Jogar fora de portas: o profissional no meio do amadorismo
Portugal. Este território à beira-mar plantado que nos últimos anos tem sido um país tão apetecível para emigrar e fazer vida. Todas as áreas económicas têm recebido cidadãos estrangeiros e o desporto é uma delas, sendo que Portugal conta hoje com as melhores academias jovens da Europa. Mas se alguns têm a sorte de começar por cima, outros têm de iniciar o seu percurso nos campeonatos amadores.
Reportagem de Bianca Leão
Guilherme Neumann, jogador brasileiro, já passou pelas distritais de Viseu. O atleta representou o GD Mangualde na época transata, contando também com uma aparição na Académica. Atualmente joga na AD Lagares da Beira, do distrito de Coimbra. “Apesar de nos clubes por onde passei sempre ter sido muito bem rececionado e ter tido excelentes condições para executar o meu trabalho, nenhuma condição foi tão boa como a que o Lagares está me a proporcionar”, admite o atleta, que chegou a Portugal com apenas 11 anos de idade.
O defesa tem direito a salário, casa e alimentação, reconhecendo que isso é um luxo: “Conheço amigos que precisam de trabalhar, porém esse não é o meu caso”. Nascido num bairro pobre de São Paulo, no Brasil, refere que “a adaptação a Portugal foi um pouco difícil por conta do frio”. Além da questão climatérica, Guilherme Neumann considera Portugal como “um país super agradável e super acolhedor, com uma excelente segurança”.
Luiz Maia vive e joga na Lagoa, em São Miguel, nos Açores. Representa o Operário local, mas em Portugal já jogou com o emblema do Mirandela, do Guiense, do GD Valpaços e do Carrazeda de Ansiães. À semelhança de Guilherme Neumann, Luiz Maia foi bem trado e acolhido pelos portugueses. “Vivia com colegas brasileiros, o que me deixava mais à vontade”, relata
Sobre o seu início de carreira, o médio refere que a sua experiência neste mundo “não foi luxuosa”. Luiz Maia estava num clube do interior de São Paulo, morava na academia com mais 15 ou 20 atletas, tinha direito a refeições e alojamento. “Os profissionais do clube que eram responsáveis por nós tratavam de tudo que precisássemos”, recorda. Já no que toca aos clubes portugueses, o atleta de 22 anos considera que “boa parte dos clubes amadores não tem condições para receber um estrangeiro, por ser caro manter uma pessoa de fora e pela burocracia de uma possível transferência internacional”.
Opinião diferente tem Guilherme Neumann, para quem “o nível segue muito alto na competição e a maioria dos clubes tem uma ótima condição para receber jogadores estrangeiros”. O atleta do Lagares da Beira defende que a única dificuldade é que “o campeonato impõe uma regra de que apenas cinco estrangeiros possam ser inscritos na ficha de jogo, o que acaba por prejudicar a competitividade, fazendo com que muitos jogadores estrangeiros só treinem e pouco joguem”.
“Há equipas amadoras que não estão prontas para receber jogadores” estrangeiros
Daniel Rodriguez é um cafetero – jogador colombiano – que conta com um currículo vasto em Portugal. Atualmente defende as cores do Lusitânia de Lourosa, tendo já passado pela Liga 3 ao serviço do Oliveira do Hospital e pela Liga Portugal Sabseg ao serviço da Académica de Coimbra, sem falar das suas passagens pelos Armacenenses e pelo Benfica de Castelo Branco.
O jogador nascido em Popayan, no sudoeste da Colômbia, chegou a Portugal depois de ter passado algumas épocas na Bolívia. “Pelas equipas que passei, o clube que me deu melhores condições foi o Benfica e Castelo Branco, onde estive três anos e me sentia em casa. Graças a Deus nunca passei nenhuma situação má, mas vejo muitos colegas meus com problemas causados pela emigração. Há muitas equipas amadoras (e não só) que não estão prontas para receber jogadores vindos de fora do país, fazendo-lhes promessas que não podem cumprir”.
Luiz Maia refere que recebe salário e não precisa de nenhum trabalho extra para se manter. Sobre o clube que melhor condições lhe deu, o mesmo refere o seu clube atual, o Operário, mas não deixa de frisar o Ponte Preta do Brasil: “além de ser um clube profissional, eu tinha todas as condições e muitas mais para o meu desenvolvimento pessoal e profissional”.
Jogando num escalão acima de Neumann e Maia – Daniel Rodriguez joga no Campeonato de Portugal – o lateral recebe um salário e também não precisa de algum trabalho extra futebol para conseguir sustentar-se. Tal como Luiz Maia, também Daniel Rodriguez destacou o facto de nos primeiros tempos em Portugal ter partilhado casa com outros jogadores da sua nacionalidade.
Numa semana em que têm saído notícias que no campeonato semiprofissional da Liga 3, os plantéis do AD Fafe e do LANK Vilaverdense fizeram greve por salários em atraso, é possível deduzir que ser emigrante em Portugal pode ser bastante difícil, ainda que nem todos partilhem as mesmas dificuldades. Guilherme Neumann, Luiz Maia e Daniel Rodriguez abraçaram Portugal como a sua casa e têm conseguido fazer um percurso notável nos campeonatos amadores – Campeonato de Portugal e divisões distritais – conseguindo sobreviver realizando apenas o seu sonho, ter a bola nos pés.