“O futebol faz-me feliz, emociona-me, faz-me querer ser melhor todos os dias enquanto pessoa e atleta”
Iris Silva de 18 anos é natural de Almada e jogadora de futebol do Sport Lisboa e Benfica. O gosto pelo futebol começou desde cedo e a evolução foi constante até à chegada às camadas jovens da seleção nacional.
Por Marta Santos
Iniciou o seu percurso futebolístico muito nova, com apenas 6 anos, no Almada Atlético Clube. Recorda-se como surgiu o gosto pelo futebol?
Sim, comecei a jogar futebol no Almada Atlético Clube com 6 anos, mas acho que a paixão pelo futebol está comigo desde que nasci. O meu pai sempre jogou futebol, então desde pequena que acompanhava os jogos dele com a minha mãe, que também adora futebol e desporto no geral. É um desporto que está no sangue da família e sempre me despertou interesse.
Quais foram as principais diferenças que sentiu na transição do futebol masculino para o feminino?
Acho que a principal diferença que senti foi mesmo na forma como era tratada e valorizada. Passei por vários clubes e em alguns sofria bastante pelo preconceito que ainda existia com raparigas que gostavam de jogar futebol. No masculino cheguei a ouvir de um treinador que não importava o quanto eu treinasse eu nunca ia jogar na equipa dele, porque futebol era um desporto de homens. Noutra época joguei apenas 25 minutos no total, porque o treinador não queria pôr uma rapariga à baliza. Era complicado e quando fiz a transição para o feminino senti que afinal até tinha qualidade, quem trabalhava comigo fazia-me sentir isso.
Teve um percurso muito agitado nos primeiros anos do futebol. O que sentiu quando chegou ao Viseu 2001 em que conseguiu estabilizar e ter estruturas disponíveis para evoluir?
Passei por vários clubes quando era mais jovem devido ao trabalho da minha mãe, que nos obrigava a mudar muito de sítio, o que dificultou a minha evolução em alguns momentos, já que cada clube tem os seus métodos. O Viseu 2001 foi o clube que fez de mim jogadora de futebol e sempre me senti valorizada de alguma forma. Eram extremamente exigentes comigo e eu nem sempre conseguia compreender isso na altura, pela idade que tinha, mas foi essa exigência que me fez crescer e evoluir. Se sou quem sou hoje devo muito à estrutura que trabalhou comigo nesses anos, porque deram-me ferramentas e incutiram-me uma mentalidade de trabalho e de esforço que me permitiu ser todos os dias melhor. Foi ali que comecei a entender que com trabalho e esforço os sonhos podem tornar-se realidade e nos 4 anos em que representei o clube mudei imenso, principalmente a nível de mentalidade. Fui muito feliz, honestamente.
Em que clube sentiu que começou a ser reconhecido o seu potencial e a ganhar notoriedade?
Quando nos estabilizámos em Viseu surgiu a oportunidade de fazer um treino na AF Viseu, que na altura não tinha guarda redes. Eu estava sem clube, não jogava futebol naquele nível há quase 2 anos e, quando fui treinar, a treinadora Francisca Martins (selecionadora distrital na altura) gostou do que viu. Ela era também treinadora do Viseu 2001, então levou-me para lá digamos assim e deu-me oportunidade de treinar pela primeira vez só com raparigas. Foi a primeira pessoa a acreditar em mim e a ver algum potencial na Íris enquanto atleta e isso foi extremamente importante. Por isso acho que foi na AF Viseu que reconheceram que eu tinha algum potencial, mas foi o Viseu 2001 que alavancou a minha carreira, sem dúvida. São duas instituições muito marcantes no meu percurso, com 15 anos era titular da seleção distrital e estreei-me na 1º Liga e na Taça de Portugal. São momentos inesquecíveis e que me marcaram muito.
Considera que uma jogadora do interior sente mais dificuldades para crescer, em comparação com uma jogadora dos principais clubes?
Claro que sim, é muito mais difícil para uma jogadora do interior ganhar notoriedade e ter as mesmas oportunidades que uma jogadora de Lisboa, por exemplo. Primeiro pela quantidade de clubes com equipas femininas que existem e depois pelas condições de crescimento que essas equipas podem oferecer. No distrito de Viseu, usando o meu caso como exemplo, só existia uma equipa que tinha condições de treino e qualidade para te dar algumas oportunidades e era o Viseu 2001. Não é desmerecer os outros clubes da região, é olhar para as coisas de forma realista. E mesmo nós tínhamos muitas dificuldades em determinadas alturas, porque os apoios a nível financeiro são poucos comparado com outras regiões do país, mas tivemos sorte pelas pessoas incríveis que lideravam o projeto e que faziam de tudo para nos dar condições de sonhar com mais e melhor, como por exemplo chegar a uma seleção nacional ou disputar fases finais com o clube. Graças a essa estrutura nunca nos faltou nada do que era essencial para evoluir e é por isso que as oportunidades foram chegando para muitas atletas. Quando algo faltava eles arranjavam forma de contornar a situação e continuar a trabalhar. Por isso acho que uma jogadora do interior que quer ter sucesso tem de trabalhar o dobro em comparação com todas as outras ou as oportunidades podem nunca aparecer, mas também é preciso estar rodeada de boas pessoas e bons profissionais que saibam implantar uma mentalidade vencedora e trabalhadora nas suas equipas e, muitas vezes, as equipas do interior não têm este tipo de estrutura, ainda que nos últimos anos tenha vindo a melhorar. Tal como ouvi imensas vezes enquanto joguei em Viseu “Dentro do amadorismo temos de saber ser profissionais” e isso pra mim sempre significou que tens de fazer o melhor que conseguires dentro das condições que tens, então levo esse ensinamento comigo até hoje.
