Capelão do Hospital São Teotónio de Viseu é conforto para os doentes
Chama-se João Cardoso, é padre e também é capelão do Hospital de São Teotónio, em Viseu. Foi numa conversa com o responsável, que ficámos a conhecer como é o convívio com os doentes durante o dia todo e como se ajudam as pessoas, procurando confortar o seu sofrimento. João Cardoso dá-nos ainda a sua perspetiva sobre a polémica da eutanásia.
Como é conviver todo o dia num hospital com doentes?
Tentando “dissecar” a palavra conviver, respondo dizendo que viver com os doentes nem sempre é fácil porque se lida com a fragilidade humana, num dos seus problemas mais delicados, a doença. Muitas das vezes vive-se um misto de sentimentos contrastante: dor e a perspetiva da cura. Sim porque quem está doente e sofre procura a cura. Uma das maiores dificuldades vividas é a impotência de querem ajudar quando, a nível da saúde já não há nada a fazer. O que resta? Apenas dar conforto, uma palavra de esperança e, sobretudo, “emprestar” dois ouvidos para escutar dores e desabafos de quem precisa de falar de si, da sua família, dos (ins)sucessos dos seus projetos e/ou expetativas. E, no meio de tudo isto, deixar uma presença amiga e uma palavra (re)confortante.
O que sente quando é chamado a sacramentar alguém?
O Sacramento da Unção dos Doentes é um sacramento para pedir a proteção de Deus para aquela pessoa que sofre. Ainda hoje, as pessoas só chamam o sacerdote para sacramentar na reta final da vida. Este não é um sacramento de mortos, mas de vivos. Temos que, em primeiro lugar, mudar a terminologia antiga “extrema-unção” (quando apenas se chamava o padre para a pessoa moribunda) para Unção ou Pastoral dos Doentes. No meu caso, quando sacramento alguém e tem a família por perto, envolvo-a na oração para pedir a cura e nunca a morte. Esta é a grande diferença do que se pensa do antigo para o que se faz no hoje. Nem sempre é fácil esta envolvência familiar, uma vez que as pessoas pensam logo que, quando o padre chega, o doente vai morrer. Muitas vezes acontece que as pessoas seram e morrem, porém também já aconteceu imensas vezes que as pessoas recuperaram a saúde.
Como vê esse processo da despedida do enfermo?
Muitos doentes sentem que estão a morrer. Alguns deles querem falar da morte, outros entram em negação. O importante é deixar falar, quando é possível, o próprio doente e deixá-lo expressar os seus sentimentos. E depois tentar sempre, no processo da escuta e do diálogo, fazer com que o doente se sinta apaziguado e com muita serenidade. Muitos doentes quase que querem fazer (d)ali mesmo o que não puderam fazer antes: reconciliar-se com alguém com quem não havia entendimento e ou fazer outras coisas que, segundo eles, lhes faltava fazer. O processo de despedida para muitos dos doentes é um processo de libertação, de serenidade e de paz.
Como lida com o sofrimento e a morte tão de perto, acha que a eutanásia poderia ser uma saída para quem sofre?
O código deontológico, bem como o Juramento de Hipócrates, referem a vida como dom fundamental que deve ser vivido e preservado. Se calhar, ao falarmos de eutanásia teremos que falar também da distanásia. Se uma abrevia a vida (eutanásia) a outra prolonga-a, “investindo” para além do que é expectável, tendo consciência que estamos a prolongar o sofrimento de alguém. Para mim, como defensor natural da vida, penso que mais do que se investir na eutanásia se deveria investir, isso sim, numa boa rede de cuidados paliativos que poderá ajudar o doente a ter um final de vida com alguma “qualidade”.
Rita Miranda