O “fino” cheio de classe
O próximo mês de maio assinala cinco anos desde que vimos, pela última vez, Vítor Paneira nos relvados (ou melhor dizendo, nos bancos de suplentes) do futebol português. É em 2015 que o antigo internacional luso e estrela do SL Benfica nos anos 80 e 90 , tem a sua última experiência no futebol, como treinador principal do CD Tondela. Nos últimos anos, tem dedicado o seu tempo ao comentário desportivo, ainda que não descarte a possibilidade de voltar aos comandos técnicos no futuro. Em exclusivo ao #dacomunicação, a antiga glória portuguesa recorda todo o seu percurso no futebol, que começa quase sem querer, nos juvenis do Grupo Desportivo Riopele.
Reportagem de Henrique Almeida
Vítor Manuel da Costa Araújo, mais conhecido no mundo do futebol por Vítor Paneira, nasce a 16 de fevereiro de 1966, na histórica cidade de Vila Nova de Famalicão. Irmão do meio de outros dois irmãos rapazes, Vítor cresce no seio de uma família ligada à restauração.
O engano do irmão e dos amigos
Desde pequeno que tem o sonho habitual de muitos rapazes, o de ser jogador profissional de futebol, no entanto não é algo que coloque à frente de tudo. Aliás, a sua entrada nos relvados acontece apenas aos 16 anos, quando acompanhava o irmão para um treino de captação do Grupo Desportivo Riopele: “eu fui acompanhar o meu irmão e uns amigos que o iam realizar, no entanto, o treino era para juvenis e não para juniores… sendo o mais novo do grupo, realizei eu o treino. Gostaram de mim, fiquei no Riopele e comecei assim a minha caminhada”.
É em 1983/84, que o principal clube da sua terra natal, o FC Famalicão, o vai buscar ao Riopele, após este segundo encerrar as atividade de futebol devido a casos de corrupção.
No sábado – jogador do Vizela, na segunda-feira – jogador do Benfica
Já com idade de júnior, faz uma temporada nas camadas de formação antes de ascender à equipa principal dos famalicenses, onde joga até 1986/87, e onde dá nas vistas para os lados de Vizela e da Luz: “eu assino contrato com o Vizela e o Benfica entra em contacto comigo dois dias depois. Tendo em conta que já tinha contrato assinado, o Benfica conseguiu fechar o acordo, com a contrapartida de jogar um ano no Vizela”.
Depois chamar à atenção do poderoso Benfica, numa captação da seleção nacional no norte do país, Vítor Paneira faz uma época na segunda liga ao serviço do Vizela, onde marca 13 golos em 37 jogos (dados – zerozero.pt), transferindo-se, em definitivo, para Lisboa no início da temporada 1988/89.
As estreias ao mais alto nível
O ano de 1988 é cheio de sucessos para Vítor Paneira, onde não só se estreia pelo Benfica (a nível oficial, no 3-0 sobre os franceses do Montpellier, para a Taça UEFA), mas também pela Seleção A de Portugal (a 16 de novembro desse ano, num particular frente ao Luxemburgo): “Foi um salto incrível, foram momentos únicos para mim que tentei desfrutar, mas sempre com os pés no chão…contei sempre com o apoio da minha mulher e família e isso foi crucial para continuar a atingir objetivos”.
A malapata italiana
Se na primeira época de águia ao peito apenas falha nove partidas dos encarnados, sendo uns dos obreiros da conquista do 28.º título de campeão nacional, a segunda temporada (1989/90) é marcada pela conquista da supertaça, pelo falhanço no campeonato, perdido para o FC Porto, mas principalmente, pela presença na final da Liga dos Campeões, frente ao Milan, dois anos depois da última finalíssima alcançada pelo Benfica: “Sabíamos da dificuldade de nos tornarmos campeões europeus, mas entravamos sempre para ganhar e defender o símbolo e o prestigio que o Benfica tem nas competições europeias”.
Num jogo intenso, a antiga glória recorda a sensação de jogar, com apenas 24 anos, uma final da Champions League: “Foi uma sensação única jogar uma final da Champions. É uma das minhas frustrações como futebolista não termos ganho, por ter sido um jogo que podia ter dado para os dois lados.”
A saída da Luz e a entrada no castelo vimaranense
Após esta temporada, Paneira completa mais cinco épocas ao serviço do SL Benfica, onde, segundo o site de estatísticas desportivas Zero Zero, faz 211 partidas e marca 38 golos. No entanto, este início da década de 90, vem adensar os problemas diretivos e financeiros dos encarnados de Lisboa, levando à saída de alguns dos principais jogadores da equipa sénior de futebol, dentro deles o nosso entrevistado, Vítor Paneira. Após dar, enquanto capitão, uma entrevista ao jornal Record, em que afirma que “haviam coisas muito graves que se estavam a passar e que tinham de ser tomadas atitudes” (trecho de entrevista de Vítor Paneira ao jornal Expresso em 2020), o Benfica abre um processo disciplinar a Paneira, que é despedido do clube. Ao #dacomunicação explica o nível de complexidade do processo de saída do clube do qual era adepto desde pequeno: “foi difícil… entrei em conflito com o treinador na altura, o Artur Jorge. Isso levou ao fim da minha passagem pelo Benfica. No momento fiquei magoado e não foi fácil digerir aquilo, portanto, tudo o que mais queria era regressar ao norte e estar junto dos meus…”.
