A Igualdade de géneros não é utopia

A igualdade de géneros é uma luta com mais de 100 anos de história que ainda tem um longo caminho por percorrer. Nos último 3 anos, Portugal tem tomado medidas que prometem melhorar as estatísticas apresentadas e garantir a paridade entre homens e mulheres. A humanidade acredita que a igualdade de géneros é possível.

Por Anita de Almeida Rodrigues

 

Foi na passagem do séc. XIX para o séc.XX que surgiram, os primeiros movimentos  que lutavam pela igualdade entre homens e mulheres. Nessa época, as reivindicações passavam, essencialmente pela política, nomeadamente pelo direito à escolha e participação na vida pública por parte das mulheres. Com o passar do tempo, as lutas começaram a ser feitas para a conquista de outros direitos. Foi assim que se começou a falar de feminismo, movimento que tem sido cada vez mais debatido nas redes sociais e que, por isso, tem perdido o seu verdadeiro significado. Muita gente acredita que o feminismo defende a superioridade das mulheres, no entanto, tal como referiu a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade ao Sapo24, “Feminismos [forma como a autarca se refere ao feminismo] não é o contrário de machismo. Machismo é discriminação, (…) assenta num regime patriarcal que exclui, discrimina e coloca em desvantagem as mulheres relativamente aos homens. Ora, os feminismos desde sempre reivindicaram precisamente a igualdade. (…) O feminismo é promoção e defesa da igualdade”. Entenda-se então, de acordo com o dicionário Priberam, feminismo como “movimento ideológico que preconiza a ampliação legal dos direitos civis e políticos da mulher ou a igualdade dos direitos dela aos do homem”.

Outro problema que tem sido levantando, fruto da corrente discussão da igualdade nas redes sociais, é a acusação de que o debate deste tema é exagerado, o que leva a uma consequente desvalorização do mesmo. Para este problema Rosa Monteiro, declara que, “Desde quando é exagero reivindicar direitos humanos? Exagero são os discursos xenófobos e misóginos (…), é a intolerância, a desigualdade, a discriminação, o discurso de ódio. Tudo o que sejam discursos de ativismo, propostas de melhoria da sociedade, de reconhecimento dos direitos das pessoas, dos homens e das mulheres, não pode ser classificado nunca como exagero”.

Rosa Monteiro

A chave para resolução dos problemas da paridade entre homens e mulheres, ou pelo menos, parte deles, pode passar, de acordo com Paula Lobo, investigadora na área da igualdade de géneros e doutorada em Ciências da Comunicação, pela consciencialização de que esta é uma questão que afeta homens e mulheres “a consciência da importância da igualdade de oportunidades têm de ser de ambas as fações da população. Homens e mulheres. É uma mudança que vem do fundo da estrutura social”.

A mudança da estrutura social, a (r)educação e mudança de mentalidades podem ser fatores determinantes na melhoria de condições das mulheres na sociedade. Mafalda Alves, membro da Plataforma Já Marchavas (movimento de cidadãs/ãos e coletivos que defendem os direitos Humanos, o Ambiente e os Animais), acredita que “passa muito pela mudança de mentalidade,  pelas mulheres não se subjugarem com medo, (…) têm de fazer valer os seus direitos e não se podem deixar  espezinhar”.

Bárbara Xavier, membro da Rede de Jovens para a Igualdade, concorda e acrescenta que é essencial atuar na escola formal, “Eu tenho noção que o programa é muito pesado. No entanto isto são questões que nos vão afetar a todos e a todas. Na escola formal, esta disciplina [Cidadania e Desenvolvimento], deveria ter muito mais importância. Nós continuamos a ter muitos estereótipos e muitos preconceitos continuam a ser passados para as crianças.”

Rosa Monteiro, adiantou à Sapo 24 que “estamos a fazer formação numa articulação entre a CIG [Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género] e a Direção-Geral da Educação, no âmbito da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania(…) , com enfoque nas metodologias que devem ser utilizadas pelos docentes e pelas docentes na nova disciplina, chamada Cidadania e Desenvolvimento, sendo que a igualdade de género é apenas uma das várias áreas abordadas”. Mafalda afirma que Portugal deve “começar pelas crianças, começar a educá-las. Talvez elas transmitam essas ideias em casa, talvez seja melhor assim do que tentarmos mudar mentalidades de pessoas mais idosas”.

 

Portugal + Igual?

