Uma água com história: a magia das Termas de São Pedro do Sul
Em São Pedro do Sul, a natureza capricha em exuberância, num complexo de colorido e fertilidade, bordejando os meandros do rio e trepando pelas folhas dos montes que descem, suaves, para a água…
Reportagem de Mariana Loureiro
É nas margens do rio Vouga que se concentram mais de dois mil anos de história… onde os dias correm ao ritmo lento do ambiente rural que envolve as Termas de São Pedro Sul, localizadas no coração da região de Lafões. Rodeada pela Serra da Arada, pelo Monte de São Macário e pela Serra da Freita, sente-se o ar puro, a paz transmitida pela natureza e a magia das águas mineromedicinais da cidade termal.
Da história à saúde e bem-estar
Perdem-se no tempo as primeiras pegadas da utilização das águas termais com fins curativos e de bem-estar. Com raízes pré-históricas, ainda se encontram registos da presença dos romanos e de povos anteriores, pelas suas antigas construções de piscinas, fustes, capitéis de altas colunas e lápides epigrafadas, que, atualmente, se encontram para exposição no Balneário Romano, construído nos primeiros anos do século I da era cristã.
Os vestígios patrimoniais, conservados até à atualidade, deram origem às então Caldas Lafonenses, no século XII, que, pelo reconhecimento das especiais águas que brotavam na margem esquerda do rio Vouga, foram alvo de interesse e notícia naquela época. Os monarcas portugueses D. Afonso Henriques, Rainha D. Amélia e D. Manuel I, fazem parte da história dos complexos termais. Após uma fratura sofrida na Batalha de Badajoz, o primeiro rei de Portugal terá frequentado as piscinas romanas, pelas capacidades milagrosas das suas águas e, de acordo com a Direção-Geral do Património Cultural, o monumento conhecido por “Piscina de D. Afonso Henriques” está classificado como Monumento Nacional, desde 1932.
Em finais de oitocentos, as Termas de São Pedro do Sul conhecem um novo impulso caracterizado pela modernização e construção de um Balneário, que viera a substituir o tricentenário Hospital Real das Caldas de Lafões. Aquando da visita da Rainha D. Amélia à Vila do Banho, em 1894, é aprovado um Decreto Real, denominando as antigas Caldas Lafonenses por Caldas da Rainha D. Amélia.
A modernidade aliada ao Turismo
As Termas de São Pedro do Sul assinalam a sua entrada na era do Turismo de Saúde & Bem-Estar no início do terceiro milénio, na primeira década do século XXI, com a inauguração do Balneário D. Afonso Henriques e a aquisição de novos equipamentos termais.
Maria Adelaide Carvalho, de 91 anos, viu crescer as termas de referência a nível europeu. Sozinha ou acompanhada, a atual costureira desloca-se, há mais de trinta anos, de Coimbra às Termas para tratamentos. “A primeira vez que visitei as Termas de São Pedro do Sul tinha nove anos e foi graças ao meu pai, que, na altura, arranjava os passes de autocarro para irmos ver as águas quentes, como eu gostava de as chamar”, recorda Maria Adelaide Carvalho, limpando a lágrima com o lenço que lhe cobre os ombros. Um sentimento de profunda nostalgia, alicerçado às memórias que a aquista guarda dos tempos da sua infância.
Em 1960, Maria Adelaide Carvalho regressa, com alguma regularidade, às terras da Vila do Banho. A anterior funcionária de uma escola em Coimbra conta que passeava pelo centro das termas de mota, todos os meses, com o seu marido. “Nunca perdi o contacto com as Termas de São Pedro do Sul. Acompanhei cada construção, cada modernização da cidade e sinto que quanto mais velha fico, mais nova, jovem e viva a localidade se torna”, expressa Maria Adelaide Carvalho, com o olhar arregalado de felicidade.
Aos sessenta anos, Maria Adelaide Carvalho inicia os tratamentos. “Fui aconselhada pelo meu médico a realizar a cura termal, porque andei quase quatro anos sem conseguir dobrar a perna”, afirma a costureira. Como já conhecia as Termas de São Pedro do Sul, foi o destino escolhido pela nonagenária que, desde então, fica alojada três vezes por ano, durante quinze dias, junto aos dois balneários destinados à saúde e bem-estar.
