“Prescindi do que recebia para apoiar iniciativas”

José Joaquim Pinto de Almeida tem 62 anos e foi, durante 24 anos, presidente da Junta de Freguesia da Boidobra, Covilhã. Exerceu funções a partir de 1990 até 2013, tendo ganho seis mandatos consecutivos, todos com maioria absoluta. Antes de ser presidente era professor do 1.º ciclo com especialização em Educação Especial. Durante 18 anos foi coordenador das equipas de Educação Especial dos concelhos da Covilhã, Fundão e Belmonte, na Escola Secundária Quinta das Palmeiras. Em 2013, ano que saiu da Junta de Freguesia da Boidobra, candidatou-se pela CDU à presidência da Câmara Municipal da Covilhã, tendo sido apenas eleito para vereador da CDU durante quatro anos.

 

O que leva um professor de 1º ciclo a candidatar-se ao cargo de presidência?

José Joaquim Pinto de Almeida Eu desde muito jovem, ainda não residente na Boidobra, gostava muito das atividades comunitárias, fossem elas desportivas ou culturais. Não é por acaso que fui um dos fundadores da rádio Caria e pratiquei futebol. A vinda para aqui teve a ver com uma experiência muito pequena que eu tive no trabalho com os jovens. Na altura, treinava os miúdos em futebol de 11. Possivelmente, também por uma questão profissional, os colegas se calhar viram em mim alguém com disponibilidade e vontade para este desafio. Então, apareci numa candidatura que deu no que deu. Foram 24 anos seguidos de autarca, ao nível da Junta da Freguesia e depois mais tarde 4 anos na Câmara Municipal da Covilhã.

 

Sendo natural de Caria, Belmonte, porque razão escolheu candidatar-se à Junta de Freguesia de Boidobra, Covilhã?

JJPA Porque eu já residia na Boidobra e era por uma questão familiar. A minha esposa é natural daqui e já cá residia talvez há 18 anos, já me identificava muito com a Boidobra.

 

O que representou para si a primeira vitória nas eleições autárquicas da Junta de Freguesia?

JJPA Foi um misto de surpresa, mas ao mesmo tempo também de alguma convicção de que as pessoas, do pouco que conheciam de mim, me valorizaram. E então, deu numa festa até mais dos outros do que da minha pessoa, porque era uma experiência nova, e havia um certo receio de não ir ao encontro das expetativas das pessoas. E isso foi o tal misto de alegria, mas depois também uma expetativa.

 

Ganhou seis mandatos consecutivos, todos com maioria absoluta. Qual é o segredo?

JJPA É aquilo que eu comecei por dizer. Gostar de vivenciar com as pessoas, e depois muita dedicação. Quando decidi terminar esta experiência de 28 anos, uma das justificações foi: “tenho que me dedicar a mim e à família”. Foi tudo feito com muito sacrifício, até no que toca ao crescimento das minhas filhas. Não estou a dizer que as deixei de parte, mas não dei tudo quanto poderia e deveria dar como pai. Então claro que não foi fácil, mas acho que foi bastante positivo. Enriquecedor, principalmente.

 

Enquanto era presidente da Junta quais foram as maiores conquistas?

JJPA Eu valorizo muito aquilo que vai sendo feito podendo, às vezes, não ser assim tão significativo para outras pessoas. De qualquer modo, penso que facilitámos muito a vida daqueles que mais precisavam, nomeadamente os mais idosos, e os mais pequenos, com a criação de alguns serviços e equipamentos, nomeadamente este parque das Merendas, que foi um símbolo do nosso trabalho. Eu quando digo nosso, é efetivamente um trabalho de equipa, de outra forma não é possível fazer. E portanto, as infraestruturas, não tantas quanto eu desejaria, porque ficou por fazer um pavilhão, mas conseguimos o pavilhão gimnodesportivo, conseguimos a parte desportiva com alguns polidesportivos e um parque de lazer. A própria escola primária, teve várias fases, algumas das quais ainda são visíveis. Como eu disse, havia muitos serviços a que as pessoas não tinham acesso, desde os correios, ao posto médico, o posto de enfermagem, os tempos-livres para as crianças, a associação Beira-Serra, de que também fui presidente durante 18 anos, que trabalha a parte social, principalmente ao nível do bairro da Alâmpada. Foi um trabalho abrangente, tanto culturalmente como socialmente e depois também as infraestruturas como aquelas que eu referi.

 

Escola Básica 1ºciclo de Boidobra

 

Se pudesse voltar atrás faria alguma coisa diferente ou acrescentaria alguma coisa no mandato?

