Cultura em Gouveia. “Queremos ser parte da solução e não do problema”

Desde março, quando foi registado o primeiro caso de infeção pela COVID- 19 em Portugal, que diversas medidas restritivas foram aplicadas a todos os setores de atividade, na tentativa de travar o aumento do número dos contágios, e com o setor da cultura não foi diferente. Deixou de ser possível a muitos artistas fazerem espetáculos, pois as salas de espetáculos fecharam. A UNESCO, numa avaliação feita às restrições impostas pelos governos à cultura conclui que o impacto, a nível mundial, foi mais severo do que tinha sido planeado no início. No concelho de Gouveia, distrito da Guarda, a realidade não foi diferente do resto do mundo.

Reportagem de Inês Saúde

Em Gouveia, na encosta da Serra da Estrela, os efeitos da pandemia nos diversos setores fizeram-se sentir, inclusive no setor da cultura que, estando diretamente ligado ao da economia, é um dos setores que mais trazia pessoas ao concelho, devido às diversas festividades que se realizam, tradicionalmente, todos os anos e que visam promover o que de melhor há na região.

Paulo Prata, jornalista do jornal Notícias de Gouveia, tem uma visão clara sobre a realidade que se tem vivido no concelho e destaca que “as consequências da pandemia de covid-19 naquilo que tem sido a atividade cultural no concelho de Gouveia têm-se refletido a vários níveis. No jornal Notícias de Gouveia deixou de ser possível anunciar a realização de espetáculos, eventos e outras atividades presenciais, como as habituais sessões de cinema”. O jornalista fala também de eventos que foram cancelados e que eram uma mais valia para o concelho devido à afluência de pessoas, “o evento que mais projeta o nome de Gouveia internacionalmente é o Gouveia Art Rock, um dos principais festivais de rock progressivo do mundo, e que não se realizou em 2020, apesar de ter sido agendado para duas datas distintas e separadas no tempo”.

A tradicional Festa do Senhor do Calvário, considerada a maior romaria das beiras, que a nível económico e social trazia muitos benefícios para o concelho, também foi cancelada, tendo passado para transmissão online.

Ao olhar para o início de 2021, Paulo Prata diz que “já para este ano de 2021, a ExpoSerra, outro relevante evento cultural do concelho, que é também uma montra da economia local, deverá ser retirada da programação cultural do município”, algo que vai trazer consequências também para as associações que usavam esse evento como meio de mostrarem os seus trabalhos, produtos e serviços.

“Tudo ficou por fazer”

Também as associações culturais do concelho, como os ranchos folclóricos, bandas filarmónicas e grupos de teatro sofreram consequências, principalmente a nível económico, com esta realidade.

O grupo de teatro Escola Velha é uma das associações culturais gouveenses que se viu impedida de realizar aquilo a que se tinha proposto e preparado para apresentar ao público durante o ano, pelo menos da forma que era comum nos outros anos e à qual as pessoas já estavam habituadas.

O Escola Velha dedica-se à produção de cultura desde 1997 e tem como objetivo desenvolver Gouveia a nível cultural, dando-lhe visibilidade e favorecendo o turismo na região.

Escola Velha

Carlos Bernardo, diretor e encenador do Escola Velha fala do que ficou em standby em 2020. “Como grupo de teatro, o Escola Velha vive de público e da interação com este. Basicamente tudo ficou por fazer, a estreia de duas peças de teatro, vários espetáculos de música, sendo um desses espetáculos um grande concerto de homenagem a Amália Rodrigues”, declara.

Como baixar os braços nunca foi uma opção, adaptaram os seus espetáculos às condições que estavam ao seu alcance.

“Conseguimos, muito limitadamente, comemorar o Dia Mundial do Teatro com uns pequenos sketches que cada um de nós gravou em casa, adaptámos o Festival da Praça das Origens a uma versão mais minimalista e com um número de pessoas muito reduzido e transmiti-lo via online, através do canal Gouveia TV e do Facebook, para os gouveenses e para o mundo”.

