Autorretrato de um bispo: vida e vocação

Dom Ilídio Leandro e é o atual bispo da diocese de Viseu. Num ambiente calmo e numa conversa relaxada, em sua casa, este revela-nos um pouco de si, da sua carreira e também dá a sua opinião, enquanto homem da igreja, sobre as questões polémicas da atualidade.

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Quem é Dom Ilídio Leandro?
Eu sou alguém que nasceu em Pindelo dos Milagres, concelho de S. Pedro do Sul, há 65 anos. De uma família com sete filhos, eu sou o segundo, sou o mais velho. Desde pequeno recordo-me de dizer que gostava de ser padre, que queria ser padre, fui estudar para o seminário menor, em Fornos de Algodres, depois segui todo o percurso e ordenei-me no Dia de Natal de 1973, a partir daí estive pároco, estive em Viseu a trabalhar com a juventude, com o Ensino Superior e com a Universidade Católica, entretanto estive em Roma onde me licenciei em Teologia Moral, portanto fui também professor da Universidade Católica.
Sou Bispo de Viseu desde 23 de julho de 2006. Vou fazer dez anos de bispo no dia 23 de julho coincidindo com os 500 anos da Catedral e coincidindo também com o fim de um sínodo.

Como surgiu a sua vocação?
A minha mãe cresceu pequenita em casa de um tio dela, meu segundo tio, que era padre, eu não o conheci. Ela esteve lá dos 6 aos 23 anos, não me recordo que ela me sugerisse muito, mas falava muito do seu tio, falava com muito entusiasmos o seu tio padre, talvez fosse esse entusiasmo com que a minha mãe falava dele, que me levasse a pensar que queria ser padre. Sei que pensava nisso desde pequenito e foi sendo de facto a minha orientação. Dos meus pais não vi
entusiasmo, O meu pai mostrou objeção, mais porque pensava em mim para o trabalho agrícola. Porém tudo se conjugou para quer eu fosse para o seminário.

Sei que, antes de ser bispo, esteve em algumas paróquias. Qual a diferença que nota entre ser pároco de uma paróquia e bispo de uma diocese?
Comecei por estar no seminário como professor. Um ano em Fornos de Algodres e sete no Seminário Maior em Viseu. Mas o meu anseio, o meu desejo era sempre ser pároco. Preferia ser pároco. Para mim ser pároco é estar próximo das pessoas, das famílias, conviver com jovens e adultos, que são responsáveis nas tarefas ordinárias da vida da igreja. Sempre aceitei que era a expressão mais feliz do ser padre e mais feliz da minha vida. Fui pároco sete anos em Torredeita, depois noutras paróquias, Boaldeia, Farminhão, e Caparrosa. Fui pároco sete anos em Canas de Senhorim e depois fui pároco dez meses em São Salvador, depois fui nomeado bispo.
Portanto, foram sempre experiências belíssimas como foram também aquelas em que eu estive professor no seminário, professor na Universidade Católica ou a trabalhar com a juventude. Sempre gostei do que fiz, como agora, como bispo desde há dez anos, procuro ser feliz e ajudar as pessoas a serem felizes.

Vida e caminhada da Diocese de Viseu

A diocese de Viseu esteve em Sínodo Diocesano entre os anos 2010 e 2015. Quais os momentos fortes desta caminhada? Houve dificuldades?
Para mim foi redescobrir o Concílio Vaticano II, porque o concílio Vaticano II foi desde 1962 a 1965, aliás o sínodo foi para celebrar os 50 anos do Concílio e portanto, o Concílio foi uma experiência muito importante na Igreja, foi o acontecimento mais importante do século XX e do século XXI que estamos a viver, porém foi muito depressa ultrapassado. Depressa se esqueceu, depressa os documentos e conclusões do Concílio Vaticano II se puseram na estante e ali ficaram como um livro bonito, como recordação bonita de um acontecimento muito belo na Igreja, mas ficou muito na estante. Portanto, o Sínodo teve este título “Viver o Concílio Vaticano II, 50 anos depois”. Vivê-lo hoje. Viver as conclusões, as determinações do Concílio hoje. Porque, alias o Papa Bento XVI, na sua atividade de pastor, procurou redescobrir o Concílio Vaticano II e o Papa Francisco, aproximando-se os 50 anos do Concílio disse “nós vamos, a Igreja vai agora começar a viver o Concílio”, vai agora começar a redescobrir o que foi o Concílio Vaticano II e, no ano passado, a 8 de dezembro de 2015, precisamente nos 50 anos do Concílio fez-se uma grande festa. Vão ser publicadas agora as Conclusões e as Constituições do Sínodo para os próximos dez anos na nossa Diocese, vai ser apresentado um Livro no próximo dia 23 de julho e elas são sobretudo propostas, linhas de conduta para a Diocese de Viseu nestes próximos dez anos.

