Ligados por laços familiares e… pela música

A Bairrada é conhecida pelo leitão, pelo espumante e pela água do Luso. Porém, também é uma terra com talento. José Cid, Gonçalo Tavares, Maria Carlota Gomes e Sofia Afonso são a prova disso. Além de familiares têm outra coisa em comum: a música. Estamos perante um panorama musical de três gerações.

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José Cid. É este o nome artístico de José Albano Cid Ferreira Tavares. O cantor, compositor, músico e produtor musical português tem 74 anos e nasceu a 4 de fevereiro de 1942, na Chamusca, Santarém. Mudou-se para a Bairrada, mais especificamente para Mogofores (Anadia), quando tinha 11 anos. O cantor bairradino iniciou a sua carreira musical com o agrupamento musical Os Babies. Este grupo, criado em 1956, esteve ativo durante dois anos e dedicava-se à interpretação de versões. A primeira canção de José Cid, “Andorinha”, foi composta aos 17 anos e focava-se num tema com influências de jazz.

Iniciou estudos, em 1960, na Faculdade de Direito em Coimbra. Ao longo da sua estadia, integrou o Conjunto Orfeão, com Daniel Proença de Carvalho, Rui Ressurreição e José Niza, e o Trio Los Dos com Proença de Carvalho. Passou também pel’ Os Claves, banda de rock n’roll e surf rock. Abandonou a cidade dos estudantes em 1965, sem terminar o primeiro ano do curso, e entrou no Instituto Nacional de Educação Física. Aqui, fez uma audição e ingressou o Conjunto Mistério, dando origem ao Quarteto 1111, um dos projetos musicais portugueses mais inovadores. Foi neste grupo que se destacou no panorama musical, como vocalista e teclista, com a canção “A lenda de El-Rei D. Sebastião”.

José Cid foi chamado para o servir o país militarmente a um ano de terminar o curso de Educação Física. Foi oficial miliciano da Força Aérea Portuguesa, no Centro de Formação Militar e Técnica (na Ota), de 1968 a 1972.

Primeiro de muitos álbuns de Cid. “José Cid” foi o primeiro álbum a solo do artista, editado em 1971. Em 1973 lançou o disco “Vinte Anos”, considerado um dos maiores êxitos da carreira de José Cid e, no ano seguinte, surgiu “No dia em que o Rei fez anos”. O marco na história do rock progressivo, que teve reconhecimento internacional, foi o álbum “10.000 anos depois entre Vénus e Marte”, lançado em 1978. Um ano depois é gravado o disco “José Cid canta coisas suas”, com orientações para um grande público e composto por temas bem conhecidos por todos, como “Na cabana junto à praia”.

Após várias participais no Festival RTP da Canção, Cid vence a edição de 1980 com a música “Um grande, grande amor”. Depois disso, já em 1982, lançou um dos seus singles mais conhecidos “Como o macaco gosta de banana”. Mostrando também o seu gosto pelo fado, José Cid lançou, em 1987, um disco composto por fados conhecidos, “Fado de Sempre”. Em 1994, lança o álbum “Vendedor de Sonhos” e com este surge uma polémica, ao posar nu para uma revista apenas com o disco de ouro a tapar as suas partes íntimas, com a intenção de se debruçar sobre uma causa “que é a causa da música e da cultura portuguesa, porque a partir daí a música começou a ser mais desprotegida”, contou José Cid numa entrevista ao Jornal da Bairrada em 2015.

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“Pelos Direitos do Homem” foi o álbum solidário editado em 1996, dedicado à causa da independência de Timor-Leste. Com a participação de vários nomes, como Sara Tavares e Olavo Bilac, este trabalho foi agradecido por Ramos Horta, vencedor de um Prémio Nobel da Paz. Em 2000, o cantor surpreende o público lançando um livro, “Tantos anos de poesia”. Três anos depois, edita o CD “Antologia – Nasci P’rá Música”, no qual consta o tema “Minha música”.

Alguns anos apagado. Depois de vários anos afastado das luzes da ribalta, José Cid volta em força, em 2007, com a presença assídua em vários programas televisivos e em concertos de cariz académico, entre outros. Este regresso foi fruto da força notável que o cantor revela ter, principalmente quando se senta ao piano para cantar. Foi o primeiro músico a ser distinguido ganhando o prémio de consagração de carreira pela Sociedade Portuguesa de Autores em 2009. As suas baladas “Tocas Piano Como Quem Faz Amor” e “Um Louco Amor” inseridas no disco “Quem Tem Medo de Baladas” são consideradas, pelo cantor, uma autobiografia.