Para além da “Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania”, o governo aprovou ainda, a 8 de março de 2018, a “Estratégia Nacional para a Igualdade e Não Discriminação 2018-2030” que tem como slogan “Portugal + Igual” e contém 3 planos de ação, sendo um deles para a igualdade entre homens e mulheres. De acordo com um documento publicado no site da CIG, esta estratégia visa promover, entre outras medidas, a participação plena e igualitária na esfera pública e privada por parte dos sexos, desenvolvimento científico e tecnológico inclusivo, desenvolver uma participação completa e paritária de mulheres e homens no mercado de trabalho e na atividade profissional, combater os estereótipos sexistas presentes na sociedade. Bárbara Xavier acredita que estes tipos de estratégias são importantes e podem ajudar na mudança caso sejam aplicadas com rigor. Mafalda Alves é da mesma opinião, referindo ainda que “O ser humano está em constante mutação vamos descobrir sempre novas formas de criar ódio, (…) nós queremos sempre a nossa supremacia em relação ao outro e por isso essas medidas não são suficientes, mas por enquanto talvez sejam as necessárias”. Clara Silva, ilustradora feminista conhecida como Clara Não, diz que estas medidas são importantes, uma vez que “Pelo menos, fazem com que as pessoas estejam mais atentas ao problema, pois abre a discussão”.

Para financiar a estratégia, o governo disponibilizou, em setembro de 2018, 7 milhões de euros, vindos do mecanismo Espaço Económico Europeu. Na sessão de apresentação do programa, Rosa Monteiro destacou que “sem este financiamento algumas coisas ficariam necessariamente por fazer”, sendo agora possível avançar com medidas urgentes, nomeadamente em áreas como “o reforço do sistema estatístico nacional em matéria de igualdade, sendo ainda uma peça chave em matéria de conciliação da vida profissional, pessoal e familiar”. Algum deste dinheiro já foi aplicado, tal como foi previsto para o desenvolvimento de políticas de igualdade no mercado trabalho e estudar as práticas da Islândia. A verba irá ainda ser usada para a integração da perspetiva da igualdade e combater a segregação sexual no ensino superior; será promovido pela Direção-Geral do Ensino Superior” e para a melhoria dos estudos estatísticos relativos a desigualdade.

De acordo com o Instituo Europeu para a Igualdade de Géneros, o índice (0 a 100), de igualdade de géneros em Portugal em 2017, foi de 56, menos 10,2 do que na União Europeia (UE). É importante referir que tem havido uma preocupação crescente em diminuir estes dados e que alguns estados-membros como a Islândia e Alemanha, já deram largos passos na longa caminhada que a humanidade ainda tem para fazer para alcançar a paridade entre mulheres e homens.

O que se defende, de forma geral, é que a igualdade de géneros é possível. No entanto, têm de ser feitas mudanças na estrutura social, na mentalidade, eliminar estereótipos e perceber que esta não é uma luta apenas do sexo feminino.
Linguagem Inclusiva – um desafio

Um assunto que tem vindo a ser discutido pelos defensores da igualdade, é a forma como usamos as palavras. A verdade é que muitas vezes usamos palavras no masculino, por exemplo usamos a palavra “cidadão” para homens e mulheres e deixamos a palavra “cidadã” na prateleira a apanhar pó, ou quando estamos perante uma situação em que estão presentes mulheres e homens dizemos “eles estão juntos”, quando podíamos usar “eles e elas estão juntos”.

Tal como refere Bárbara Xavier, “temos tendência a pensar no masculino e isso é uma coisa que infelizmente é normal na nossa sociedade. Temos que nos ir relembrando disso todos os dias, e é normal as vezes falhar (…) temos é que ser críticos quanto a essa vivência, mas não temos que nos julgar constantemente”.

Para Rosa Monteiro, em entrevista para a Sapo24, o defeito está em “termos um uso do masculino universal como sendo neutro. Já há muitas décadas que se procura intervir sobre ele, inclusivamente com resoluções do Conselho de Ministros que alertem para essa questão e que remetam para a necessidade de se utilizar uma linguagem neutra ou que seja efetivamente inclusiva e igualitária. Há um conjunto de dicas comunicacionais que facilitam a adoção desta linguagem neutra e não apenas do masculino”.

