“O meu peito tem rendinhas”

Rosa Ferreira é uma educadora de infância natural da freguesia do Campo – Viseu, onde coordena as atividades do Grupo Folclórico da Associação Social Cultural Recreativa e Desportiva de Moure de Madalena. No momento em que o grupo se começa a preparar para se tornar um grupo federado pela Federação do Folclore Português, a coordenadora esteve à conversa com o #dacomunicação.

Por Ana Cristina Cartaxo

Está no rancho há vários anos, consegue precisar há quantos exatamente?

Rosa Ferreira [RF]: Eu estou no rancho desde sempre, neste momento posso dizer que estou há 23 anos. O rancho vai fazer 22 anos a 8 de dezembro de 2019, foi criado em 1997. Fui a fundadora do grupo, a incentivadora digamos, e porque ninguém trabalha sozinha depois houve uma equipa que se juntou, mas posso dizer que já trabalho para o Grupo Folclórico de Moure de Madalena há 23 anos.

 

Quem é que esteve na origem da criação do rancho e quais foram as principais influências?

RF: Em 1996 fizemos uma festa muito grande na Associação de Moure de Madalena, porque estávamos a inaugurar uma parte das suas instalações. Eu na altura era educadora de infância no ATL aqui em Moure de Madalena e preparamos as crianças com várias atividades. Para enriquecer mais aquela grande festa, pedimos a alguns jovens se juntarem a nós e criamos uma coreografia para eles dançarem em palco. Essa coreografia tinha por base o folclore, pedi trajes emprestados ao grupo da Casa do Povo de Abraveses. E esse grupo de jovens, alguns que ainda permanecem no grupo, gostaram muito do que fizeram e as pessoas também gostaram muito. Depois achamos que era necessário que aquilo não acabasse ali e que as pessoas continuassem unidas a lutar por uma causa. E depois, qual era a melhor forma de manter um grande número de pessoas a trabalhar para o mesmo fim? Era um grupo de folclore. Qualquer outro grupo não leva tantas pessoas a interagir e conforme se criam assim se desfazem. Então, em conversa com algumas senhoras, com quem, na altura, eu confraternizava, concluímos que seria uma boa ideia encetar por esse caminho. E criamos o grupo, com a ajuda preciosa do Professor Carlos Miguel, que é um professor de música, e do seu avô, o senhor Carlos. Eles ajudaram nos muito no canto e na dança, o Professor Carlos Miguel ajudou-nos muito com a tocata. E fomos crescendo. Depois de ultrapassarmos aquela fase em que nós copiamos um pouquinho as coisas dos outros começamos a investigar, a pedir ajuda, a registar e a tentar que o nosso grupo se identificasse mesmo com o povo de Moure de Madalena.

 

Como é que foram os primeiros tempos do grupo?

RF: Muito bons. Inesquecíveis. Houve tanta gente a aderir que tínhamos sempre receio quando havia uma saída de autocarro que o autocarro não tivesse lugar para todos os elementos. Mas quando as coisas são feitas de coração…. Havia sempre uma ou outra pessoa que naquele dia não podia ir e nunca ficou ninguém de fora. Depois o que nos deu também muito ânimo foi preparar tudo. Tínhamos no nosso grupo na altura a costureira Ermelinda, que trabalha muito bem e ela talhou, costurou e ensinou-nos. Havia senhoras que sabiam coser à mão e casear e ensinaram a quem não sabia. As meninas cosiam botões, cosiam bainhas. Foi uma época de muito trabalho, mas muito produtiva. Foi mesmo muito bom. Muito bom.

 

Atualmente, pode ser intitulada de coordenadora do grupo. Quais são as suas funções?

RF: Eu não tenho um título, há um presidente da associação [de Moure de Madalena] e, eu sendo sócia, sou a responsável pelas atividades do Grupo Folclórico. Na realidade considero que sou a responsável técnica, porque por mim passa a investigação, a confeção e escolha dos trajes, as modas que se vão aprender a tocar e a cantar, a forma como se toca, se canta e se dança. Serei mais uma técnica que depois coordena todas as vertentes do grupo. Coordenadora também serei, se me quiser chamar assim.

 

Estando por dentro de todas as atividades do grupo, quais é que acha que são mais relevantes para o mesmo?

RF: Cada pessoa tem o seu próprio gosto e o seu objetivo ao estar no grupo, mas para mim a parte mais importante são os bastidores. A parte da recolha, da investigação, de ver como é que era, o preservar da memória. Para algum dos elementos mais jovens o que mais importa no grupo é cantar e dançar, para outras pessoas será talvez o poderem fazerem mais uma viagem a um cantinho ou outro de Portugal quando vamos nas atuações, para outros é importante estarem no grupo porque convivem e é a melhor forma que têm de contatar com as pessoas, de falarem e também ensinarem e de aprenderem. Cada pessoa, mediante os seus próprios interesses, vê mais importância nesta ou naquela vertente do grupo. Na verdade, para mim, o grupo é um todo, mas posso dizer que aquilo que menos me importa, e que para muitas pessoas será o mais importante, é a hora em que estamos em cima do palco, porque estarmos em cima do palco levou a que tivéssemos um trabalho antes que tem muito interesse. Um trabalho que é muito bom, que nos diz muito sobre aquilo que nós somos e fomos, de como foi a vida dos nossos avós, dos nossos bisavós. Essa parte de recolher as memórias, de as guardar, é aquilo que eu considero mais importante. Respeitando sempre os interesses dos outros membros do grupo.

 

Durante os vários anos em que o rancho está em atividade foram vários os seus membros. Acredita que a diversidade destes influencia o grupo? Como?