O trabalho mais recente de Cid foi o lançamento de “Menino Prodígio”. “É um álbum que entra na área da objeção de consciência, mais levada para o rock (…) com dezenas de canções censuradas pelo regime de ditadura, anterior ao 25 de abril”, segundo a RTP, de acordo com declarações feitas pelo cantor à Lusa.

Em entrevista ao Jornal da Bairrada (2015). Cid afirma que “os concertos de música portuguesa são os que mais público têm arrastado nos últimos tempos em Portugal” e, para ele, o público bairradino é muito bom e sabe participar. Com temas de grande sucesso e intemporais, “as minhas canções têm a ver com as pessoas, com o público, têm alma, são bem tocadas, bem cantadas. Têm poemas que agarram a ideia, o coração e a alma das pessoas”, atirou, orgulhoso. Para a criação de músicas que captam vários tipos de público, José Cid não se baseia em nada em concreto: “é inspiração pura. Foco-me simplesmente na forma de cantar e depois é a entrega total em palco, como se amanhã não houvesse mais mundo”.

Como um macaco gosta de banana, o cantor afirma gostar da Bairrada, dizendo convictamente que tem “as maiores referências de amizade e de pessoas para quem canto aqui na Bairrada”.

Referência para o sobrinho. José Cid é uma referência para o seu sobrinho, José Gonçalo Ferreira Tavares Amaral Gomes, bairradino residente em Aguim (Anadia). Presenteado pela veia artística musical, Gonçalo Tavares seguiu os passos do tio e é cantor e compositor português e… bairradino. “Com a sua voz, o fraseado que evoca grandes cantores românticos e crooners de respeito e um extraordinário instinto para as baladas poderosíssimas, Gonçalo é uma espécie de despertador de emoções. Alguém que com a sua arte acorda pequenas, mas necessárias revoluções no coração, com elegância e saber. A resposta literalmente apaixonada das plateias que o veem e ouvem cantar, não engana: Gonçalo vai direto ao coração, sem lamechices ou concessões”, pode ler-se no site oficial do cantor.

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Gonçalo Tavares, uma pessoa com vários olhares. “O Gonçalo Tavares é uma pessoa que gosta imenso de cantar, gosta imenso de liberdade, do campo, de compor, de escrever. Gosta muito de solidão, mas também gosta de estar no meio da multidão. Mas há um momento para tudo e o Gonçalo é um bocadinho uma pessoa irreverente, mas com a noção de que tem de ser suficientemente educada para não ser assim tão irreverente. É uma pessoa que se preocupa com os outros e que tem sempre isso em atenção”, apresenta-se o cantor. A sua paixão musical já vem desde pequeno. Gonçalo relembra a infância contando que “havia um piano lá em casa e eu tocava só nas teclas pretas porque soa sempre bem, e imaginava um público ali ao meu lado. Aos 14 anos já tinha dez músicas escritas e eram giras!”. Admitindo que a paixão pela música é uma coisa que se sente, o cantor “quando ouvia músicas sentia uma emoção dentro de mim que não sabia explicar e depois tentei meter isso cá para fora. E foi isso também que fez de mim músico”.

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Gonçalo Tavares foi fundador da Banda Tribo, uma banda de garagem que tinha músicas originais, e atualmente é parte integrante dos concertos do José Cid. Embora tenha referências como Stevie Wonder, Billy Joel, Elton John, The Beatles e artistas do rock sinfónico, José Cid é uma das suas grandes inspirações. O facto de o seu tio estar ligado à música foi, também, um ponto de partida para Gonçalo ingressar nesta área. “Eu tenho na família uma pessoa com a musicalidade e com uma força quase sinónima de guerra, porque o José Cid é um lutador. Não se chega aos 74 anos a dar concertos para 50.000 pessoas se não fores uma pessoa cheia de fibra diferente. Isto foi, de certeza, também decisivo”, garante Gonçalo, honrando o seu tio.

A maioria dos concertos de Gonçalo Tavares são com o José Cid. Cantando temas da sua própria autoria, senta-se ao piano e tudo acontece de forma natural e com muito energia. Para o cantor, atuar em Portugal ou noutros países é igual, porém remata que “é de certa forma mais fácil fazer um concerto lá fora, porque, de uma forma geral, a recetividade é maior”.

