Congresso Literário: Aquilino Ribeiro tem “a riqueza lexical número 1 na literatura portuguesa”
Voltou a acontecer este ano, durante o fim de semana 17 e 18 de novembro, o Congresso Aquiliniano, uma homenagem ao escritor Aquilino Ribeiro, em Sernancelhe, terra natal do escritor, que contou com a presença de muitos docentes.
Por Gonçalo Santos
O congresso encerrou ontem com casa cheia e um dos convidados foi Fernando Alexandre Lopes, professor da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viseu, para quem Aquilino Ribeiro é como um verdadeiro romanceador, com uma riqueza lexical número 1 na literatura portuguesa, sendo necessário ter “um dicionário à mão” na sua leitura, confirma. Por ser uma escrita tão única e múltipla ao mesmo tempo, com uma “liricização a que a prosa de Aquilino dá ensejo”, o orador deu o exemplo do escritor brasileiro João Guimarães Rosa, cuja leitura lhe deu um prazer tão grande.
O professor de Viseu destacou, por fim, a obra “Humildade Gloriosa”, que enfoca a vida de Santo António de Lisboa em louvor de São Francisco, pela palavra humildade, que deriva da palavra “húmus” da terra, no qual o autor defende nesta obra a emancipação para a felicidade, para o cumprir da vida e para a realização total no amor a Deus. “No gozo de todos os nossos sentidos e movimentos, no amor de todas as suas criaturas”, acrescentou o docente.
Fernando Alexandre Lopes sublinhou o fundamento vitalista da escrita aquiliniana, com a vontade de cumprir a vida, reiterando-lhe duas máximas célebres: “o espiritual desligado da terra é como um papagaio de menino que se soltou do cordel” e “de pena na mão, procuro ser independente, original, inteiriço como um bárbaro”, declarou.
O último dia contou ainda com a presença de Eugénia Pereira, professora na Universidade de Aveiro, que recordou o escritor em França com o seu amigo Anatole de France, que o influenciou na escrita do livro “Jardim das Tormentas”, que se ocupa com as questões sociais e políticas da Europa.
A terminar, Celina Arroz, professora Jubilada da Universidade Nova de Lisboa, concluiu dizendo que Aquilino Ribeiro é um “grande vulto da língua portuguesa”, que escreveu mais de 60 obras e que ficaria muito contente com esta homenagem e a presença do público. “Mais não pude”, é o epitáfio de Aquilino Ribeiro.
Escrita “insuportável para as gerações atuais”
O primeiro dia contou com a presença de António Valdemar, jornalista e membro da Academia Portuguesa das Ciências, um homem dos Açores que veio com 15 anos para Lisboa, onde conheceu o Mestre até à sua morte. O orador notou que Aquilino Ribeiro chegou a ser na capital professor de Marcelo Caetano e falou do processo do Nobel, que se tornou numa guerra entre Miguel Torga e o escritor beirão, sendo este último o nomeado para candidato. António Valdemar salientou que a força e a complexidade de escrita aquiliniana é intraduzível para outras línguas, e “insuportável para as gerações atuais”, apontando o quinteto ou o cânone beirão: “Aldeia”, “Arcas Encoiradas”, “Geografia Sentimental”, “O Homem da Nave” e “Quando Os Lobos Uivam”. Segundo o jornalista, para o escritor das Terras do Demo, o castanheiro, árvore de fruto por excelência do concelho sernancelhense, era “uma cidade para os pássaros” e que a gente destas terras, muita quentes no verão e muito frias no inverno, se caracterizava por, nas palavras de Aquilino Ribeiro, “brutalidade e melancolia, rigideza e desespero” e, também, “capazes de grandes rasgos de bravura e inesperada bondade”, reproduziu.
De seguida, Henrique Monteiro, jornalista e ex-diretor do Expresso, dirigiu-se ao público, tal como na obra “O Romance da Raposa”: “E a todos vós seus fidalgos”, salientando a proximidade que teve desde criança com o escritor, por ter família residente em Vila Nova de Paiva. Henrique Monteiro recordou o escritor, da terra, na casa do avô, como “alguém rude, pouco elegante”, demonstrando surpresa quando o conheceu em menino, pois era aquela a figura do escritor. Explicou que estava “habituado a julgar pessoas pelo aspeto”, conforme se faz na cidade, aditou. O jornalista referiu, porém, que “o Camões da Revolução Republicana” jamais se submeteu ao retrógrado e à mesquinhez, e adiantou que com o seu avô na aldeia confraternizava horas a fio. Virado para o mundo, tendo estudado em França e vivido na Alemanha, era na terra que estava o seu sentir, tendo ajudado a eternizar as aldeias limítrofes com a sua escrita e com as suas ricas e inocentes personagens. “Gente de exaltações rápidas, perdões imediatos, sonhos grandes e pequenos feitos, gente enfim de coração puro”, confirmou.
Este congresso foi organizado entre muitas outras universidades do país, mas principalmente pela Universidade de Aveiro e pela autarquia de Sernancelhe, para comemorar os 60 anos da morte do Mestre Aquilino Ribeiro, como assim era chamado. Tornou-se um ‘ex-líbris’ do território das Terras do Demo, constituído pelos concelhos de Moimenta da Beira, Sernancelhe e Vila Nova de Paiva, sendo 17 as obras que incidem e retratam geograficamente e humanamente esta região.