JJPA Não sei, não sei. Por acaso nunca pensei dessa forma. É lógico que há reflexões, e essas reflexões levam-nos num ou noutro sentido, mas pareceu-me que o facto de nós conseguirmos as tais vitórias, seis com maioria absoluta, durante 24 anos, também significava que as pessoas estavam contentes com aquilo que era o nosso trabalho. Por isso não posso dizer que faria diferente, porque mesmo que eu quisesse, ou que a minha equipa modificasse por vezes, estávamos sempre amputados de capacidades financeiras, porque dependíamos de terceiros. O pavilhão, por exemplo, eu achava que era um espaço polivalente, e que podia dar muito à Freguesia, até mais do que uma piscina (que funciona apenas dois meses no ano), mas era impossível construirmos este dois tipos de infraestruturas, porque não havia capacidades financeiras para o fazer. Por incrível que pareça, os orçamentos das Freguesias, como a da Boidobra, são escassos ainda que, comparativamente com outras, fomos conseguindo, porque muitas vezes subimos a escadaria da Câmara Municipal para que a Câmara cumprisse. Também tivemos muitos contratempos, com parque das merendas, por exemplo, tivemos vários problemas com o Ministério do Ambiente, que por duas vezes pôs em causa aquilo que estava a ser feito, sem razão aparente. Confundiam-se, a pensar que nós íamos pavimentar espaço todo, ou porque pensavam que estávamos a fazer intervenções diretas no ribeiro, quando sabíamos que não o podíamos fazer. Isto foi o suficiente para andarmos entre processos e advogados.

 

Parque Duppigheim, mais conhecido como Parque das Merendas

 

Na sua opinião, as Juntas de Freguesia deveriam ter mais poder politico e financeiro?

JJPA Principalmente financeiro, porque são as Juntas que estão mais próximas das populações. Aliás, uma das razões que me levou a desistir de ser um possível candidato à Câmara Municipal foi o distanciamento que havia, e que há, no meu ponto de vista, entre o poder político de uma Câmara e os eleitores. Nas Freguesias essa proximidade é muito maior, assim conseguimos ir mais ao encontro daquilo que são os anseios das pessoas. De facto, sem dinheiro, não se consegue fazer. Nós acabámos por prescindir muito daquilo que eram as compensações dos eleitos, presidente, secretário e tesoureiro, para com esse dinheiro também apoiarmos algumas iniciativas que tínhamos. Eu acho que eram fundamentais mais algumas delegações de competências nas Freguesias, mas com meios financeiros também, porque até na parte dos custos nós conseguíamos fazer obras mais económicas do que a Câmara, porque os empreiteiros, no que diz respeito à Boidobra, sabiam que nós pagávamos a tempo e acabavam por fazer orçamentos mais em conta. Acho que o poder autárquico ao nível das Freguesias pode, e sei que é capaz, de fazer muito mais do que aquilo que tem sido feito, havendo essas capacidades financeiras.

 

Como conseguia conciliar a vida de presidente com a vida familiar?

JJPA Muitas vezes não estava presente em casa, porque além do trabalho na Boidobra propriamente dito, também tinha que participar em reuniões fora da Freguesia, nomeadamente na cidade, como também em entidades sediadas em Castelo-Branco, Lisboa. Recordo-me que, quando foi a construção da A23, para termos os acessos mais capazes, fomos também lá, à chamada Infraestruturas de Portugal. E isso, quer queiramos, quer não, retirou-me muita disponibilidade que eu deveria ter para acompanhar a família. Só tenho a agradecer aos lá de casa terem compreendido e às vezes apoiado, mas chegou um altura que disse basta!

 

Desde os seus tempos de juventude que se dedicava a várias atividades. Foi sócio fundador da União Desportiva Cariense e da associação de desenvolvimento Beira Serra, foi um dos fundadores da Rádio Caria, fez parte dos corpos diretivos do CCD Estrela do Zêzere da Boidobra, esteve na direção do Sindicato do Professores da Região Centro e ainda jogou futebol federado no Sporting Clube da Covilhã. Do que tem mais saudades?

JJPA Logicamente que o bichinho da autarquia ficou cá, e às vezes ainda me lembro, olho e observo, e digo: “se eu lá estivesse faria desta maneira ou faria daquela”. Fundamentalmente é dessa vertente que sinto falta, porque foram 24 anos e é muito tempo, pois além do bichinho que fica fica também o sentimento de que fomos úteis à comunidade. Não é por acaso que, e peço desculpa por esta modéstia, recebemos compensações de reconhecimento de mérito e por aí fora. Enquanto eu cá estiver, hei-de lembrar-me sempre muito da Boidobra e daquilo que foi o nosso trabalho com as pessoas.

