Viver do que é nosso. O comércio local de Tondela entre resistência e renovação
As luzes das montras estão acesas, mas poucas pessoas passam. Em algumas ruas do centro de Tondela, o comércio local resiste com promoções coladas na porta, sorrisos à entrada e muito esforço atrás do balcão. Há lojas que lutam para não fechar, outras, renascem das cinzas da pandemia. Bernardo Fernandes abriu a sua barbearia em 2019. Três meses depois, o mundo fechou. Ainda assim, permaneceu.
Por: Daniela Manso e Luís Mendes
Num tempo onde maioritariamente as superfícies grandes dominam e a pandemia deixou marcas profundas, Tondela procura reinventar o seu comércio de rua. A Câmara aposta em vales, mercadinhos e concursos. Os comerciantes apostam no que têm de melhor: a proximidade. Nesta reportagem, ouvimos quem governa e quem arrisca todos os dias abrir portas- para que a cidade continue a ter alma.
A erosão do comercio tradicional
Antes, cada rua tinha uma mercearia, uma loja de roupa, um talho. Hoje, há portas fechadas com anúncios a dizer “Arrenda-se”. As grandes superfícies foram ocupando o espaço e os hábitos mudaram. “Aquele dito comercio tradicional foi, digamos, absorvido”, diz Vera Machado, vereadora da Câmara Municipal de Tondela.
A pandemia, quando chegou, não trouxe apenas medo. Trouxe fechaduras. Lojas encerradas, restaurantes que nunca reabriram, comerciantes em desespero.
A resposta possível
Numa altura sem receitas mágicas, a Câmara Municipal decidiu agir. Suspendeu o jantar de Natal dos funcionários e transformo-o em vales de compras no comércio local. Criou concursos em que cada 10 euros gastos dão direito a um cupão- com prémios que também são comprados em Tondela.
Ao mesmo tempo, mercadinhos ao domingo, animação de rua e sorteios tentam recuperar a vida no centro. São ações pequenas, mas pesadas para deixar rasto.
Cultura que traz freguesia
Sempre que a FICTON (festas do concelho realizadas em Setembro) acontece, Tondela enche-se. Os hotéis ficam lotados. As tunas animam as ruas. Os comerciantes vendem mais. “Tem um impacto brutal na economia local”, afirma Vera Machado.
Mesmo os grandes eventos desportivos- como a subida do Tondela à primeira liga- funcionam como motor para restaurantes, cafés, lojas. O comércio sente quando a cidade está viva.
Bernardo ficou. E cortou caminho
Bernardo Fernandes tinha 23 anos quando trocou a universidade por uma ideia difícil de explicar. “Surgiu do nada”, diz. Abriu uma barbearia num espaço simples no centro. Três meses depois, o mundo parou.

A pandemia obrigou-o a fechar. Quando reabriu, tinha meia dúzia de clientes e um horário apertado. Mas não baixou os braços. Apostou em formação, comprou melhor material, investiu em si próprio. Cresceu.
Mais que tesouras, relações
Hoje, Bernardo Fernandes trabalha com a agenda cheia. Mas não mede o sucesso em cortes de cabelo. Mede-o nas conversas, nas fidelidades, nos regressos. “Mais depressa um cliente se torna teu amigo do que um amigo, cliente”, revela.

Relembra datas, fala de viagens… ri com quem senta na cadeira. Respeita todos por igual- jogadores de futebol ou clientes de sempre. Acredita que é isso que o mantém em pé.

E agora?
O sonho, para Vera Machado, é claro: reabilitar espaços degradados, criar campanhas que tragam gente de fora, dar vida à zona histórica. Mas também lamenta uma coisa: a cidade tem uma associação de comerciantes… parada. Sem direção, sem voz. “Seria muito mais fácil para nós, Câmara, apoiar o comercio se houvesse uma estrutura organizada”, explica.
Enquanto houver quem fique
O comércio local não sobrevive por milagre. Sobrevive porque há quem fique. Quem insista. Quem ponha música numa barbearia de bairro e mantenha a porta aberta mesmo quando o mundo lá fora parece diferente.
Tondela não é feita só de grandes superfícies. É feita de gente que ainda acredita que uma cidade com lojas de luz acesa é uma cidade com vida.