Diligente – Hato´o informasaun mak presiza*
(*Informar é preciso)
O Diligente é um novo órgão de comunicação social timorense criado para produzir notícias em português. O desígnio é fazer informação de qualidade e marcar pela diferença.
Texto de Carla Ferreira, Inês Figueiredo e João Micaela. Imagens de Carina Valério
8h da manhã. Dili amanhece nublado. O Diligente abre as portas e os jornalistas chegam à redação. Um novo dia de trabalho começa.
Criado em janeiro de 2023 por um grupo de estagiários do projeto Consultório da Língua para Jornalistas, o Diligente é um jornal online que surge para dar voz aos problemas básicos dos timorenses como, a falta de saneamento, de eletricidade, de água, de transportes, ou de hospitais que funcionam com serviços mínimos.
“Estamos a chamar os problemas dos timorenses para a linha da frente dos conteúdos informativos”, refere Eduardo Soares, jornalista e diretor do Diligente.
A cobertura jornalística é, fortemente, direcionada para temas estruturantes que constituem obstáculos ao desenvolvimento do país. Nicodemos Espírito Santos, jornalista do Diligente, considera que estão a alcançar os objetivos uma vez que, estão a trazer os problemas reais dos timorenses para a agenda mediática através de um jornalismo focado em trabalho de investigação.
Projeto sem apoio financeiro
O Diligente resulta da ideia de sete estagiários integrados no projeto Consultório da Língua para Jornalistas, um projeto de cooperação entre o governo de Timor-Leste e o Instituto Camões que assegura a produção de conteúdos informativos em Português em Timor-Leste, que engloba a formação em contexto de sala de aula e a formação em contexto de trabalho.
No primeiro ano de implementação, foram produzidos vários materiais didáticos adaptados à realidade timorense para auxiliar a formação. No final da formação, avançaram para o estágio, surgindo, assim, o Diligente.
Apesar de estar inserido no Consultório de Línguas para Jornalistas e ter apoio linguístico na correção e edição jornalística, ter instalações, computadores e vontade humana, o Diligente é um projeto sem apoio financeiro, que “luta com uma equipa de sete pessoas para produzir conteúdos diferenciados e por patrocínios para quando deixarem de ter as instalações do Consultório da Língua para Jornalistas, possam continuar este trabalho que começaram recentemente”, refere Carina Valério, formadora de jornalismo do Consultório da Língua para Jornalistas.
“O acesso às fontes em Timor é condicionado“
Por ser um órgão de comunicação social recente, deparam-se com desafios que são inerentes ao início de qualquer projeto.
Para além da questão da língua, o acesso às fontes constitui outro dos desafios. Muitas vezes, os jornalistas ficam, indefinidamente, à espera das respostas que tardam em chegar. “Já aconteceu as respostas chegarem depois da notícia ser publicada”, acrescenta Eduardo Soares.
A falta de transparência no acesso a informações das instituições públicas e privadas, o desconhecimento das matérias aliadas à desconfiança sobre a capacidade e responsabilidade dos jornalistas, são alguns dos obstáculos que mais prejudicam a atividade jornalística em Timor-Leste.
“O acesso às fontes em Timor é condicionado independentemente do órgão de comunicação social, seja ele recente ou consolidado”, refere Nicodemos Espírito Santo.
Também a profissão de jornalista não é devidamente valorizada e respeitada pelos líderes e diferentes hierarquias no país, existindo ainda algum desrespeito pelo trabalho dos profissionais de comunicação social timorenses, visível nas dificuldades de acesso à informação e na relação com os líderes.
A forte politização das notícias também condiciona a liberdade profissional destes jornalistas que, na maioria das vezes, receiam questionar os “diligentes”, no entanto, tentam contrariar este cenário, fazendo as perguntas necessárias independentemente das reações. Estão determinados a melhorar a indústria dos média no país, em difundir informação imparcial para desbloquear os entraves que vão surgindo, nomeadamente, os institucionais.
Apesar de Timor-Leste ocupar a décima posição no ranking da liberdade da organização Repórteres Sem Fronteiras, as pressões existem e, muitas vezes, são indiretas, menos percetíveis, o que leva a que os jornalistas não tenham todas as condições para fazer um jornalismo mais crítico, caindo, por vezes, na autocensura.
“Nestes poucos meses de trabalho, as pressões mais efetivas que sentimos foram relativas a artigos que envolvem o funcionamento da igreja, num país onde 97% da população é católica”, afirma Nicodemos Espírito Santo.
Para superarem estas e outras dificuldades procuram ser consistentes, tentam consolidar a sua presença no seio dos órgãos de comunicação social do país, mantêm o foco nos seus objetivos, e buscam soluções para ultrapassar os desafios que surgem.
