“Quem diz que não gosta de futebol feminino é porque ainda não viu”
Num desporto onde o principal princípio é a união, a desigualdade entre os géneros que praticam o futebol é um assunto que continua a existir. A prática das mulheres na modalidade é um tema presente na sociedade de hoje devido às variadas diferenças que ainda são verificadas atualmente dentro e fora de campo. No entanto, as atletas que praticam a modalidade mantêm a esperança na valorização e no reconhecimento do desporto que gostam de praticar.
Reportagem de Patrícia Rodrigues
O futebol é uma modalidade desportiva muito presente, não só em Portugal, devido à sua longa história e tradição no país, como em todo o mundo. Estádios cheios de adeptos a aplaudir os jogadores preferidos, e na impossibilidade de ser em estádios, será nos cafés e nas casas onde as famílias e amigos se reúnem para verem o futebol. Mas quando se é referido futebol, muitas mentes voam para o futebol masculino. Com esta afirmação entra a pergunta, qual é a relevância do futebol feminino na sociedade atualmente?
Teresa Torres, de 19 anos, jogadora no Clube Desportivo Feirense, está pratica futebol feminino e, por acompanhar o percurso do mesmo, comenta sobre as desigualdades no reconhecimento e na transmissão do futebol que continuam a existir. “Vejo que o futebol masculino tem muita mais visibilidade do que o futebol feminino, apesar de, ano após ano, a margem de visibilidade do futebol feminino aumentar. Queria também vincar este ponto: a nível de transmissão de jogos, agora vê-se muitos mais jogos de futebol feminino na televisão, mas nem se compara ao futebol masculino, pois qualquer canal faz transmissão desses”.
As diferenças salariais estão ainda muito presentes no futebol atualmente e esta é outra ideia que Teresa Torres salienta. “O nível de salário é das principais diferenças entre os géneros no futebol. Um jogador recebe muito mais do que uma jogadora e, ao fim ao cabo, ambos fazem a mesma coisa com o mesmo objetivo, por isso acho que todos deviam de ter o mesmo direito, apesar da desigualdade que ainda existe. Nem tudo depende das jogadoras, mas sim de quem está acima de nós”.
O foco positivo da prática das mulheres na modalidade
Contudo, são muitos os que olham para a prática das mulheres nesta modalidade e tentam focar os aspetos positivos, relativamente ao crescimento do futebol feminino e à sua visão na sociedade.
Filipe Pádua, de 41 anos, é treinador da equipa sénior feminina do Clube Desportivo Feirense e enuncia algumas razões para ainda existir desvalorização do futebol feminino na sociedade, mas apresenta uma convicção de como cada vez mais isso está a mudar. “O futebol é atualmente um negócio gigante e o futebol feminino ainda é um desporto. Dificilmente o futebol feminino terá o estatuto do masculino enquanto não movimentar os milhões que movimentam os homens. Embora, de há uns tempos para cá, existam atletas femininas que são profissionais e que joguem no estrangeiro. Isso já é muito bom, mas é uma gota no oceano que é o futebol masculino”, considera o técnico.
O treinador ainda acrescenta sobre as possíveis razões pelas quais as pessoas não se interessam pelo tema. “Costumo dizer que quem diz que não gosta de futebol feminino é porque ainda não viu. Ainda há muita gente que não deu esse passo. E enquanto houver essa percentagem de gente que não viu, dificilmente poderemos equiparar ambos os géneros. Acima de tudo, quem está nesta modalidade deve respeitar o futebol feminino e todos juntos o faremos crescer, mais e mais”, afirma Filipe Pádua.
Débora Costa, com 18 anos, joga na equipa do Atlético Clube de Cucujães e pratica a modalidade desde cedo. Comentando as principais diferenças de visão entre os géneros, admite que há esperança na valorização do futebol feminino. “Nota-se a diferença na importância que dão, a nível de ser falado, de ser visto e de ser transmitido. Nota-se que o futebol feminino é muito mais lento que o masculino, mas que é uma coisa que está a ser melhorada com o tempo e que, um dia, penso que poderá́ estar mais equivalente ao do masculino nesse aspeto. Pois, com mais tempo, e com mais investimento no futebol feminino, este ainda pode dar muito mais. É um futebol bonito de se ver.”