Como é que surgiu a oportunidade de ir para o Benfica?
É engraçado, porque surgiu de forma inesperada. Estava a sair de um treino quando chego ao carro e a minha mãe está em chamada com o meu pai e um senhor chamado Ricardo Derriça Pinto, que atualmente é o meu gestor de carreira. Foi ele que apresentou a proposta e o projeto do Benfica, que estava à procura de uma guarda redes para a formação e eu encaixava nas características que eles definiam. Nessa altura a minha época ainda não tinha terminado e eu tinha uma final para disputar, então preferi não pensar muito no assunto, mas sabia que era uma oportunidade gigantesca. Lembro-me de inicialmente pensar que era uma brincadeira, foi difícil acreditar que o Sport Lisboa e Benfica estava interessado em mim e quando entrei no Estádio da Luz pela primeira vez para reunir com o representante do projeto fiquei completamente convencida que era a melhor decisão para mim.
Quais as principais diferenças entre um clube relativamente desconhecido, como o Viseu 2001, e um Benfica que é um dos 3 grandes?
Acho que a maior diferença são as condições. Sais de uma realidade onde tens o básico para evoluir e passas para uma onde tens tudo, literalmente. Desde acompanhamento nutricional a trabalho especializado no ginásio, em situações de lesão temos todo o acompanhamento da clínica e fisioterapia, uma mental coach presente e disponível para nos ajudar a gerir expectativas e emoções e uma infinidade de outras coisas a que não temos acesso na maioria dos clubes em Portugal quando falamos de futebol feminino. É muito fácil ficar deslumbrada com essa realidade quando não estás habituada a ter esta conjuntura que facilita a evolução como um todo, é totalmente diferente do padrão do futebol feminino português.
Foi chamada pela primeira vez à seleção nacional em 2019. Lembra-se onde estava quando soube? Qual foi o sentimento?
Lembro-me de todos os detalhes. Estava em casa quando recebi uma chamada do meu treinador das sub 19 do Benfica e ele diz-me “Olha Íris só te estou a ligar porque recebemos a notícia de que foste chamada para o próximo estágio da Seleção Nacional sub 19 e queria dizer-te eu primeiro e dar-te os parabéns, porque se há alguém que merece esta oportunidade és tu pelo teu trabalho”. Não tive reação, nem sequer consegui responder-lhe nada de jeito porque as lágrimas já escorriam. Senti um orgulho e uma felicidade sem igual, foi um dos momentos mais bonitos da minha carreira e era algo para o qual eu já trabalhava há muitos anos. Foi um sonho tornado realidade.
Qual foi o momento mais marcante da sua carreira até agora?
Existem dois momentos que eu considero os mais marcantes até agora, que foram a primeira chamada à Seleção Nacional e ser campeã nacional de juniores ao serviço do Benfica. Foi o meu primeiro título e a chamada à Seleção foi a cereja no topo do bolo depois de uma época sensacional. São dois momentos muito bonitos e importantes para mim.
O que a motiva a jogar futebol?
A paixão que sinto todas as vezes que entro em campo para treinar ou para jogar. Quero jogar futebol enquanto for completamente apaixonada por ele e continuar a sentir-me feliz cada vez que estou entre os postes ou piso o relvado. O que me motiva é continuar a sentir aquele nervoso miudinho e a adrenalina quando saio para o aquecimento, ou o frio na barriga quando estou a chegar ao treino. O futebol faz-me feliz, emociona-me, faz-me querer ser melhor todos os dias enquanto pessoa e atleta e é isso que me faz querer continuar.
Sente que houve uma mudança de mentalidades desde quando começou até agora?
Sim, sem dúvida. Quando comecei a jogar passei por muitas coisas que atualmente não acontecem ou pelo menos não com tanta frequência. As equipas femininas estão a crescer, a ganhar mais visibilidade, mais apoios, mais credibilidade dentro do mundo do futebol e essas são evoluções muito bonitas e positivas. Vejo meninas com 12/13 anos a terem oportunidades que eu com a idade delas nunca sonhei poder ter sequer, o que só mostra que o futebol feminino e toda a realidade que o envolve está a crescer e melhorar.
Uma vez que acompanhou a evolução do futebol feminino em Portugal, até onde pensa que este pode chegar no nosso país?
Não sei onde pode chegar, mas sei que desejo ver um desporto cada vez mais competitivo e desafiante. Espero poder ver o futebol feminino Português tornar-se competitivo não só a nível nacional, mas também a nível internacional, ver equipas portuguesas chegar cada vez mais longe na Champions League e mais jogadoras portuguesas em destaque pelos seus clubes e pela nossa seleção. Gostava de ver Portugal ganhar um título internacional a nível da Seleção A e gosto de acreditar que vamos evoluir cada vez mais nesse sentido porque acho que, com os apoios certos, Portugal pode chegar ao mesmo nível onde já se encontram outros países da Europa já que claramente tem jogadoras com imensa qualidade que vão marcar a diferença no futuro. Basta olhar para o que as camadas jovens da Seleção Nacional têm feito para perceber o potencial que o país tem para ser cada vez melhor. Acompanhar este processo e de alguma forma ser parte dele tem sido incrível e acho que daqui para a frente vamos continuar a crescer.
Em relação ao futuro, quais são os seus objetivos?
O meu principal objetivo é continuar a ser feliz a jogar futebol, porque é o que mais gosto de fazer e perdi um pouco isso nos últimos tempos. Estou numa fase onde não quero definir demasiados objetivos, quero focar-me na minha evolução e em ser todos os dias melhor do que fui no dia anterior. Se somado a isso puder ganhar títulos ou voltar a ser chamada à Seleção Nacional era a cereja no topo do bolo, como se costuma dizer, mas o meu foco principal é estar a 200% para representar o clube.