Carlos Bernardo, diretor e encenador do grupo Escola Velha

O concerto em homenagem a Amália Rodrigues não foi realizado mas fez-se uma tertúlia dedicada à artista, transmitida nas redes sociais.

A visão em relação ao ano de 2021 era animadora, mas devido ao elevado aumento de número de infetados e mortes que se começou a verificar na primeira quinzena de janeiro, o grupo de teatro foi obrigado a adiar de novo os seus planos. “Em 2021, até ao momento, participámos no Cantar das Janeiras, em formato online, organizado pelo Município de Gouveia e estávamos a tentar retomar os ensaios de uma das peças de teatro, apenas com três elementos, que já foi cancelada. Perante este novo confinamento, estamos a tentar fazer pequenas atividades, com um ou dois elementos, que serão gravadas e postadas nas redes sociais”, explica Carlos Bernardo.

Apesar deste panorama mais desanimador para a cultura, que se viu obrigada a parar de novo, o Escola Velha acredita que no segundo semestre do ano seja possível realizar muitas das atividades que foram adiadas.

“Ainda há os amigos da cultura”

Na perspetiva de Carlos Bernardo, o associativismo típico da região e dos gouveenses é essencial no ganho de força e motivação para quando regressarem fazerem mais e melhor, pois sabem que “ainda há os amigos da cultura, das associações, que gostam, apreciam e anseiam pela boa cultura que nos caracteriza”.

Perante a realidade atual, o diretor afirma que “não podemos desistir e não desistiremos. Queremos ser parte da solução e não do problema. Queremos que saibam que a cultura em geral e as associações culturais em particular, não querem desistir, e tudo farão para continuar ativas” e considera que, quando a situação presente passar, “é preciso continuar a investir em áreas de formação como a cultura associativa, gestão, legislação, desenvolvimento pessoal, de forma a ter dirigentes mais bem preparados”.

Numa Carta Aberta, publicada na rede social Facebook, o Escola Velha diz que “devido à pandemia, a cultura fechou para artistas e para técnicos, para amadores e para profissionais” e “ficou mais pobre, não só de dinheiro, mas de calor humano, de vivências partilhadas, de experiências comuns, de tudo”, no entanto afirma que irá continuar a levar a cultura a casa das pessoas, da maneira que lhe for possível, até que tenha oportunidade de voltar a realizar os espetáculos de forma que mais aquece o coração de todos os membros do grupo, com o calor humano e os aplausos do público à sua frente.

“Podiam ter adaptado melhor as restrições”

Andreia Viegas é uma jovem gouveense que considera que as autarquias e associações culturais fizeram tudo o que esteve ao seu alcance para não haver uma mudança drástica na atividade cultural no concelho. A jovem, que frequenta os espaços ligados à cultura do seu concelho, notou que os serviços abriram assim que foi possível, de acordo com as normas da DGS e que se sentia “segura numa ida ao cinema, por exemplo, pois sabia que todas as precauções estavam a ser tomadas e que não havia riscos para a minha saúde”.

Em relação a este novo confinamento, Andreia Viegas considera que “poderiam ter adaptado melhor as restrições no setor da cultura, principalmente nas cidades mais pequenas, que são as que sofrem mais a nível económico com esta estagnação”.

O canal Gouveia TV foi a solução encontrada pelo concelho para ajudar as associações culturais gouveenses a fazer face às dificuldades, dando a oportunidade de realizarem alguns espetáculos e eventos, de forma organizada e a respeitar todas as regras de segurança. Qualquer pessoa pode aceder ao Gouveia TV, através do botão verde do comando MEO registando de seguida os números 6290. Para quem não tem MEO é possível aceder através do link http://kanal.pt/#!6290 . Neste canal foram transmitidas, para além de outros eventos, as Festas do Senhor do Calvário entre os dias 8 e 10 de agosto de 2020.

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