Pequenas por fora, grandes por dentro: as mercearias que não desistem
Num tempo em que os grandes supermercados dominam o consumo, as mercearias de bairro em Viseu continuam a resistir. Apesar das dificuldades, como a concorrência feroz, a pressão sobre os preços e os obstáculos urbanos, estas pequenas lojas mantêm-se abertas graças à relação de proximidade com os clientes e à força de quem as mantém vivas todos os dias.
Por: Flávio Fialho e Tomás Quinteiro
Aos 53 anos, Paula Cardozo mantém uma mercearia de bairro há 21 anos na região da Balsa, em Viseu. Numa altura em que os pequenos negócios lutam para sobreviver, Paula Cardozo é o rosto de uma resistência silenciosa.
O avanço dos grandes hipermercados tem deixado marcas visíveis no comércio tradicional. Segundo Paula Cardozo, a mudança de hábitos dos consumidores é clara: os preços e a variedade das grandes superfícies tornam a concorrência praticamente impossível. “Os hipermercados compram em grandes quantidades. Nós, pequenos, temos de comprar um de cada porque senão estraga-se. É um negócio que estraga muito, não tem validade prolongada”, explica.
Apesar da crescente pressão, a comerciante nunca optou por soluções digitais. Acredita que esse tipo de modernização é algo que pertence às grandes superfícies e não vê utilidade prática no seu contexto atual.
Quando questionada sobre o que a motivou a manter a mercearia aberta, Paula Cardozo recorda o início da sua trajetória.
A mercearia não é apenas um meio de subsistência, é também um espaço de proximidade com os clientes. Muitos vêm de fora do bairro e mantêm uma relação de confiança com a lojista. A maioria conhece-a pelo nome, sabe o que esperar, e valoriza o ambiente familiar que ali se encontra. Contudo, os desafios acumulam-se, a concorrência crescente, os custos operacionais e a falta de apoio tornam a continuidade do negócio cada vez mais difícil.
Paula Cardozo revela que, além das dificuldades financeiras, há também um desgaste pessoal associado à falta de apoio e tempo para si própria.
Apesar de tudo, ainda não fechou portas. Enquanto houver força, e enquanto os clientes continuarem a bater à porta, a mercearia da Balsa vai resistindo.

Comércio local tem crescido
A poucos minutos do mercado de Viseu, Aida Silva, de 48 anos, trabalha há 30 na frutaria do tio. Ao contrário de Paula Cardozo, Aida Silva descreve um cenário relativamente positivo. Afirma que o comércio local tem crescido, mesmo com oscilações, e destaca o atendimento personalizado e os produtos nacionais como fatores que mantêm a fidelidade da clientela.
Apesar disso, a funcionária identifica um obstáculo que tem afastado muitos clientes: a dificuldade de estacionamento provocada por alterações urbanas no centro da cidade. Antes de ouvirmos a sua queixa, Aida Silva garante que a mercearia está estável.
Mesmo durante a pandemia, a loja manteve-se firme. Foi, segundo a funcionária, uma das empresas que não fechou portas, mas isso teve um custo.
Aida Silva diz que a loja já está digitalizada, com pagamentos modernos, embora ainda não aposte nas redes sociais, algo que considera desnecessário, dado o conhecimento mútuo entre cliente e comerciante. “É a minha segunda família”, resume.

Contacto com o cliente faz a diferença
Com apenas uma semana na nova mercearia, mas cerca de 15 anos de experiência no setor, Vanessa Correia trabalha na loja “Amanhecer”, em Marzovelos. Define o espaço como uma mercearia de bairro voltada para compras rápidas e diárias.
Sobre a guerra dos preços com os grandes supermercados, Vanessa Correia faz um alerta importante sobre as “promoções enganadoras”.
Mesmo com pouca experiência neste novo local, Vanessa Correia já sente a diferença que o contacto com o cliente pode fazer. E é nas pequenas situações do dia-a-dia que encontra momentos que por vezes são mais desafiantes que outros.
A história de Vanessa Correia reflete a de muitas famílias que transformaram o comércio em modo de vida. O negócio vem da família do marido, que era feirante e com ele, ela continuou.

Apesar de cada mercearia ser diferente uma da outra, todas demonstram que as mercearias são ainda espaços de resistência no tecido urbano, mantêm-se vivas graças ao contacto direto com o cliente, à confiança construída ao longo dos anos e ao conhecimento profundo das necessidades de quem ali compra. Num mundo cada vez mais digital e impessoal, estes pequenos comércios preservam algo essencial: o rosto por trás do balcão e a conversa que acompanha a venda. Numa cidade onde se multiplicam as grandes superfícies, as mercearias continuam a ser pontos de encontro, de memória e de ligação entre vizinhos. E enquanto houver pessoas dispostas a entrar e dizer “bom dia” pelo nome, talvez estas lojas continuem, discretamente, a resistir.