“A nossa preocupação não é vender, é dar a conhecer o nosso produto”

Para os madeirenses em geral, para os “festarolas”, para os turistas e para quem está de férias em casa, a quadra natalícia é a melhor altura do ano na tão acalmada Pérola do Atlântico.

As iluminações de Natal pintam a vista com mais cor e, como foram completamente renovadas este ano, no centro da cidade, o novo tema foi o marco dos 600 anos da descoberta das ilhas da Madeira e Porto Santo. Ficou assim montado o cenário perfeito para uma época natalícia em que todos podem aproveitar.

Nesta cidade, as atrações ao longo do mês de dezembro são muitas. A partir do dia 1 até ao dia 6 do mês seguinte, entra em ação o mercado de Natal na Avenida Arriaga. No outro lado do centro da cidade, temos também em curso a Feira de Natal, ao lado do cais da cidade. Conta com várias diversões, incluindo um circo sem animais e uma zona ampla de restauração. Na noite do dia 23 de dezembro acontece uma emblemática tradição: a Noite do Mercado, um festejo popular no Mercado dos Lavradores e talvez uma das noites mais esperadas do ano na Ilha da Madeira.

As ruas do centro do Funchal são fechadas ao trânsito e inundam-se de pessoas que se espalham pelas barracas de comes e bebes que estão montadas por todo o lado. A estas juntam-se os cafés, bares e restaurantes, que ficam abertos durante a noite, e também as floristas e as mercearias. É provavelmente uma das tradições madeirenses mais antigas e conta que, antigamente, as famílias saiam de casa no dia 23 para fazerem as suas compras, no Mercado dos Lavradores, para a ceia de Natal.

 

Das tradições aos novos costumes

“Placa Central” é o nome dado ao mercado de Natal no centro do Funchal. É na Avenida Arriaga que, há quatro anos consecutivos, se montam as “barraquinhas” de Natal durante a época natalícia, em conjunto com um presépio vivo, no Largo da Restauração.

Este é um dos novos costumes natalícios que já começa a ser tradição. O objetivo principal das barracas é dar a conhecer ao público e ao turismo os produtos regionais, como vinhos, cervejas, ponchas, bolo do caco, bolo de mel, broas de mel de cana, entre outros.

O costume é que o povo vá até ao centro da cidade, à noite e em qualquer dia da semana, para se divertir com a sua família e amigos, enquanto faz proveito dos produtos regionais nas várias barracas.

As barracas estão montadas desde o dia 1 de dezembro até ao 6 de janeiro e têm o formato de uma casa de madeira, enfeitada com luzes ou com cores verdes e vermelhas.

Abrem, normalmente, depois da hora de almoço, fecham à meia noite, em dias úteis, e às 2h aos fins- de-semana e vésperas de feriado. Quem está de férias e quer aproveitar, considera que este horário poderia ser alargado e, para quem trabalha nas barracas, também não se importaria de servir por mais tempo. “Quem trabalha, fá-lo por necessidade, não é por desporto, mas é sempre bom e cada um faz o que gosta. É um extra que entra e ninguém esta ca contrariado” diz Luís Freitas, da barraca “Casa Típica Regional”.

Para poderem exercer o seu negócio naquele espaço, os comerciantes pagam uma licença à Câmara Municipal do Funchal (CMF), pagam também a montagem e desmontagem das barracas e a eletricidade/água que gastam.

Emanuel Macedo, um empregado da barraca “Venda do André”, diz que “é tudo financiado pelo nosso patrão, incluindo as licenças, a montagem da barraca e a mercadoria”.

 

A variedade regional dos novos costumes

Carne de vinha d’alhos, poncha e cerveja Coral são alguns dos produtos que não faltam em quase nenhuma “casinha” da Placa Central. A verdade é que os produtos que mais se vendem na maioria das barracas não especificas são a poncha regional e a carne de vinho e alhos em pão de bolo do caco. Graça Coelho trabalha na “Tasca do Duarte” e diz que “a nível de bebida temos poncha regional a 2€, porque é a que se vende mais, e as restantes a 2,5€. Temos cerveja e ginja, que vendemos num copo feito de chocolate. Tínhamos também licores caseiros, mas foram retirados, apesar de terem muita procura, pois os licores eram todos feitos com ervas endémicas ca da madeira. Os turistas adoravam!”.