Redação em processo de construção
O quotidiano na redação do Diligente é similar ao de qualquer redação de um órgão de comunicação social. Começam a dia com uma reunião de agenda para definir as coberturas jornalística, depois o trabalho é dividido entre artigos mais curtos, notícias de atualidade mais imediatas, e trabalho de investigação mais longo e complexo.
A dificuldade e a demora nas respostas das fontes constituem obstáculo, por isso, torna-se necessário fazer vários pedidos, muitos telefonemas, e ir aos locais repetidamente até conseguirem a informação.
“Tendo em conta que o Diligente é um órgão de comunicação social muito recente, a redação está num processo de construção. Para além dos desafios no processo de construção das notícias, toda a equipa tem também o desafio de consolidar a relação com as fontes e conquistar a sua confiança”, expõe Nicodemos Espírito Santo.
No decurso do trabalho, o Diligente vai todos os dias para a rua ouvir as pessoas, dando-lhes voz e envolvendo-os criticamente, para que possam expressar as suas angústias e preocupações.
O Diligente é o primeiro órgão de comunicação social em Timor-Leste totalmente em Português, pois esta é a língua oficial do país a par com o Tetum, e representa a possibilidade de chegar a mais leitores também fora do país.
Para além da preocupação com a escrita de artigos em Português, incluem nos mesmos uma ferramenta, um glossário, cuja funcionalidade é traduzir, com o auxílio de sinónimos, as palavras de difícil compreensão aos leitores.
Eduardo Soares refere tratar-se de uma inovação que ajuda os timorenses a aprender o Português, promovendo a literacia dos cidadãos através da explicação ou da tradução para Tetum das palavras mais difíceis, garantindo, desta forma, que os cidadãos percebem, efetivamente, a informação que estão a receber.
Em Timor-Leste há muitas histórias para contar
Para o Diligente nenhum tema é tabu e todos os assuntos relevantes para as pessoas são relevantes para Diligente. Em Timor-Leste há muitas histórias para contar. A maior parte diz respeito aos problemas que afetam os timorenses, pois apesar dos progressos, mais de 40% da população vive na pobreza, sendo notórias as desigualdades no acesso à educação, à saúde, no acesso à justiça, e à igualdade.
Muitos cidadãos sofrem com as dificuldades que sentem no que diz respeito à mobilidade, à falta de saneamento, à falta de água, aos estigmas e à discriminação que todos os dias são vítimas.
“Acho que há muitas histórias que estão a ser escondidas, quer no seio da comunidade, que no interior do próprio Estado”, afirma Octaviano Gomes, revisor linguístico do Consultório da Língua para Jornalistas.
Em Timor-Leste há histórias que ainda não estão a ser contadas, tanto pelos órgãos de comunicação social timorenses como pelos órgãos estrangeiros.
Comunicação social em Timor tem enfrentado desafios
“O papel da comunicação social em Timor-Leste não é diferente do papel que tem em outros países, e na medida do possível o jornalismo continua a querer assumir-se como contrapoder, como guardião da democracia e garante de uma sociedade informada”, declara Carina Valério.
Este processo encontra-se numa fase embrionária quando comparado com outros sistemas democráticos mais consolidados, uma vez que as dificuldades com que os jornalistas se deparam são maiores do que as desejadas para um país que se encontra em processo de consolidação da democracia.
“A comunicação social tem um papel essencial no escrutínio político e social, contribui para uma sociedade mais informada, crítica e participativa em todo o mundo. Em Timor, uma das mais recentes democracias, este papel é ainda mais fundamental e estruturante”, refere Eduardo Soares.
Apesar de reconhecer a importância do papel da comunicação social na conquista da democracia, Nicodemos Espírito Santo avança que a comunicação social tem enfrentado muitos desafios, havendo uma grande dependência em relação ao governo.
Timorenses “percebem que queremos fazer um jornalismo construtivo“
Os jornalistas acreditam que os leitores olham para o Diligente como um veículo de informação crítica e de qualidade. O número tem crescido e conta, atualmente, com 5000, repartidos entre Timor e Portugal. Os leitores elogiam, para além dos temas abordados, a forma como são abordados. A cada artigo vão conquistando a confiança e o respeito, o objetivo é chegar ao maior número possível de pessoas.
O feedback é positivo, nomeadamente, nos comentários públicos dos artigos. Os leitores realçam a qualidade da informação e o apoio na aprendizagem do Português. “Percebem que queremos fazer um jornalismo construtivo, que queremos promover os direitos humanos, a cultura timorense e uma sociedade mais justa”, conclui Nicodemos Espírito Santo.