“Imaginava-me a escrever e as letrinhas com os sapatinhos de salto alto a desfilar”
Maria Lima é uma jovem de 25 anos. É natural de Espinho, cidade portuguesa pertencente ao distrito de Aveiro. Atualmente é blogger e trabalha numa empresa em Secretariado de Línguas. Nos tempos livres gosta de ler e de estar sempre atenta às notícias que a rodeia. Ativista, mulher forte e firme confessa que devemos seguir os nossos sonhos e sermos, acima de tudo nós próprios.
Por Diana Pedrosa
Quem é Maria Lima?
Considero-me uma mulher extrovertida que gosta muito de comunicar, e de estar sempre com a cabeça ocupada de coisas para fazer.
Quando é que se apercebeu que queria ser modelo?
Aos 14 anos gostava muito de ver o espetáculo dos desfiles, particularmente os da Claudia Schiffer. Naquela altura não se falava noutra coisa, era a grande moda do momento. Começaram a surgir os programas de moda como Cabelo Pantene e outros concursos e foi a partir daí que comecei a criar o gosto pelo mundo da moda.
Qual é a ligação que tem hoje com o mundo da moda?
Neste momento vejo a moda apenas como passatempo. Em pequena não tinha grande ligação com este mundo, simplesmente gostava de ficar a admirar o espetáculo em si. Mais tarde fui questionada nas ruas do Porto para frequentar um curso de moda. No decorrer do curso participei em desfiles para várias marcas. Cheguei a representar a minha faculdade num concurso com todas as faculdades da Universidade do Porto, na qual fiquei em primeiro lugar na minha faculdade, representando a Faculdade de Letras. Em geral, penso que as coisas não tiveram o rumo que esperava, todavia, este rumo foi o mais certo para mim.
Como entrou para o programa “À procura do sonho”?
Na altura vi na televisão e enviei mensagem para participar no programa, ao qual me responderam que teria de aparecer no Hotel Melia Gaia Porto. Lembro-me que não estava convicta em participar. Uma colega que vive muito perto de mim tinha-se inscrito e ela acabou por me convencer a ir também. Acabei por passar e ela não. Na segunda fase voltei lá com a minha mãe, mas desta vez pensava que não ia passar, porque tinha mais anca do que aquilo que eles queriam na altura. O que agora já aceitam. Lembro-me que tinha 5cm a mais do que era suposto, o que é uma estupidez. A jurada Fátima Lopes disse-me que gostava de mim, mas os outros jurados não gostaram da ideia de ter mais peso do que era suposto. Um elemento do Júri disse-me que eu não conseguia perder esses centímetros de anca em apenas uma semana. Nessa fase do concurso recordo-me que me cruzei com o Renato Seabra, que estava num grupo em frente ao meu. Filmaram-me imensas vezes e num desses momentos pediram-me para desfilar e foi nesse instante que apareci na televisão. De todas as coisas boas desta experiência, uma delas foi a quantidade de amizades e laços que criei.
Que expetativas tinha quando entrou no programa?
Eu não fui com expetativas altas, contava passar à primeira fase, mas à segunda não. Sei que na primeira iria passar, pelo olhar, aspeto físico e pela maneira de desfilar. Sentia que tinha um “toquezinho” para aquilo, sempre fui uma pessoa que dançou muito ao longo da vida. Participei em vários concursos de Valsa e ganhei um deles.
Acho que a dança também me ajudou a sentir mais à vontade com a passerelle, como já tinha feito alguns desfiles antes, sabia que já estava uns pontos acima das outras pessoas que nem sequer sabiam andar de saltos.
Como pode descrever o seu percurso durante o programa?
Acho que foi bom, pois fiz grandes amizades, conheci novas pessoas e, acima de tudo ajudou-me a perceber um bocadinho da realidade que me rodeava. Como não fui para lá com expetativas, não contava passar. À primeira pelo menos queria ser aprovada, acho que isso toda a gente quer. A partir daí as coisas já se tornam mais difíceis, porque começam a entrar novas medidas que pesam na balança, e neste caso o que pesou foi o meu peso, mais a medida em cima da anca. Mas foi por muito pouco.
Sente que a entrada no “À procura do sonho” mudou a sua vida? De que forma?