E regressa mesmo ao norte…mais especificamente à cidade berço, Guimarães. Acompanhado pelo histórico Neno (outra antiga glória, mas da baliza encarnada) que também abandona a Luz, o praticamente “trintão” Vítor Paneira é uma das estrelas da equipa do Vitória SC. Nos quatro anos ao serviço dos conquistadores (entre 95 e 99), é treinado por técnicos icónicos como Vítor Oliveira, Jaime Pacheco, Manuel Machado e Quinito.
Dos tempos do assiduamente europeu Vitória (quatro presenças consecutivas na Taça UEFA), Vítor Paneira recorda épocas bastante positivas também ao nível individual: “Tenho muitas boas recordações de Guimarães, foram épocas extraordinárias. As principais que guardo foi ter sido considerado o melhor jogador do campeonato, ter sido eleito por duas vezes o rei das assistências do campeonato, ter atingido a fase final do europeu 1996 (ao serviço da seleção) e as presenças contínuas que o Vitória teve nas competições europeias”.
O último contrato e a reforma
É com 35 anos, já numa fase descendente da carreira, que o famalicense abraça a sua última aventura enquanto jogador profissional de futebol. De regresso à segunda liga, Vítor Paneira opta por terminar a carreira na cidade dos estudantes, Coimbra. É com a Académica que assina em julho de 1999, e onde irá passar as duas últimas épocas da carreira, marcando dois golos em 47 jogos. Curiosamente, antes do início da época em que a Académica consegue a subida à 1a Liga (01/02), decide pendurar a chuteiras e abandona o futebol como jogador: “decidi terminar a minha carreira nesse ano, apesar da Académica me ter proposto um contrato para ficar lá, para mim já não fazia sentido jogar mais…fiquei feliz por terem conseguido a subida divisão, é um clube histórico que merece estar nas principais ligas do futebol”.
As partidas mais marcantes
Com a carreira de jogador terminada, contam-se 562 jogos de Vítor Paneira ao mais alto nível do futebol. Alguns são históricos, e a antiga glória desta ca quatro que nunca lhe sairão da memória: o confronto Juventus – Benfica, dos quartos de final da Taça UEFA 1992/93, em que Vítor Paneira marca o golo da vitória encarnada na primeira mão; o Bayer Leverkusen 4- 4 SL Benfica, jogo de loucos que qualificou a equipa portuguesa para as meias finais da Taça das Taças de 1993/94; o histórico dérbi Sporting 3- 6 SL Benfica, em que Vítor Paneira faz duas assistências e João Vieira Pinto faz três golos em 14 minutos; e por fim um Portugal vs Holanda, enquanto jogador A da seleção nacional.
Carreira como treinador
E depois de jogar, o destino, por norma, é treinar. E é por esse caminho que também envereda Vítor Paneira, ainda que tenha feito uma pausa entre as duas carreiras. Foram quase dois anos afastado do futebol, até reentrar no mundo do futebol, mas no corpo técnico do Serzedelo, e depois do Ribeirão, em 2002/03 e em 2003/04, respetivamente (dados zerozero.pt): “Quando terminei a minha carreira de futebolista decidi que me ia retirar uns tempos, para descansar e dedicar mais tempo à minha família, mas sempre soube que um dia ia voltar”.
Em 13 épocas seguidas como treinador principal, orienta, nos escalões secundários, equipas como Moreirense, Vila Meã, Boavista, Famalicão, Gondomar, Varzim e Tondela. E é mesmo neste último, que se estreia na primeira liga, onde faz sete jogos como treinador principal dos beirões.
“Guardo boas recordações de todos os clubes em que passei, todos fazem parte do meu crescimento. Foi no Tondela que me estreei na 1a liga e onde passei momentos muito felizes, no entanto, todos os clubes têm importância para mim. Felizmente tive a sorte de passar e trabalhar em grandes e históricos clubes do futebol, como o FC Famalicão, o Boavista, etc”.
Vítor Paneira
Desde 2015 que não volta aos bancos de suplentes, ainda que as propostas não têm faltado. E sobre o futuro, Vítor Paneira é claro e direto, não projeta um regresso imediato ao futebol, e afirma que gosta de desfrutar o presente: “Eu não sou uma pessoa de fazer muitos planos para o futuro, gosto de desfrutar do presente, portanto, para já tenciono continuar pelos comentários desportivos, é uma atividade que me dá muito gosto”.
Agora mais ligado ao comentário desportivo em televisão, Vítor Paneira continuará a ser uma das grandes referências do futebol português. Será lembrado como um jogador de classe, o “fino” de grandes dotes técnicos e que não precisa de ser muito possante para ser considerado, por muitos, o último grande médio direito que jogou no Benfica.