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Dois álbuns a solo. “O segredo que nos fez sonhar” foi gravado em 2010 e foi o primeiro álbum a solo de Gonçalo Tavares. Questionado sobre qual era esse segredo, tema do álbum, o cantor disse que “está relacionado com grande amigo meu. Ele já não está entre nós. Ele foi uma pessoa excecional com quem aprendi muito e lamento não ter aprendido mais. O álbum foi inspirado nele”. A primeira faixa deste álbum é a música “Rios”, que fala sobre um sítio que nos diga muito. “Há um sítio onde queremos ir e gostamos de ir porque sentimos lá uma força. Há um lugar na montanha que é teu inventado para ver o amanhecer (verso da música “Rios”). É um lugar, um sítio da nossa imaginação”, explica Gonçalo. O seu segundo álbum surgiu em 2012 e foi editado em 2014. “SE” é composto por uma mistura de baladas, pop e rock alternativo. O tema “Só me lembro de ti”, deste álbum, fez parte da banda sonora da novela da TVI “Jardins Proibidos” e o orgulho que o autor do tema sentiu quando tal aconteceu “é enorme, porque é darem-me a oportunidade de mostrar a música que faço e isso é importante”, atira, orgulhoso.

Participa em vários festivais da RTP na área da música. Afirmando que “são momentos da carreira e da vida que nos trazem muita aprendizagem”, Gonçalo Tavares não pode deixar de referir que “a RTP é um bom serviço de informação português. De todas as televisões é a que mais presta um serviço verdadeiramente público”. A participação mais especial para ele foi a do ano passado, 2015, no Festival da Canção em que conseguiu arrecadar o 2º lugar. Nesta pôde contar com o apoio do tio. “Até podemos ter uma grande música, mas se formos desconhecidos e não tivermos apoio não vamos longe, mas é assim que se aprende”, expressa-se o cantor.

Sonhou e construiu o Tempestúdio. Gonçalo queria muito ter um estúdio de gravação seu, porque queria gravar. Os bons estúdios estavam situados em Lisboa e ele não é de lá nem tinha possibilidades para ir para lá. O cantor assegura que “assim que pude fiz este estúdio com um projeto acústico pensado desde a primeira pedra, desde o primeiro tijolo. Tudo o que se vê neste estúdio foi desenhado e pensado”.

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O lançamento do próximo álbum de Gonçalo Tavares está programado para outubro/novembro e vai ser composto por 5 duetos, com André Sardet, Luís Represas, Sofia Afonso (filha do cantor), Maria Carlota Gomes (filha do cantor) e José Cid, mais sete músicas originais e compostas pelo cantor.

Paixão que “foi surgindo naturalmente”. Sofia Afonso e Maria Carlota são as duas filhas, gémeas, de Gonçalo Tavares. Têm 18 anos, gostam de cantar e de estudar e são a terceira geração musical da família. Ambas afirmam que a paixão pela música “foi e não foi incutida pelo pai. Desde miúdas que gostamos de cantar. Lembro-me (Sofia) que com 5 ou 6 anos gravámos uma música para a pré-primária. A paixão pela música foi surgindo naturalmente”.

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Muito parecidas, mas também muito diferentes, as duas irmãs têm gostos distintos, principalmente no que toca à música. A Maria Carlota gosta muito dos mesmos músicos que o pai, já Sofia é mais hip-hopper. Com uma voz bonita, única e afinada, as gémeas atuam ao lado do pai nos concertos dele. Para Gonçalo, tê-las a atuar com ele “é um orgulho enorme, porque elas são lindas e porque cantam muito bem. Há um misto de orgulho e de segurança, porque sei que sai sempre dali uma coisa boa e interessante. Sei que elas são um êxito”. Para elas cantar com o pai e com a sua banda é sinónimo de uma responsabilidade acrescida.

“Chuva ácida” é o nome de uma música da autoria de Sofia e Maria Carlota. Inicialmente foi um poema escrito para um projeto escolar do 7º/8º ano delas e, posteriormente, Gonçalo Tavares tornou-o ainda mais bonito, transformando-o numa melodia. Estar sempre ao lado das filhas é o que Gonçalo mais deseja e o conselho que lhes pode dar é “que estudem muito e cantem muito. Não há milagres nem segredos”.

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As duas irmãs são obviamente apaixonadas por música, mas também são aplicadas no que toca aos estudos. Questionadas sobre como gerem o tempo sendo estudantes e cantoras ao mesmo tempo, as gémeas afirmam que o fazem “de uma forma muito normal. Há uma divisão feita de forma natural e espontânea e não por obrigação”. Em relação ao futuro, “ambas temos o objetivo de ir para a faculdade. Não dizemos que não gostávamos de ter uma carreira musical, gostávamos! Mas também temos interesses noutras coisas”, finaliza Sofia, em nome das duas.

Susana Oliveira (texto)

Imagens: Direitos Reservados

 

 

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