A minha vida mudou, pois comecei a achar aquilo uma autêntica estupidez devido ao meu peso não ser o ideal. Comecei a aperceber-me de que haviam outras coisas para além daquilo. Já estava a ganhar alguma maturidade e com o passar do tempo ganhamos ainda mais. Sei que estava a olhar para as coisas de um outro prisma que agora não vejo. No programa estavam imensos jovens cheios de altas expetativas que acabaram por ficar de rastos quando não passaram. Muito antes de ter entrado para o programa, já tinha passado por muito, cerca de um ano antes fiz um curso de moda, o qual não aconselho.
Porque é que não aconselha a fazer este tipo de cursos?
Nós não temos de pagar por um curso de moda. 90% arrependo-me, porque não compensa pagar um montante tão elevado a pessoas que só nos querem enganar e aproveitarem-se dos sonhos dos jovens. Na realidade, as verdadeiras agências querem é fazer dinheiro com o sucesso dos jovens, ou seja, arranjarem-lhes trabalhos e ganharem as suas percentagens com eles. 10% não me arrependo porque tive teatro e graças a esta arte, consegui tornar-me numa pessoa mais desinibida, mais extrovertida e a desenvolver-me enquanto pessoa. O que eu acho é que os indivíduos devem ser fiéis a eles mesmos. Imagina, tu és a pessoa que és, com as medidas que tens, fazes o quiseres da tua vida, comes com os talheres como quiseres e andas na rua da forma que te sentires mais à vontade.
A Maria tem um blog desde 2012. Como é que surgiu e que temáticas explora nele?
Sim, é verdade criei um blog em julho de 2012, fui das primeiras bloggers cá em Portugal. Agora já não escrevo tanto, porque sinto que já não sou uma pessoa politicamente correta, às vezes tenho muita vontade de dizer isto ou aquilo, mas o melhor é estar calada. Gosto de mostrar aquilo em que acredito e acho que estou numa fase em que não sinto essa necessidade de me expor publicamente. Agora, dou por mim a ler todos os dias o jornal “Expresso”, recebo várias notificações o que é espetacular. Estou sempre atenta às notícias do dia, tenho sempre as minhas aplicações, as minhas revistas que compro e faço coleção há anos. De tudo o que escrevia no blog o que acabou por se tornar numa paixão foram as entrevistas, aí eu comecei a gostar muito e a sentir-me bem pelo trabalho que fazia. Agora sinto que já não dedico tanto tempo ao blog porque a vida profissional também não o permite.
Em projetos futuros já pensei abordar um blog mais direcionado para o futebol, por exemplo. O mundo dos blogs já não é aquilo que era há uns tempos atrás. Este mundo consiste em dares a tua opinião, consiste em mostrares através da escrita, de vídeos ou plataformas digitais a tua verdadeira opinião. Existem muitos blogs que ainda são fiéis aos seus princípios e gostos, mas são poucos. O que acontece hoje, é que grande parte dos blogs são influenciados pela publicidade e o dinheiro. Nesse caso acho que estão a ser infiéis a eles próprios, porque estão a vender um produto ou uma marca que nem sequer gostam, mas fazem isso pelo dinheiro. A essência está a perder-se e acho isso “super deselegante”.
Sente que a moda foi o ponto de partida para descobrir uma nova paixão: a escrita? Como surgiu este novo amor?
Não foi de todo, porque eu já escrevia, simplesmente eu tinha vergonha de me expor e foi através do meu blog que consegui desenvolver mais a minha capacidade de escrita e ganhar mais confiança. Posso dizer que o mundo da moda, de certa forma, impulsionou e fez com que me dedicasse mais à escrita, através dos artigos e das entrevistas que fazia. Uma amiga minha da faculdade em Coimbra, que trabalhava na Moda Lisboa, incentivou-me para que eu escrevesse um blog dedicado à moda. Como vi que não ia conseguir ser modelo, aproveitei os bons laços que já tinha construído e essa paixão que tinha por escrever. Associei então o meu curso, que era muito teórico, à escrita sobre a moda. Já tive um blog antes deste, mas acho que ninguém chegou a ler. Gostava de escrever sobre o que me rodeava e na altura, dedicava poemas e dedicatórias à minha avó, que tinha falecido.