Como é fácil de perceber, esta é uma mudança muito desafiante uma vez que faz parte da nossa língua o uso de termos no masculino. “É um caminho difícil, porque são hábitos de linguagem muito enraizados e não é imediata ou fácil a utilização de neutros ou de todas as formas. A linguagem é muito importante, porque representa o mundo e a vida. E do mundo e da vida não estão excluídos 52% da população”, reforça a governante.

 

Igualdade na Política

Estamos habituamos a ver no poder, seja como presidentes da república, da câmara, da junta ou qualquer outro organismo político, pessoas do sexo masculino. No entanto, nem a política foge a todas as alterações que emergem na sociedade relativas à paridade de género. Pelo contrário, a participação das mulheres na política tende a ganhar cada vez mais força e é um assunto que é cada vez mais debatido no espaço público.

Em Portugal, a março de 2018, registou-se aumentou de 33% para 40% (valor mínimo recomendado pelo Concelho Europeu) da quota mínima de representação por género nas listas para as eleições parlamentares europeias, da Assembleia da República, câmaras e assembleias de freguesia, assim como para os vogais das juntas de freguesia. Segundo declarações de Rosa Monteiro ao jornal Público, a razão pela qual as quotas são um assunto difícil de resolver deve-se ao preconceito que ainda se sente na estrutura do país. A secretária de estado refere ainda que “grande parte do problema está do lado dos partidos e quem decide nos partidos. Quando quem manda nos partidos estiver convencido, tudo será mais fácil”.

Clara Não acredita que a dificuldade reside na velha crença de que existe uma maior confiança nos homens quando se trata de cargos de mais responsabilidade, pois “as pessoas tendem a confiar mais facilmente para altos cargos em homens. É uma força de hábito com base no machismo e patriarcado que construiu o protocolo da sociedade. Há muito mais mulheres na política do que parece, só não chegam a ter visibilidade. E mesmo tendo visibilidade, têm tendência a serem secundarizadas pelos homens”, diz.

Se analisarmos as listas para as Eleições Europeias do corrente ano, das 17 listas candidatas, apenas uma delas tinha como cabeça de lista uma mulher. Já em 2014, de 16 listas concorrentes, 2 tinham cabeças de listas mulheres. Analisando os 21 eurodeputados eleitos em ambos os anos, percebemos que neste mandato iremos ser defendidos por mais uma mulher, com um total de 9 eurodeputadas. Em percentagem, o sexo feminino fica com uma representatividade de 43%, percentagem inédita no painel de eurodeputadas/os portugueses.

 

As mulheres e a liderança

Quando se fala de igualdade entre mulheres e homens, parece quase obrigatório falar do sexo feminino em cargos de liderança. Ao longo da história as mulheres sempre foram vistas como “incapazes” de liderar, tendo como obrigação cuidar dos filhos e tratar das tarefas doméstica. Esse é dos maiores estereótipos associados às mulheres. Para além desse estereótipo, a natalidade é outro fator que impede as mulheres de chegar mais longe na hora de liderar. Paula Lobo afirma que em profissões como o jornalismo, que exigem uma dedicação extra e horários flexíveis, as mulheres têm dificuldade em chegar a líderes porque vivemos “ numa sociedade que está organizada ou que ainda se continua a organizar, em que a maior parte do trabalho doméstico é assegurado pelas mulheres e  elas tipicamente continuam a ter menos disponibilidade para se dedicar à carreira em relação aos homens” . Para além disso, o facto de a mulheres engravidarem, de forma geral, em fases em poderia chegar a cargos de liderança é outro fator que lhes pode dificultar a carreira, segundo a investigadora de Ciências da Comunicação.

Paula Lobo

De acordo com um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), concluído no corrente ano, entre os anos de 2005 e 2015, as penalizações com origem na maternidade registaram um aumento de 38,4%.

Mais grave do que as tarefas domésticas e a maternidade prejudicarem a chegada da mulher à liderança, é a dificuldade que as mesmas têm de arranjar emprego na idade fértil. Ainda é real o problema de que as entidades empregadoras evitam contratar mulheres, caso estas possam vir a engravidar. “Quem emprega diz que não arrisca contratar mulheres em idade fértil, vão ter filhos, vão pedir licenças. É como se elas tivessem um valor menor de mercado o que é profundamente errado, até porque as crianças e as tarefas domésticas são responsabilidade de toda a sociedade. Mas lá está, é uma realidade cultural que tem foi construída ao longo de muitos anos e que não é fácil de desmontar”, esclarece Paula Lobo.

