“Há muito tempo que as mulheres não pertencem só à cozinha”

A igualdade de género é um dos temas em cima da mesa da atualidade e o aumento da participação e da visibilidade das mulheres no desporto é uma das faces das mudanças que começam a ser operadas. Ainda assim, a família em campo, a exclusão, as diferenças, o futuro e os estudos são fatores importantes e alguns deles prejudiciais para a carreira do género feminino no desporto.

Reportagem de Lara Ferreira

“Mais que um hobbie, o desporto faz parte do meu dia-a-dia. Já não consigo viver sem os meus treinos semanais, dão-me mais vida. Na minha equipa somos todos considerados família”. É desta maneira que Beatriz Andrade, de 20 anos, fala sobre a sua modalidade. Atualmente joga na equipa de Futsal “O Crasto”, em Castro Daire, distrito de Viseu, de onde é natural, mas também sonha que um dia possa ser docente de Natação, já que estuda Desporto e Atividade Física na Escola Superior de Educação de Viseu. “Neste momento estou a estagiar na área de Natação e gostava um dia de poder exercer verdadeiramente neste campo”, explica.

Quem partilha a mesma modalidade é Maria Rodrigues, de 17 anos. Praticou futebol durante dois anos, apenas por diversão, mas desde 2017 que pratica Futsal federado na equipa júnior em Tebosa, freguesia da cidade Braga, no CDRC Tebosa. Com a chegada da Covid-19, sentiu uma mudança na relação que tinha com as companheiras de equipa, especificamente devido à falta de convívios, mas o bom ambiente dentro de campo continuou e, apesar dos interesses distintos, a paixão do Futsal acaba por juntá-las mais ainda, o que tem vindo a refletir-se nos últimos jogos. Todos os elementos da equipa veem os treinos como uma forma de relaxamento e de abstração. “Aproveitamos ao máximo o tempo antes e depois dos treinos/jogos para conversar, porque ao final de contas somos adolescentes, e como tal há sempre tema de conversa, cantoria, festa no balneário. Os treinos são, sem dúvida, um momento para relaxar e abstrair dos problemas da vida, escola, etc”, relata Maria Rodrigues.

Maria Rodrigues, jogadora de futsal na equipa CDRC Tebosa

No mesmo clube, CDRC Tebosa, Alexandra Barbosa, de 21 anos, antiga jogadora e atual membro da direção, vivia com a timidez de querer jogar à bola por ser menina. “Ma altura andavam à procura de jovens para integrar a equipa júnior e aproveitei a oportunidade. Tive pena de começar tarde, mas adorei a experiência”, conta. Agora, como membro da direção, vive intensamente todas as conquistas das mulheres do grupo. A equipa Sénior do CDRC Tebosa já conquistou muitos prémios e a vogal, sem esconder a emoção, vibra com todos os sucessos. “Conseguimos chegar à primeira divisão de Futsal Feminino, pela primeira vez na história, este ano. É um orgulho fazer parte deste projeto. É algo que estávamos todas a espera e, devido a todo o esforço, conseguimos”, salienta.

Ainda existe desigualdade?

Segundo Beatriz Andrade, no seu clube não há qualquer desigualdade de género, porque não existe Futsal Masculino. No entanto, refere que globalmente existem muitos mais homens a praticar Futsal do que mulheres e que, por vezes, os comentários dos homens na bancada não são os mais agradáveis. “Ouvem-se alguns comentários. Só por serem rapazes acham que sabem mais que nós”, lamenta.

Maria Rodrigues partilha da mesma opinião e refere que sofre mais esta desigualdade na escola, ao participar nas aulas de Educação Física, mas sempre que tem oportunidade rebate com uma reposta assertiva e confiante. “Na escola, em educação física, recebo certos comentários do tipo “joga como uma menina” ditos de rapazes para rapazes, o que claramente está a inferiorizar as meninas. Normalmente intervenho com algum discurso feminista e depois, a jogar, dou tudo”, expõe.

Na modalidade de Badminton federado do Sporting Clube de Braga, onde Francisca Ferraz, de 20 anos, joga desde há 4 anos e onde se sente refugiada “da corrida do dia-a dia, casa-universidade”, não existe qualquer inferioridade para com as mulheres. “Felizmente, nunca senti qualquer tipo de inferioridade no meu clube, nem em nenhum torneio. Este desporto é liderado por ambos os sexos”, alega.

Francisca Ferraz, jogadora de badminton no Sporting Clube de Braga

O mesmo acontece na modalidade de atletismo do mesmo clube, segundo a atleta Mariana Machado, vencedora da medalha de bronze nos Europeus Sub-23 de Corta-Mato, “não existe qualquer tipo de discriminação”.

“Merecemos ser respeitadas”

A ex desportista de Capoeira Yasmin Ferreira, de 20 anos, criou uma família com o seu grupo e não consegue ver nenhum tipo de exclusão. Na equipa “BragaAdaba”, da cidade de Braga, onde pertencia, os homens e as mulheres partilhavam as mesmas oportunidades e era lá que se sentia bem. “Não existe nenhuma diferença, tudo o que o homem faz a mulher também. Normalmente em grupos de Capoeira as pessoas criam uma relação de proximidade e fazemos parte de uma grande família”, conta.

