Mangualde daí não ter percebido tanto essa realidade, no entanto sei que isso acontece na JS, onde o PS “reina” Mangualde com a maioria absoluta, e onde são prometidos trabalhos a jovens da Juventude Socialista”.
Hugo Andrade
Já Joana Sá Pereira discorda profundamente, dizendo que “quem compra guerras com determinadas questões e quem está na política, é mais escrutinado e está mais exposto a isso esse tipo de coisas e quem não quer, não vem para a política. Por isso é que eu não aceito que digam que nós estamos aqui por uma questão de carreirismo e dos perpetuarmos aqui. As pessoas estão aqui completamente desprendidas e se acham que o seu contributo é válido, assumem-no. Esclarecer as pessoas é o mais importante e bons e maus profissionais há em todas as áreas, a política não é exceção”. Posição partilhada por Passos Coelho, defendendo que não acredita “que as “jotas” sejam escolas de crime” e que a “política atrai o melhor e o pior, tudo depende depois de quem prevalece “.
“O futuro já começou”, “Razões de esquerda” e “A juventude não é instalada”, foram e são os lemas respetivamente de JSD, JS e JC/JP referidos pelos diversos testemunhos. Apenas há uma certeza no meio de tanta diferença, é a de que todas as juventudes partidárias procuram o melhor para o seu país através de ação, ativismo e militância, no fim prevalece em todas, a rebeldia do progresso.