RF: Passaram pelo grupo Folclórico de Moure de Madalena pessoas de vários estratos sociais, que têm atividades diversificadas, que têm níveis de escolaridade diversificados, idades diversificadas, dos 90 aos 8 anos. Num grupo folclórico tentamos mostrar como era a vida do povo há mais de um século. Dentro do povo havia pessoas com mais cultura ou menos, com acesso a livros ou não, com uma forma mais rica ou mais pobre, com mais posses e menos posses, com uma atividade ou outra. Quantas mais pessoas estiverem dentro do grupo e quanto mais diversificadas forem as suas vivências mais o grupo fica enriquecido. Sempre com esta ideia de que o Grupo Folclórico de Moure de Madalena representa o povo português de há mais de cem anos, aqui da região da freguesia do Campo, alargando mais até ao concelho de Viseu e até um pouco mais… Porque um povo não vivia dentro de muros e as pessoas conviviam, comercializavam e iam a romarias e iam a ceifas fora, levavam coisas para ensinar e traziam outras aprendizagens de outros lugares por onde passavam. Portanto, quanto mais forem diversificadas as atividades e as idades das pessoas mais rico fica o Grupo Folclórico de Moure de Madalena. E então, as portas estão sempre abertas a quem quiser participar de coração.

Falando nos membros, são várias as famílias que fazem parte do mesmo, pais, avós, netos, tios e primos. Acha que o ambiente familiar que se vive no grupo é transmitido para fora?

RF: Às vezes as pessoas acham que o grupo é formado apenas por algumas famílias, portanto não vale a pena porque aquilo é só daquelas famílias. Pode dar essa ideia, mas na verdade entra uma senhora para o grupo, sente-se mais à vontade se for acompanhada pelo marido, se depois entram os filhos andam mais à vontade se com eles estiverem os filhos. E depois, se há uma avó e essa avó tenta levar a filha, tenta levar a neta ou o neto é natural que depois haja várias famílias. Há sim pessoas que também vêm sozinhas. Eu tentei sempre, desde que o grupo foi fundado, que as pessoas achassem que dentro do nosso grupo há um bom ambiente. As pessoas tentam partilhar, ser educadas, respeitar. Tivemos já várias ações para promover essas práticas de bom relacionamento entre nós e de relacionamento com os outros.

 

Como qualquer outro rancho, o seu principal objetivo é relembrar as tradições dos nossos antepassados, mas o que é que o rancho de Moure de Madalena tem que mais nenhum tem?

RF: O nosso grupo começou, como muitos outros, por querer imitar um pouquinho o que se fazia, porque quem não sabe é como quem não vê… Mas depois fomos adquirindo uma postura que achamos que era a postura própria dos antepassados de Moure de Madalena. E tentamos saber aqui no nosso povo como é que se cantava, como é que se dançava. Temos por exemplo, aquela moda, “O Meu Peito Tem Rendinhas”, que eu ainda não vi cantar em lugar algum, dançar já poderei dizer que sim, porque as nossas danças são todas muito idênticas até a de grupos que são daqui de perto. Mas esta modinha aprendemos aqui em Moure de Madalena com uma senhora que já faleceu e eu nunca a ouvi em outro lugar. Depois, a verdade é que somos um grupo e nos completamos uns aos outros, mas o nosso conselho para todos os membros do grupo é que sejam humildes e eu acho que a humildade é uma grande caraterística do Rancho Folclórico de Moure de Madalena. O nosso grupo é formado por pessoas que praticam a humildade em ensaios, convívios e atividades e isso diferencia-nos um bocadinho de alguns grupos que acham que já sabem tudo; ninguém sabe tudo e a humildade é uma base para estarmos abertos a aprendizagem, ao crescimento. E sim, há características diferentes. Nós vestimo-nos de uma forma muito, muito simples porque em Moure de Madalena era tudo muito simples, direi que era tudo, quase tudo muito pobre. Pessoas com pouquíssimas posses e isso vê-se até na dificuldade que existe em recolher peças, porque as pessoas tinham pouco e gastaram o que tinham.

 

No último ano o grupo participou na Europeade. Como classifica esta experiência?

RF: Excelente. Obrigou-nos a sair da nossa casca, das nossas casa e vidas para estarmos disponíveis aqueles dias todos. E depois vimos coisas que desconhecíamos, partilhamos os nossos dias com pessoas com estilos de vida diferentes, formas de estar diferentes. Foi excelente a todos os níveis, só nos enriqueceu. Foi mais do que bom termos participado.

Por fim, e quase a terminar esta entrevista, o grupo já tem mais de 20 anos. O que é que o futuro vos reserva?

RF: Neste momento, eu estou a preparar o grupo para entrarmos na Federação de Folclórico Português. Até lá chegar sei que há um grande trabalho a fazer, há um caminho a percorrer, há melhorias que têm de ser aplicadas. Nós agora não sentimos a responsabilidade de ser um grupo federado e, sabendo que muitas vezes a nossa representação tem erros, como não somos federados, vamos deixando passar. Quando chegar o momento de eu pedir a federação para nos virem avaliar, o trabalho terá de ser muito mais rigoroso. E claro que isto acarreta, depois, um peso de responsabilidade, que no fundo também nos vai fazer crescer mais e sermos mais autênticos. Mas, o passo a seguir agora será o da federação e temos já o caminho aberto. Tenho certeza de que no dia em que quisermos encetar por esse caminho as portas estarão abertas porque eu confio plenamente que temos um trabalho muito sério que temos feito e que nos irá abrir as portas da federação.

 

 

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