As barracas específicas são as que dão mais variedade à Placa Central, porque apresentam produtos diferentes das outras barracas e, desta maneira, aumentam a concorrência, assim como o publico. A “Juicy Colours”, chefiada por Tiago Silva, representa o Mercado dos Lavradores e não tem bebidas, apenas fruta fresca e frutos secos. A fruta mais cara é aquela que está fora de época, mas Tiago Silva diz que o que os clientes têm comprado mais, são anonas, tangerinas e tomate inglês.

“Casa Justino’s” é uma casa de Vinho Madeira e vinho de mesa. Paula Ornelas explica a variedade desta barraca: “temos os vinhos de 3 anos (gama completa), 5 anos (doce e seco), 10 anos (gama completa) e algumas colheitas”.

Recentemente, esta empresa ganhou medalhas de ouro com as suas colheitas e, por isso, decidiram destacá-las: duas variedades de colheitas de vinho doce e outra de meio- doce. “A nível de preços, vendemos uma garrafa de 3 anos a 6,5€; de 5 anos a 9,5€; de 10 anos a 18€; e as nossas colheitas custam 30€”, confirma Paula Ornelas. Para a venda dos vinhos doces ou meios doces, e à semelhança da “Tasca do Duarte”, o vinho é servido num copo de chocolate e é acompanhado com alguns petiscos, como azeitonas.

Outra barraca especifica em bebidas, é a “Bar Vilhoa”, de Pedro Pinto. Esta é uma casa especializada em cervejas, que representa quatro marcas que têm várias referências. A maior parte são cervejas artesanais portuguesas, mas o produto regional continua presente, como explica Pedro Pinto: “a nível regional temos três referências de cervejas: a Plantageneta, que é uma colaboração com a Justino’s Madeira e com a cervejeira Oitava Colina. Tem a particularidade de ser uma cerveja enriquecida em barris de Vinho Madeira. A outra é a Fall Staf e temos ainda uma cerveja que se chama Rebemdita, que foi uma colaboração com a Cervejeira Letra, que leva um pouco de lactose e polpa de maracujá”.

“Engenho do Mel” é a barraca mais composta por comida regional. Para além da carne de vinho e alhos e do bolo do caco, vende também bolo de mel e broas de mel. “A nível de bebidas, temos o licor de ginja, o rum, a aguardente de mel da cana. Vendemos também o mel de cana de açúcar em frascos de 100ml. T emos também rebuçados de chocolate com mel e de chocolate com bolo de mel, tudo feito à base de produtos regionais”, diz-nos Tamára Silva, que trabalha na fábrica do Engenho do Mel há 5 anos.

 

Da procura do público local à adesão do turismo

A Madeira é atualmente um dos destinos de renome a nível nacional e internacional. As suas qualidades turísticas parecem melhorar a cada ano que passa e, prova disso, é que já em 1999, a UNESCO (em português: Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) reconheceu a ilha como Património Mundial Natural da Humanidade.

O arquipélago venceu o prémio de Melhor Destino Insular do Mundo desde 2015, prémio atribuído pelo World Travel Awards. A cidade do Funchal foi mesmo considerada a segunda melhor cidade para se viver, em Portugal, no ano de 2018. As distinções são, portanto, muitas e, por isto, percebemos que é uma ilha que vive muito do turismo. A época natalícia é, sem dúvida, a altura de mais procura internacional, devido à festa de fim-de-ano conhecida em todo o mundo.

Para além do fim-de-ano, existem ainda outras atividades durante o mês de dezembro e a Placa Central também conta com a adesão turística. Paula Ornelas, da Casa Justino’s, considera que existem “dois tipos de clientes: temos o turista e temos o cliente regional. O cliente regional já conhece o nosso produto, vem sempre à procura do vinho doce ou seco. O turista vem na curiosidade de descobrir o que é o vinho madeira. Então começa por conhecer os vinhos de 5 anos, até provar os de 10 e as colheitas”.