O mesmo estudo, revelou ainda que, apesar de o número de mulheres a lidar ser inferior ao dos homens, o sexo feminino consegue alcançar posições de liderança mais rapidamente que os homens e são, na maior parte das vezes, um ano mais novas quando o atingem.

 

Remunerações Desiguais

Aliadas às dificuldades de liderança, vêm as questões salariais. Fruto da “Estratégia Nacional Para a Igualdade e Não-Discriminação”, foi aprovada, em fevereiro deste ano, uma lei que visa promover a igualdade no mercado de trabalho e empresas e que irá multar as empresas que não cumpram o pagamento de salários iguais para pessoas que desempenhem a mesma função. A lei dita que as empresas devem provar que a estão a cumprir às/aos suas/seus funcionárias/os, aos tribunais, à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) e à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE).

Esta lei vem tentar alterar, os dados fornecidos pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social ao Público, que apresentam uma desigualdade salarial (considerando subsídios, prémios e trabalho extra) de 18,3%. Em euros, representa uma diferença de 225€ mensais. No que toca ao salário base, a diferença é de 150€/mês.

Para Bárbara Xavier, a diferença salarial aumenta quando são adicionadas as remunerações extra. “Isto é aquele tipo de coisas que é decidido muito mais subjetivamente”, afirma a representante da Rede e Jovens para a Igualde, desvalorizando  a velha crença de que as mulheres têm menos capacidades que os homens: “se formos as estatísticas da educação, as mulheres são as melhores alunas, as mulheres acabam os cursos primeiro, como é que isso depois no mercado de trabalho não está refletido?”.

Outro estudo, desta vez da Polar Insight, em parceria com o Centro de Estudos obre Pessoas e Culturas de Expressão Portuguesa da Universidade Católica, mostra que 78,9% das cidadãs e cidadãos com remunerações superiores a 3550€/mês são homens e que 75% das trabalhadoras e trabalhadoras com salário mensal inferior a 500€ são mulheres.

Os valores lançados pelo Eurostat em 2018, que apontam para uma disparidade salarial entre mulheres e homens de 17,5%, mais 1,3% do que a média da UE, também não podem ser esquecidos, uma vez que o primeiro objetivo pode passar pela descida das diferenças salariais para valores inferiores à média da UE.

 

Os meios de comunicação e os estereótipos

Os estereótipos são, em todas as dimensões da sociedade, uma das maiores barreiras ao desenvolvimento da sociedade e da humanidade. No caso dos estereótipos de género, podemos vê-los desde as/os apresentadoras/res e jornalistas de televisão até, como já foi referido, a nossa linguagem. Paula Lobo, refere que “no caso da comunicação social, temos pivots que não são propriamente modelos da Victoria Secret’s, não estão dentro dos padrões típicos de beleza masculina, mas que, no entanto, são muito valorizados pelos públicos, pela audiência e pelos colegas. No caso das mulheres, existe desde sempre uma tendência muito grande para colocar a frente das câmaras mulheres bonitas”.

É é importante perceber que os meios de comunicação, enquanto formadores de opinião pública, podem ter um papel importante no desmontar dos estereótipos de género. Essa mudança pode partir desde os “ângulos de análise, diversidade das fontes, uma vez que temos muito mais fontes do sexo masculino atualmente em televisão por exemplo do que mulheres”, esclarece Paula Lobo.

“Sabemos que o jornalismo procura essencialmente, o sensacionalismo, e o sensacionalismo faz-se, nem sempre, mas muitas vezes a custa de estereótipos de género. Nomeadamente, quando queremos provocar comoção, em algumas situações, é explorada a imagem da mulher”, explica a investigadora. Clara Silva, concorda que os meios de comunicação são importantes na luta da igualdade, “devem dar mais tempo de antena às mulheres. Felizmente, isto tem vindo mais a acontecer, pelo menos na comunicação Portuguesa. Outra coisa importante, é não descredibilizar o lado da mulher quando está a contrariar a posição de um homem de poder. Outra questão importante, é tratar as esposas, namoradas, filhas, …, de homens em altos cargos também pelo nome, e não só como “esposa do homem x”, “filha do homem x” (E o mesmo quando os papéis se invertem)”.

No futuro, a alteração do modo como os meios de comunicação constroem os seus conteúdos, pode ser um fator determinante para a maneira como a sociedade encara os estereótipos e a igualdade de género.

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