O impacto da Troika no comércio tradicional de Viseu

“É preciso dar este passo. Não tomar essa decisão acarretaria riscos que o País não deve correr”. Foram estas as palavras do primeiro-ministro, José Sócrates, no ano de 2011, quando recorreu ao pedido de ajuda externa. A economia portuguesa necessitava de um reequilíbrio das contas públicas, uma redução do endividamento público e privado e a garantia que o sistema financeiro não sairia fracassado. Mas, antes disso, é importante voltar atrás no tempo e no espaço.

Por consequência dos prejuízos causados pela crise dos subprimes nos Estados Unidos, desencadeada a 24 de julho de 2007, a empresa Lehman Brothers Holdings Inc., sediada em Nova Iorque, abre insolvência um ano mais tarde, o que ditaria a maior falência na história americana.

O impacto desta recessão foi sentido por todo o país e a cidade de Viseu não ficou de fora. Fique a saber nesta reportagem as consequências sentidas no comércio tradicional do distrito.

Como alastrou a crise?

Alguns governos da zona euro tinham recorrido sistematicamente ao crédito para financiar os seus orçamentos ao longo dos anos, acumulando, assim, enormes dívidas. Alguns deles também ignoraram as regras que visavam garantir o bom funcionamento da moeda única.

A Grécia e, posteriormente, a Irlanda, Portugal, Espanha e Chipre, chegaram a uma situação em que já não conseguiam empréstimos a taxas de juro razoáveis. A instabilidade financeira travou o crescimento económico, o que levou a uma diminuição das receitas fiscais e ao aumento da dívida pública. A União Europeia foi solicitada a intervir, o que se traduziu na criação de um mecanismo de resolução de crises e de apoio financeiro.

Pedido de ajuda externa

Durante este período houve cortes de serviços básicos, aumentou a desigualdade entre a população e o governo começou a usar recursos de cofres públicos para salvar empresas.

O descontrolo da dívida soberana, do défice público e o consequente insuportável aumento dos juros que o Estado português se viu obrigado a ter de pagar para se poder financiar nos mercados internacionais, levou a que se recorresse à intervenção externa por parte da Troika.

Pior queda do PIB desde abril de 1974

A partir do 2o semestre de 2011, já com Pedro Passos Coelho como Primeiro Ministro, a economia portuguesa, que já tinha entrado em recessão, viu o seu PIB desacelerar mais rapidamente, tendo este caído 5,5% até ao fim de 2013. A queda do PIB, em 2012, de 3,7%, foi a segunda pior desde o 25 de abril de 1974.

Será que a crise matou a histórica Rua Direita de Viseu?

Viseu tem sido ao longo dos tempos uma cidade reconhecida um pouco por todo o país, pela sua intensa e diversa atividade comercial. Com o aparecimento das grandes superfícies, como o Forúm Viseu e o Palácio do Gelo, a Rua Direita deixou de ser o “shopping center” da cidade, como fora durante séculos. O que antes era um ponto de encontro privilegiado para todo o distrito, hoje é um espaço esquecido e degradado.

Porém, há quem ainda consiga resistir à crise da emblemática Rua Direita. Prova disso, é o proprietário da sapataria Custódio Domingos, que ali se encontra há mais de 70 anos. O gerente de uma das lojas mais emblemáticas e antigas da Rua Direita de Viseu, Paulo Domingos, conta: “estamos aqui há 70 anos e sempre tivemos crise e sempre vencemos para ter a loja aberta, claro. Com mais dificuldades, fazendo menos despesas”. O lojista acrescenta: “nós temos é que trabalhar, pôr os nossos clientes bem tratados, fazer tudo e mais alguma coisa, fazer das “tripas coração”.

Depois da crise? A grande interrogação da lojista da Casa Eunice

A proprietária da loja centenária diz não ter sentido nenhuma evolução e questiona “Depois da crise? Eu acho que ainda não saímos da crise”.  Para atrair o cliente, a lojista usa algumas estratégias. “Vou tentando evoluir no artigo, até nas flores. Num ano usa-se uma coisa, noutro usa-se outra, mais nas cores, porque de resto, tem-se mantido tudo da mesma maneira”.

A crise não bateu à porta no mundo dos fatos

No mundo dos fatos há mais de 60 anos, o proprietário da loja Ribeiro e Campos, Manuel Campos, explica, “a grande situação de hoje para o consumidor é ter produto que tenha interesse em qualidade e em beleza, porque o cliente no dia a dia cada vez tem mais interesse pela qualidade, por situações que despertem em termos de produto e esse produto na minha casa não falta”.

Apesar das grandes superfícies atraírem cada vez mais o consumidor, a Drogaria & Perfumaria Cedofeita, mantém ainda as suas portas abertas. “É claro que nós sentimos uma baixa, tanto das pessoas como do comércio, das vendas, disso tudo mas é assim, nós temos muita miudeza, nós vendemos de tudo um bocadinho”, afirma a trabalhadora da loja.

Seis anos depois da chegada da Troika a Portugal e três após a sua saída, há um certo consenso que o processo de ajustamento orçamental não acabou. O retrato da economia portuguesa continua sensível e com uma recuperação moderada. Passo a passo, o país tenta-se reerguer, já começou a baixar o desemprego e o endividamento público e privado que, teimosamente, continuam em níveis perigosos.

É unânime a queda de vendas no comércio tradicional viseense, bem como por todo o país. Há quem saiba melhor dar a volta por cima e arranjar estratégias que agradem aos clientes, sem ter que fechar aquela porta que ali se encontra, há quase um século.

 

Texto e fotos: Daniel Rocha, Daniela Costa e Mariana Silva

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