Em entrevista à BBC, em 2015, o secretário-geral da FIFA (Federação Internacional de Futebol), Joseph Blatter, comentou sobre como o futebol ainda é “demasiado masculino”, e como é preciso que as mulheres comecem a ter mais cargos de influência na modalidade. Blatter enalteceu o seu descontentamento por ainda existir falta de ligas em diversos países e justifica isto como uma razão para o lento desenvolvimento na modalidade. “É difícil conseguir novos parceiros para o futebol feminino, porque o foco está sempre no masculino”, sublinhou o responsável ao canal britânico.
Crescimento na modalidade
Apesar da diferença entre ambos os géneros, as mulheres continuam a aderir à modalidade e a querer jogar cada vez mais. O aumento dos números comprova-se não só pela adesão às equipas, como também, por exemplo, pela arbitragem. De acordo com um artigo de opinião da Tribuna Expresso, escrito por Ana Bispo Ramires, em 2017 houve um crescimento de 6% no número de inscrições das mulheres em equipas de futebol, uma diferença de mais 1,67milhões de atletas em relação à época de 2015/2016. Sobre a adesão na arbitragem, no mesmo período, houve um aumento de 17% e, para treinadoras, um crescimento de 36% de credenciais.
Bernardo Nogueira, de 16 anos, jogador do Seia Futebol Clube, é um exemplo de um dos muitos atletas masculinos na modalidade que reconhecem as desigualdades. Ainda assim, o jovem acredita na evolução das mulheres no futebol e reconhece a sua qualidade.
“O futebol masculino, ao longo dos anos, tem tido sempre superioridade em relação ao feminino por vários fatores como, ter tido o seu início mais cedo, as capacidades físicas dos homens serem superiores às das mulheres, na maioria dos casos, e também pelo facto de a percentagem de homens que assistem e praticam futebol ser significativamente superior à das mulheres. No entanto as jogadoras têm lutado cada vez mais contra a desigualdade entre géneros, o que leva a que as pessoas mudem a sua mentalidade em relação ao futebol feminino. Posto isto, eu acredito que o futebol feminino pode vir a ser mais valorizado no futuro e que, com toda esta evolução, a desigualdade entre o feminino e o masculino vai acabar por ser nula, ou quase nula.”
Bernardo Nogueira, jogador do Seia Futebol Clube
O suspiro de esperança dos que acreditam na mudança
A esperança no futuro do futebol feminino é notória por parte de quem o pratica. O desejo da sua valorização e do seu reconhecimento são os maiores pedidos das jogadoras. Beatriz Ferreira, de 20 anos, joga no escalão sénior do Clube Desportivo Feirense e é um dos exemplos desta esperança. “O futebol feminino é muito desvalorizado a nível mundial, mas sinto que aos poucos isso está a mudar. No caso de Portugal, de uma forma mais lenta, mas já se consegue ver progressos, até agora com as equipas profissionais nos campeonatos. Isto vem dar um ritmo muito diferente ao futebol feminino.” A atleta acrescenta: “vou sempre trabalhar para continuar a jogar futebol. Vou dar o meu melhor, e, se calhar, talvez vá jogar para uma equipa fora de Portugal, onde eu sinta que seja mais valorizada e reconhecida.”
A jogadora da equipa do AC Cucujães, Débora Costa, manifesta esse mesmo desejo. “Penso que no futuro vamos ter muita qualidade presente no futebol feminino e gostava que fosse possível que uma mulher pudesse apenas jogar futebol. Penso que isso acontecerá em breve.”
O treinador do CD Feirense também fala sobre a notabilidade do futebol feminino e como a sua evolução tem vindo a acontecer, não só por causa do número de atletas e equipas, mas em termos da qualidade das mesmas, da maneira de como trabalham e como uma equipa feminina é atualmente preparada. “O futebol feminino tem vindo, por si próprio, a ganhar um estatuto e o seu espaço, a muito custo, e a pulso, mas tem vindo a ganhar notoriedade e pode-se dizer, ganhar também respeito. Atualmente é visto, acompanhado, comentado, noticiado e tem tido espaços em diretos na televisão. Esta situação era impensável há uns anos. Agora, ainda existe muita coisa a fazer. O melhor de tudo é que os alicerces estão bem firmes.”
No caso de Portugal, as coisas encaminham-se para a evolução das mulheres na prática do futebol, com a existência do Campeonato Nacional de Futebol Feminino, uma liga de futebol no país que foi fundada em 1993, onde hoje jogam 12 equipas profissionais.
Imagem de planet_fox por Pixabay