A história do blog começou numa brincadeira, mas ao mesmo tempo era uma coisa muito séria para mim. Só para terem uma noção disso, sei que demorei à vontade uma semana para escolher o título do blog e só pensava naquilo. Tanto pensei que até acho que ficou engraçado: “Palavras de Salto Alto”. Imaginava estar a escrever e as “letrinhas” com os sapatinhos de salto alto a desfilar”. Foi o querer escrever algo sobre a moda e achar que as palavras andassem por elas só a desfilar. Cheguei a ter várias oportunidades de estágio em grandes revistas portuguesas, no entanto, as possibilidades não eram as melhores.
De todas as entrevistas que já fez, qual foi aquela que mais a marcou? Porquê?
Talvez a Blanca Padilla, modelo que desfilou pela Victoria Secret, porque não sabia o que lhe iria escrever, nem o que havia de lhe perguntar. Tive de pensar bem na entrevista que ia fazer. Precisei de arranjar contactos em Espanha, trocar emails e falar com o agente dela. Foi muito difícil, quer dizer trabalhoso, as coisas não são difíceis dão é trabalho e para se ter resultados é preciso trabalhar. Acho que esta entrevista me deu gozo e ao mesmo tempo esta foi a modelo mais comentada e a que mais impacto teve em mim.
Visto que muitas manequins caem diariamente em distúrbios alimentares devido a exigências impostas por programas e agências, o que tem a dizer sobre isto? Concorda com estas medidas?
É curioso, agora estou a lembrar-me da campanha da Calzedonia e da entrada da Barbara Palvin para ‘’anjo’’ da Victoria Secret. Esta manequim foi agora promovida a anjo principal da marca juntamente com a Sara Sampaio e outras modelos. Há uns anos atrás, quando comecei com o meu blog fiz várias entrevistas que me despertaram a atenção. Uma delas foi Blanca Padilla que na altura ainda não era conhecida. O facto de ela não ser famosa facilitou o processo da entrevista. Contatei-a via Facebook e perguntei-lhe se poderia entrevistá-la, minutos depois a manequim reencaminhou-me para a sua agente. Como já tinha entrevistado outras modelos espanholas e estado pessoalmente com uma modelo que trabalhou para António Bandeiras, consegui arranjar facilmente contactos espanhóis e chegar até à modelo em questão. O que eu não sabia e que de certa forma também se identifica comigo, é que Blanca era uma mulher ativista no sentido das medidas. No seu percurso ao longo da moda ela sempre manteve uma postura firme e fiel, sempre manteve a sua essência independentemente do que os outros diziam. Neste mundo que é a moda, outros interesses falam mais alto, como é o caso da exposição, da popularidade e do marketing. Visto que as medidas impostas pelas agências, concursos e outras entidades da moda estão ultrapassadas, a marca de lingerie tem apostado em modelos plus-size. Barbara Palvin é um bom exemplo desta mudança que se faz sentir.
Simplesmente não concordo, não concordo com as medidas que são exigidas aos jovens. Há dois anos atrás assinei uma petição internacional contra um desfile super famoso.
A Maria também já teve um episódio de distúrbio alimentar? Se sim, quais foram as razões?
Comecei a fazer o curso de moda, começaram a surgir novas oportunidades e eu queria ver no que dava. Até que fui a uma agência e pediram-me para emagrecer dez quilos. Todos os dias acordava às escondidas dos meus pais, ia ao quintal retirava os limões, adicionava-os em pedaços à garrafa de litro e meio e depois acrescentava vinagre e chá verde. Acabei por ser descoberta, tempos mais tardes.
De manhã bebia só leite e ia logo para a escola, não comia os meus lanches a meio da manhã e a meio da tarde. Ao almoço só comia um croissant. Cheguei a um ponto em que o meu corpo já não aceitava comida, lembro-me de sair das aulas e ir a correr para a casa de banho para vomitar líquidos que o meu estômago produzia. Comecei a sentir-me mal.
À tarde não comia quase nada, quando comia era apenas fruta e depois ao final do dia comia sopa e alguma coisa só para os meus pais não ficarem preocupados. Quando entrava o fim-de-semana aí só comia sopa ao almoço e à noite e adicionava sempre água para encher o estômago. Lembro-me que muitas vezes estava com fome, mas distraí-me no computador para que isso passasse e, sempre que tinha fome recorria a água. Até que um dia não consegui levantar-me da cama e os meus pais acharam melhor levar-me a um hospital.