No geral, os comerciantes afirmam que este ano teve mais adesão turística do que no ano anterior. “O turismo adere mais durante o dia, até ao fim da tarde são muitos os estrangeiros curiosos. O cliente regional vem mais à noite, porque normalmente já conhece o espaço e os produtos e, por isso, não vem conhecer nada de novo, mas sim passar um bom bocado de lazer”, diz Pedro Pinto.

Os clientes madeirenses têm a mesma opinião. André Santos, residente no Funchal, afirma que a Placa Central é “uma ótima iniciativa, dá outra dinâmica ao centro da cidade. Dinamiza o comércio, dá oportunidade a outras pessoas para exporem os seus produtos”, no entanto, também tem queixas: “o estacionamento é longe e, nesta altura, fica ainda mais complicado. Se arranjassem uma alternativa para essa situação era bom”.

Já os turistas têm outra opinião. Hannah Durk, natural da Alemanha, considera o designo do espaço “muito natalício”, o que a faz sentir-se em casa.  “As pessoas são muito amigáveis e os preços são bons! O tempo ajuda, porque é quente e as pessoas querem sair de casa por isso”, realça a turista.

O casal Smith, vindo de Jersey, destaca o ambiente e as pessoas. “É agradável de dia ou de noite!”, afirmam, destacando ainda que apesar de ser um local movimentado não sentem insegurança.

 

Também Graça Coelho fala na questão da criminalidade e considera que a população madeirense vive feliz e é pacifica. “Eu gosto de trabalhar nesta altura, porque as pessoas estão todas bem-dispostas e querem divertir-se. Uma das melhores coisas é que não há confusão, roubos, criminalidade é zero e pancadaria nada. Faço barracas há 3 anos e nunca assisti a zaragatas nem confusões desse género aqui”.

 

De quem está de férias até quem trabalha para a animação dos primeiros

A opinião geral é de que, durante o mês de dezembro, a época que teve mais venda foi durante a semana de Natal, pois inclui o dia 23, a Noite do Mercado, sobre a qual os comerciantes dizem ter sido a que mais movimento teve.

Paula Ornelas e Graça Coelho partilham a mesma opinião, os dias de mais movimento foram os que tiveram animação. “Se tivermos animação na Placa Central, temos movimento”, diz Paula. “A semana de natal foi quando tivemos mais adesão. É a semana em que há mais música ao vivo, bandas, espetáculos de rua. Onde há música é onde as pessoas estão”, diz Graça.

Dentro desta animação, insere-se outra tradição madeirense: o Bailinho. Um dos grupos que se insere nesta arte folclórica é o Grupo de Folclore da Ponta Do Sol, chefiada por António Correia.

“A atuação faz parte do reportório do grupo, que é à base de músicas, cantigas, danças e interação com o público. São músicas recolhidas da Ponta Do Sol e que já estão no reportório do grupo desde 1981, portanto, em 37 anos tem sido feito algum trabalho”, diz António. O grupo é composto por miúdos e graúdos, variando as idades entre os 10 e os 55 anos.

Tiago Silva, da “Juicy Colours”, considera que a sua barraca é como uma promotora da Placa Central, pois é das primeiras da rua. “Acho que o evento esta a ser bem divulgado por parte dos comerciantes”. Emanuel Macedo, da “Venda do André”, concorda. “Nós fazemos isto por escolha, mas já que cá estamos, que pelo menos seja compensado, porque acabamos por nos divertir também”.

No entanto, entre os clientes as opiniões variavam e alguns chegaram mesmo a afirmar que, por vezes, os comerciantes querem tanto vender produtos aos estrangeiros, que acabam por nem atender os outros clientes. Paula Ornelas discorda e chega mesmo a afirmar que, para ela, é um orgulho e um prazer estar a representar a sua casa e dar a conhecer um produto regional a qualquer pessoa, não só ao turista, mas também ao madeirense. “As vezes focamo-nos apenas no turista e esquecemo-nos de olhar para o regional. A nossa preocupação não é vender a quem tem dinheiro para pagar, é dar a conhecer o nosso produto!”.

Reportagem e imagens: Andrea Gonçalves

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