Um tratamento milenar interrompido
Com vista à gestão dinâmica dos Balneários Termais D. Afonso Henriques e Rainha D. Amélia, e a toda a atividade termal, o Município de São Pedro do Sul cria, em 2004, no coração da cidade, a Termalistur, uma empresa pública que organiza planos de investimento, estudos, gestão de serviços relacionados com o turismo, exploração das águas, bem como a valorização do património histórico e natural da região.
Victor Leal, licenciado em Direito na Universidade de Coimbra e atual presidente do Conselho de Administração da Termalistur, revela que o seu percurso profissional pelas Termas de São Pedro do Sul “tem sido uma experiência extremamente enriquecedora, porque não é só saber gerir a empresa do ponto de vista económico-financeiro, mas, sobretudo, saber estabelecer um relacionamento forte com os utentes e funcionários”.
O jurista e gestor de 49 anos, que exerceu funções de administrador executivo da Termalistur até janeiro de 2011, explica que, “inicialmente, os tratamentos eram vocacionados para a parte terapêutica de reabilitação, que correspondia à grande procura de pessoas com uma faixa etária mais elevada, e para o tratamento de doenças crónicas”.
Hoje, derivado da ampliação das técnicas com a água termal, a aposta está no desenvolvimento de tratamentos de bem-estar e de prevenção de saúde. “Quando eu cheguei, tínhamos apenas dois aparelhos para duche com vichy, isto é, com massagem. Atualmente dispomos cerca de 25”, acrescenta Victor Leal, assinalando a importância e a necessidade de cada utente “relaxar, sentir-se bem consigo mesmo e encontrar o ponto de equilíbrio entre a mente e o corpo”.
Cada vez mais se observa o termalismo a integrar outras situações paralelas aos espaços destinados para os tratamentos. Promover atividades de animação, passeios, atividades outdoor, são outra vocação das Termas de São Pedro do Sul, que procura “conciliar as férias com a saúde”. Com as noites de fado suspensas e as caminhadas por entre os refúgios das montanhas, repletos de uma fauna e flora vivas, por realizar, devido ao ano pandémico de 2020, as termas viram-se despidas durante um longo período de tempo. As inseguranças dos aquistas, causadas pelo medo do vírus da Covid-19, interromperam os ciclos de tratamentos.
João Cunha, licenciado em Fisioterapia e há quinze anos a executar a profissão no Balneário D. Afonso Henriques, refere que, “no verão do ano passado, houve um número de utentes incomparavelmente inferior ao que é habitual”. No entanto, nas palavras do fisioterapeuta, este ano já está a retomar a normalidade e até com uma procura maior, “pela ausência de tratamentos durante os confinamentos, que fez degradar a condição clínica das pessoas, principalmente, nas de faixa etária mais elevada”.
“Nós não tratamos doenças, tratamos doentes e o nosso maior objetivo é tentar, ao máximo, adaptar os tratamentos às necessidades específicas de cada utente”, clarifica João Cunha, profissional na área de fisioterapia.
A aposta no futuro do termalismo
Com mais de quinze mil aquistas por ano, as Termas de São Pedro do Sul estão envolvidas em dois projetos que estão para nascer em breve. O primeiro, que prevê a remodelação total do espaço do Balneário Rainha D. Amélia, “é um projeto que alia a água termal e os tratamentos termais à Dermocosmética”.
O segundo, consiste na criação do Instituto do Termalismo. O presidente da Termalistur afirma que o projeto “será uma aposta muito forte na formação e qualificação de profissionais na área do termalismo, saúde e bem-estar e turismo”. A empresa, juntamente com o Município, tem vindo a firmar protocolos de entendimento e bases de trabalhos muito sólidas com diversas Escolas, Institutos e Universidades, “querendo que este Pólo seja também revolucionário na agregação de saberes, conhecimento e partilha”. Victor Leal conclui que “é um desafio constante melhorar e construir novos caminhos, que acabam por nos preencher”.
É nas margens do Rio Vouga que as “águas quentes” das Termas de São Pedro do Sul dão anos de vida aos milhares de aquistas que até elas se dirigem, todos os anos. Entre o chilrear dos pássaros pela manhã e a frescura do início da noite à beira-rio, a tranquilidade e o sossego da natureza distinguem a cidade das águas mágicas com mais de dois mil anos de história.