Uma vez que já recebeu vários convites para desfiles de moda e teve a oportunidade de entrevistar alguns estilistas portugueses e internacionais. O que tem a dizer da moda nacional portuguesa?
Penso que a moda nacional está a evoluir de uma forma muito futurista e não tão com os traços que eu aprecio e gosto. Contudo, isso também está relacionado com os meus gostos pessoais, há pessoas que gostam de uma moda mais futurista neste caso, conciliar muito o clássico, o casual e o desportivo e eu não gosto tanto. Gosto muito da marca Micaela Oliveira, porque é um estilo romântico, cheio de rendas. Luís Buchinho tem evoluído sempre no seu próprio registo, sempre fiel ao estilo futurista. É daqueles casos em que não vês o nome, mas sabes logo identificar quem é o estilista. O que é muito bom. De uma forma geral, acho que a moda nacional está a evoluir bem, mas é normal que por vezes nos identifiquemos mais com uma marca do que com outra.
Tem alguma referência no mundo da moda?
Como modelo Barbara Palvin, porque não emagrece e nem sequer se preocupa com isso, aliás até levou hambúrgueres para o desfile da Victoria Secret e está a chegar longe com as medidas que tem. Também porque estamos nos tempos em que estamos, porque se fosse há dez anos atrás não sei se chegava tão longe. Como profissional e empreendedor Luís Onofre porque está a levar Portugal longe com o calçado, gosto muito dos trabalhos que ele tem feito. Agora, já não é só o calçado italiano que é conhecido, o português também está a ganhar nome, cada vez mais.
Como estilista da Micaela Oliveira. Consegue conciliar muito bem as suas incríveis criações com o marketing com as modelos que contrata, desde modelos a filhas de jogadores de futebol. Já tive oportunidade de ver quando fui ao Portugal Fashion e gostei bastante.
Referências de agências nacionais podemos ver a Central Models e a Elite já tive contacto com esta agência quando fiz parceria para fazer entrevistas às modelos deles. Consegui entrevistar pessoas muito interessantes. É bom destacar que gostei muito da entrevista que fiz à Jani Gabriel que me surpreendeu muito, por mostrar a pessoa que é, e não uma pessoa “snob” que existe muito no mundo da moda como também noutros setores. Mas foi simpática comigo e isso marcou-me muito. Atualmente, a modelo está a ter uma carreira muito interessante no mundo da comunicação social. Está de parabéns.
Que conselho pode dar aos jovens que querem ingressar no mundo da moda?
Serem eles próprios, não serem influenciados como em tudo na vida, não só na moda. Seguirem os seus sonhos com cabeça, com respeito por si próprios e dignidade para com o seu corpo e para com os seus ideais. Se tiverem as medidas, atitude, dedicação e confiança muito bem, se não tiverem nem vale a pena. Dediquem-se a outra coisa, porque de certeza que todos nós na vida temos um suposto e todos nós devemos fazer aquilo que gostamos. Se não sabem o que é que estão destinados a fazer, deixem o tempo encarregar-se disso porque ele cura tudo e leva-vos às vossas respostas.
Sente que existe uma grande discrepância das medidas que são exigidas aos homens e às mulheres?
Sim, acho que há uma grande discrepância do homem para a mulher, desde muito cedo que a mulher foi considerada o sexo mais fraco. Penso que as mulheres são o sexo mais forte, porque são as que mais lutam pela conquista dos seus direitos. Sempre foram impostas às mulheres determinadas maneiras, posturas e aos homens não e acho que isso na moda também é notório.
De olhos voltados para a velha Maria, quais foram as lições de vida que mais aprendeu ao longo destes tempos?
A ser quem eu sou, a ser forte, segura confiante, não foi só pelo mundo da moda, mas também por outras coisas na vida que nos levam a crescer, a ter maturidade e a ver que precisamos de ser firmes porque hoje estamos cá, mas amanhã já não. Temos é de ser felizes, fazer a nossa vida, aquilo que queremos e muitas vezes até o que não queremos. Costumo dizer “Não quero que sigas aquilo que queiras fazer, mas principalmente quero que saibas aquilo que não queres fazer”.