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Após esta caminhada sinodal qual a avaliação que pode fazer e partilhar connosco?
Portanto, o que o Sínodo trouxe ao de cima foi: as conclusões do Concílio Vaticano II, que são hoje atuais, naturalmente não separadas da vida da igreja, porque as conclusões vão ser como que emolduradas, vão ser como que constituídas por todas a vida da Igreja nestes 50 anos. E assim, vamos procurar que os próximos dez anos sejam viver à luz do Concílio Vaticano II no nosso tempo. Estou convencido que vais ser uma experiência bela e nobre na nossa Igreja.

Identidade de uma igreja

Olhando para a sociedade em geral, como vê o “adormecimento” de tantos cristãos na sua vivência religiosa? Sente a preocupação da ausência de crianças e jovens nas estruturas eclesiais (movimentos, sacramentos…)?
Encaro com naturalidade. Porque, precisamente, os jovens, casais novos que vão crescendo no nosso tempo vão sendo marcados por desafios que a sociedade lhes aponta. Desafios que os entusiasmam, que os seduz para determinadas descobertas, para determinadas inovações, determinadas formas
novas de pensar, agir, etc., e, portanto, em muitos campos há novidades que, de facto, atraem os jovens, as pessoas, etc.
A Igreja tem a novidade perene de Jesus Cristo. E a novidade da mensagem de Jesus Cristo que hoje é uma resposta feliz, uma resposta de alegria, uma resposta de esperança vivemos. Simplesmente, como eu disse, depois do Concílio Vaticano II nós adormecemos muito no todo, por isso, nós podíamos pensar que o evangelho ou a igreja não tem nada a oferecer aos dias de hoje e poderíamos ficar de braços cruzados convencidos que houve um prazo e esse prazo está esgotado. Nós vemos grupos belíssimos de jovens adultos, vemos o Papa Francisco, com a sua novidade de espantar com propostas desafiadoras que nos convidam precisamente a viver e a seguir Jesus Cristo de forma, podíamos dizer, única na história As jornadas mundiais da juventude, acontecimentos que são provocados como desafios que a igreja propõe que são acontecimentos que entusiasmam.
Por isso a igreja tem um caminho novo para percorrer dando alegria e felicidade às pessoas de hoje e, à medida que se reencontra com os primeiros tempos da vida cristã, mais se redescobre e mais se dá conta que a verdadeira novidade está sempre à nossa frente e não atrás de nós, quer dizer, a novidade do evangelho está a nossa frente e precisamos de a procurar e de a seguir e não está há dois mil anos atrás, há dois mil anos atrás estava para aquelas que pessoas que a viveram nesse tempo.
Hoje esta novidade existe para nós.

O Papa Francisco escreveu uma encíclica sobre a família “A alegria do amor” (Amoris laetitia), no seu ponto de vista quais as novidades que ela nos traz?
A principal novidade é viver o amor com alegria, este é o título da encíclica. “Amoris laetitia”, “A alegira do amor” é fazer apelo aos casais e às famílias de redescobrirem no seu amor a alegria de se entregarem, a alegria de se darem um ao outro, a alegria de crescerem com os filhos, a alegria de partilharem o seu amor com as pessoas que vivem ao seu lado e, portanto, é redescobrir o amor que entusiasmou um homem e uma mulher a unirem-se no matrimónio a redescobrirem esse amor a cada dia, a cada instante e a viverem esse amor sempre de uma forma nova, sempre de uma forma entusiasta.

Segundo sei houve um conjunto de perguntas que o Santo Padre pediu para serem refletidas as quais deram mote a uma reflexão profunda sobre questões “fraturantes (se assim as podemos chamar) ” das famílias de hoje: – os casais que vivem em união de facto e os recasados e a sua participação nos sacramentos, nomeadamente comunhão e confissão; – os casamentos entre pessoas do mesmo género. À luz da moral cristã e, segundo a encíclica do Santo Padre, o que pensa a igreja acerca destes assuntos?
A igreja deve tudo fazer para que as pessoas sejam felizes. E as pessoas são felizes vivendo a sua situação concreta em que se encontram da forma mais bela, da forma mais nobre, da forma mais entusiasta, etc. Claro que há orientações para as pessoas viverem o amor do matrimónio e portanto, a fidelidade, a unidade, a indissolubilidade são notas marcantes da relação homem/mulher, quer aqueles que têm fé e vivem o matrimónio como sacramento, quer para aqueles que não têm fé ou que de alguma forma cresceram fora das indicações da igreja que vivem o seu amor sem o sacramento do matrimónio. Quer para uns, quer para outros o que importa é que sejam felizes e que, na unidade, na fidelidade e na indissolubilidade realizem o seu amor.
O Papa procura que cada pessoa na sua situação concreta em que está e em que vive, seja feliz, independentemente de a sua situação ser de um novo casamento, uma união de facto, depois de um divórcio ou mais do que um divórcio viverem uma segunda ou terceira união. O Papa faz apelo a que cada pessoa procure, na situação em que se encontra, ser feliz, fazendo-lhe crer que Deus quer a felicidade de todos independentemente das razões, das motivações e das situações que os levaram a estar na situação em que estão. Por isso, é mais do que um acusar ou incriminar alguém, porque está fora da vontade de Deus, é ajudar para que as pessoas se reencontrem e, na situação em que estão, procurem assim construir o seu presente e o seu futuro aprofundando o amor que têm um ao outro.