A vogal do CDRC Tebosa, Alexandra Barbosa, tem a opinião de que os homens “são postos num nível superior, no sentido de que jogam melhor ou têm mais jeito, no entanto, diz que isso está a alterar-se. A ex jogadora de futsal partilha da ideologia de que o principal defeito do mundo do desporto é a pouca presença de mulheres e a falta de consideração pelas mesmas. “Os homens são sempre postos num patamar superior então como mulheres temos de nos afirmar constantemente. Merecemos ser respeitadas”, realça.

Segundo a jovem, existem duas razões para que as raparigas estejam a “fugir” do Futsal. A principal razão prende-se com o facto de sentirem que não vão conseguir vingar profissionalmente na modalidade, então preferem inscrever-se no Futebol, já que oferece mais oportunidades às jogadoras. A outra razão é a distinção, desde cedo, entre meninos e meninas. “Na escola dizem que jogar à bola é coisa de meninos e brincar às bonecas é coisa de menina. Uma menina que goste de jogar à bola é automaticamente chamada de “maria rapaz”, e nem todas gostam e se identificam”, lamenta.

Maria Rodrigues relata distinções entre géneros na sua modalidade: “os homens usufruem de mais escalões, mais qualidade de pessoas envolvidas, e, obviamente, salários”. Como nos escalões não se recebe salário, a jogadora refere a existência dos “bónus” que os meninos recebem, mas que “são impensáveis no desporto feminino”.

Relativamente ao atletismo, as diferenças são os tempos de prova e as distâncias dado que os homens, são visivelmente, em termos físicos, mais capacitados que as mulheres. “Os homens naturalmente têm mais aptidão física e normalmente alcançam melhores resultados em termos cronométricos. Em algumas provas há diferenças nas distâncias entre sexos”, diz Mariana Machado.

Francisca Ferraz, declara que, no badminton, as principais diferenças são os tipos de prova, as singulares e a pares. Dentro das singulares, “existe a categoria senhora e homem: senhoras contra senhoras e homens contra homens”, e nas disputas a pares, pode haver “o par senhora, par homem e par misto”.

O desporto e os estudos

Maria Rodrigues, está no último ano do ensino secundário e prevê deixar o seu clube assim que a época termine para se dedicar inteiramente à Universidade, pois “os estudos são e foram sempre prioridade”.

Francisca Ferraz, aluna do 3º ano de Engenharia Mecânica na Universidade do Minho, concilia os estudos ao Badminton e declara que o desporto é fundamental para a sua concentração e saúde e ajuda de maneira que possa ter “o melhor rendimento quando o campo de jogo são os estudos”. Também refere que, nos dias que correm, existem ferramentas de apoio como o “estudante atleta”, “que confere algumas regalias a quem comprove que pratica desporto regular.

Beatriz Andrade, coloca o Futsal como plano B dado que estuda longe do local dos treinos e Mariana Machado combina o atletismo à medicina, um curso que lhe ocupa bastante tempo, mas que no final, a combinação destas duas paixões faz com “que tudo valha a pena”.

Beatriz Andrade, n.º 5, jogadora de futsal na equipa “O Crasto”

E o futuro?

Quanto ao futuro, a maior parte das jogadoras partilham da mesma opinião. Reconhecem que o desporto é uma grande parte das suas vidas e mostram-se gratas. No entanto, não se imaginam com uma carreira profissional na área. “O badminton não é um desporto reconhecido em Portugal, não tenho esperanças quanto a conquistas profissionais”, explicou Francisca Ferraz.

Para Alexandra Barbosa, Beatriz Andrade e Yasmin Ferreira, desde o início que viram o desporto que praticam ou praticaram como apenas um hobbie e nunca sonharam em algo para além disso.

Maria Rodrigues sempre teve a aptidão para mexer a bola nos pés e, apesar de apresentar bons resultados quando pratica, não se se imagina a jogar profissionalmente devido ao seu género. “Acho que para as meninas é difícil ter o espaço para imaginar um futuro assegurado só como jogadora. Temos sempre os pés bem assentes na terra”, refere.

Quem tem mais esperança relativamente a este assunto é Mariana Machado, que imagina um futuro no atletismo profissional, porem reconhece que “é necessário atingir um nível de excelência no que diz respeito a resultados internacionais de relevância, e pode ser bastante difícil”.

Para Beatriz Andrade, o papel da mulher deixou de ser exclusivamente para a casa e para a família e o desporto pertence a quem tiver amor e interesse às modalidades. “Já há muito tempo que as mulheres não pertencem só à cozinha. O Futebol é para meninas, o Futsal é para meninas, o Judo é para meninas, os desportos são para quem os quiser praticar”, remata.

Segundo as Estatísticas do Desporto Federado do IPDJ, Instituto Português do Desporto e Juventude, a qualidade de mulheres que praticam desportos federados é duas vezes menor do que a os homens, somente 1 em cada 10 treinadores/as é mulher e apenas e 1 em cada 10 árbitros/as é mulher.

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