 

Uma dos trabalhos realizados pelos colaboradores da Beira-Serra

 

Em 2013 foi o candidato pela CDU à presidência da Câmara Municipal da Covilhã, como foi essa experiência?

JJPA Foi de facto, frustrante. Aquela relação de proximidade com as pessoas não existia, havia um distanciamento muito grande. E sem falar em ilegalidades, houve coisas com as quais eu não concordava. E porquê? Porque se calhar tenho um feitio muito próprio, mas eu… Alguém disse que o caminho na política se faz por ruas cinzentas e eu sou muito a preto e branco. Ou é ou não é. Aquela coisa de “faz de conta que a gente até vai fazer”, promete e depois não faz, e depois porque aquela pessoa ou porque me chateia mais ou porque estamos mais próximos deles efetivamente, se calhar temos para com eles, uma atenção diferente daquilo que devíamos ter e que temos com os outros. Isso quer queiramos, quer não, para mim, não é bom. Então os quatro anos foram uma frustração tremenda.

 

Câmara Municipal de Covilhã

 

Quando terminou o seu mandato, a Junta de Freguesia não ficou muito estável. Apesar de agora a situação já estar normalizada. Qual a sua opinião sobre a situação política da Junta de Freguesia?

JJPA Eu acho que não se pode imputar aos autarcas, entretanto eleitos, qualquer responsabilidade no que respeita a essa instabilidade, porque houve muita má fé da oposição. Há sempre um período de experiência, embora o anterior presidente, o que me seguiu, já tivesse trabalhado comigo, mas é sempre um impacto diferente ser presidente ou ser secretário e esse momento pode ter acontecido de alguma dificuldade que foi aproveitada pela oposição. O trabalho tem sido positivo, eu poderia dizer que faria desta forma ou aquela, porque cada um tem a sua forma de fazer as coisas ou de as compreender ou de as idealizar, mas acho que no geral é positivo.

 

Que perspetivas tem para o futuro da Freguesia?

JJPA A Boidobra tem uma característica muito própria em termos eleitorais. A Boidobra vota de acordo com os órgãos que estão em causa. Se for para a Assembleia da República vota politicamente de uma maneira, se for para a Câmara vota politicamente outra, e se for para a Freguesia vota politicamente de outra. Portanto, é uma Freguesia que sabe o que quer, as pessoas sabem o que querem. É exigente, tem ótimas condições, mesmo geográficas, e é um local excelente para viver. Assim haja vontade e as tais capacidades financeiras ou, pelo menos, força para fazer com que elas existam, porque há competências que podem ser delegadas nas Freguesias que resultam muito daquilo que é o trabalho da Junta perante a Câmara Municipal. Se isto tudo acontecer, e tendo em conta aquilo que é o dinamismo das instituições ao nível das coletividades na Freguesia, penso que o futuro é risonho. E não é por acaso que fomos, e somos, a Freguesia que em determinados períodos mais cresceu. Houve décadas que se cresceu 52%, 51%, o que significava que de facto, não só a localização, mas também tudo aquilo que foi acontecendo nesse período, que levou as pessoas a procurar esta terra. Eu dizia antes do ano 2000 que a Boidobra era a Freguesia do ano 2000, e acho que não me enganei.

 

O que faz atualmente?

JJPA Pois. (risos) Estou a dedicar-me mais a mim, e à família, para além de pontualmente colaborar com o Rancho Folclórico da Boidobra. Dedico-me a um passatempo que depende muito da minha pessoa que é uma atividade agrícola que eu tenho, portanto para lidar com os passarinhos, com as aves, com o ambiente, e dessa forma, fazer uma introspecção  e ao mesmo tempo sentir-me bem comigo mesmo.

 

Gostava de deixar alguma mensagem à população da Freguesia?

JJPA Foi, para mim, uma enorme satisfação e estou muito agradecido pelo facto de as pessoas da Boidobra terem confiado e terem depositado em mim esta responsabilidade, porque, de facto, seis mandatos à frente da Freguesia revelam isso mesmo. Na certeza, porém que eu não fiz mais do que a minha obrigação, e por isso estou muito grato à população.

 

Pensa vir algum dia candidatar-se novamente a presidente?

JJPA Não. Chegou, há um tempo para tudo, portanto, não sendo velho, mas já tendo muitos anos destas atividades, é preciso que outros apareçam. Desde que eu saí da Câmara Municipal que disse chega. Cumpri, sinto-me realizado por ter dado esse contributo e venham outros. Sou capaz de, numa atividade pontual, não fazendo parte de listas nem nada, colaborar, se assim o entender, como o faço com as coletividades. Mas eu ser candidato, quer em primeiro, quer em segundo, quer em último lugar, nunca mais serei.

 

Texto e imagens: Inês Vaz

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