Já se começa a abordar o tema da eutanásia. No seu entender, este assunto deve ser abordado e/ou legislado?
A vida é um bem tão profundo e tão grande que não há outro maior. E, por isso, nunca poderia estar de acordo com alguém que sentisse que, para ser feliz, deveria provocar a sua morte. Porque a pessoa vive, só ainda enquanto vive, é que pode ser feliz, é que pode construir o seu projeto de vida. Perante qualquer situação de última instância, concretamente de dor, de deficiência, de falta de esperança, etc., em relação ao futuro, a solução é sempre procurar viver a situação em que se encontra de forma a que, aquela situação, seja para ela uma resposta à sua vontade de ser feliz. Naturalmente, estou a falar como alguém que tem fé, e portanto, de ser feliz numa eternidade que, de facto, a morte não elimina, mas mesmo para quem não tem fé, a minha posição é sempre que é melhor viver do que não viver. Por isso, por fim à vida seja por qualquer circunstância em que se encontre, o pôr fim à vida é sempre um mal.

Como vê o papel da comunicação social perante a Igreja nas suas ações concretas (notícias de atividades, como por exemplo o sínodo diocesano e outras), bem como nas intervenções (respostas) a questões problemáticas da e na sociedade?
A comunicação social tem uma vocação muito nobre que é de trazer a público aquilo que são as realidades da vida, noticiar, informar e formar as pessoas sobre as mais diversas situações. Eu pela minha procura pessoa,l não posso atingir o conhecimento das realidades seja lá onde for. Ora, a comunicação social põe-me na mão ou à disposição a informação e a capacidade de eu perceber as outras realidades. Claro esta é a verdadeira comunicação social. Agora, naturalmente há também perigos na comunicação social ou também existe a utilização da comunicação social de uma forma não correta. Com certeza que eu gostaria que toda a comunicação social cumprisse os seus objetivos intrínsecos que são o de serem uma mais valia para as pessoas saberem, conhecerem a realidade, se amarem mais, serem mais felizes e poderem assim, através dessas ofertas/possibilidades, ser mais capazes de contribuírem para um mundo melhor, para que as pessoas sejam de facto mais felizes e mais fraternas.

Proposta para a caminhada espiritual

O que acha que ainda está por fazer?
Uma solidariedade e uma justiça social que, de facto, parece que está sempre a (re)começar. Quando pensamos que o mundo está a caminhar numa linha de mais paz, de mais solidariedade, numa linha de mais justiça social, de mais proximidade entre as pessoas vêm acontecimentos como estes dos refugiados, como estes da Síria, como estes de pessoas que utilizam o poder para dominar, para absorver aquilo que de facto deveriam ser bens e possibilidades para todos, querendo juntar à sua volta aquilo que pensam ser o único caminho da felicidade. Por isso, está por fazer, construir verdadeiramente um mundo onde as pessoas sejam verdadeiramente irmãs, onde as pessoas sejam solidárias, justas e felizes.

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Qual a mensagem que acha pertinente deixar aos jovens de hoje?
Que a vida é o melhor dom que têm e que, porque são jovens, têm naturalmente as possibilidades que os mais velhos já não têm de, vivendo, construírem um mundo com outras possibilidades que os mais velhos não quiseram ou não puderam construir, isto é, aos jovens, dadas as possibilidades que estão nas suas mãos, de saber, de poder estarem próximos de todos os outros e, portanto, de com uma proximidade grande de poderem influenciar todas as pessoas do mundo de hoje, cabe aos jovens fazer aquele mundo que todos sonhamos, desde sempre, mas que ainda até hoje não fomos capazes de fazer: um mundo onde todos possam ser irmãos e onde todos possam ser felizes.

Rita Miranda (texto e fotos)

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