“Ter um filho com uma condição especial não é o fim do mundo”
Mafalda Peixinho é uma força da natureza. Aos oito meses foi diagnosticada com uma doença rara, designada como Síndrome CDG (Congenital Disorders of Gycosylation), que afeta sobretudo o equilíbrio, a coordenação, a linguagem e a visão. Agora, com apenas quatro anos, já começa a perceber as suas limitações. Joana Peixinho, mãe de Mafalda, é o braço direito da filha. Para conseguir pagar os tratamentos, está nas redes sociais, Facebook e Instagram, com a página “O Sorriso da Mafalda”, onde as pessoas podem ajudar de várias formas. Residente em Viseu, Joana Peixinho conta como é ser mãe de uma criança com necessidades especiais.
Por Ana Beatriz Nogueira, Daniel Fernandes e Mónica Cardoso
Quando descobriu que a sua filha tinha uma doença?
Aos 8 meses, após um longo internamento no Hospital Pediátrico de Coimbra por causa de uma virose. Desconfiaram de doenças do foro hepático ou metabólico. Através de testes genéticos, foi detetado que a Mafalda é manifestante de uma doença rara metabólica.
Imaginamos que, como mãe, a sua reação à doença da Mafalda não tenha sido fácil, até porque desejamos sempre o melhor para os nossos filhos. Como é que se sentiu quando soube da doença da sua filha?
Tiraram-me o tapete, fiquei sem chão. É sufocante. Mas depois encontrei muito rapidamente forças. Aquela carinha, aquele sorriso, aquele cheirinho tão dela. O meu amor por ela. Não havia nada a fazer para alterar a sua condição exceto lutar para que ela tivesse uma vida com a maior qualidade possível. E é a minha luta até hoje, mas já de pé, com a cabeça bem erguida, um sorriso na cara e a certeza que tudo vai correr bem. E que, para mim, não há nada nem ninguém mais precioso do que a minha filha.
A doença da Mafalda deve ter mudado a sua vida para sempre de um modo positivo, até porque se deve sentir honrada por ter nas mãos a tarefa de cuidar de uma criança tão especial. Qual foi o impacto que a doença da Mafalda teve na sua vida?
Acho que um nascimento de um filho muda a vida de uma mãe na maneira de pensar, agir e viver. O nascimento de um filho com uma doença rara, ainda mais. Sonhamos vê-los crescer devagarinho. O rebolar, o sentar, o rastejar, o andar, o falar… Tudo isto na Mafalda podia estar comprometido. Todos sonhamos ver os nossos filhos crescerem de forma saudável e dentro do “padrão” daquilo a que se chama “normal”. Não posso negar que é duro, que não me revolta. Não por mim, mas por ela. Ser mãe da Mafalda é maravilhoso, é o maior e mais bonito presente que a vida me deu. E estou muito grata à vida por isso. Mas vê-la a passar por tantos desafios e obstáculos que nenhuma criança devia passar é duro. Mas prometo-lhe todos os dias que irei sempre fazer tudo para que ela consiga ser feliz.
Entretanto lançou nas redes sociais “O Sorriso da Mafalda” com vista a ajudar a sua filha nos tratamentos. Como é que nasceu esta ideia?
As páginas de Facebook e Instagram nasceram pela necessidade de divulgação, um pedido de ajuda. Na verdade, antes de a Mafalda nascer, tínhamos decidido não a expor numa rede social. Entretanto, após o seu nascimento, soubemos que a Mafalda era manifestante de uma doença rara. Foi e é necessário a Mafalda fazer várias sessões de terapias diferentes. O Serviço Nacional de Saúde e a Segurança Social oferecem um apoio muito insuficiente para que a Mafalda tenha todas as terapias de que precisa para um dia ser autónoma e crescer saudável e feliz. Portanto, houve a necessidade de pedir ajuda para conseguirmos proporcionar à Mafalda todas as terapias necessárias e que fazem diferença na sua qualidade de vida. E daí surgem as páginas de “O Sorriso da Mafalda”.
Através de “O Sorriso da Mafalda” tem recebido muito carinho e apoio por parte das pessoas. Em que medida essas mensagens ajudam a Mafalda e o que é que retira deste projeto?
Têm surgido, através de “O Sorriso da Mafalda”, imensas pessoas com um espírito altruísta extraordinário. Só através de pessoas que recolhem tampas de plástico, metal, rolhas de cortiça e donativos para a conta solidária da Mafalda é possível ela fazer as terapias que faz, e assim ultrapassar os obstáculos que a doença lhe impõe. E as conquistas têm sido muitas. Ver, por exemplo, a minha filha a pôr-se de pé agarrada a algo – conquista muito recente – é extraordinário. E o carinho que nos transmitem é muito importante para mim e para a Mafalda.
Com uma doença rara deste género, imaginamos que a Mafalda tem uma agenda preenchida durante a semana. Que tipo de tratamentos faz a sua filha?
A Mafalda tem uma semana preenchida com várias sessões de terapias. Faz fisioterapia, psicomotricidade, neuropsicologia, hipoterapia, terapia da fala, Snoezelen, mais recentemente começou com Therasuit e queríamos muito voltar à hidroterapia.
Como é que a Mafalda lida com os tratamentos?
Na maior parte das vezes muito bem. O grupo de terapeutas/psicóloga que tem é muito bom, tanto profissional, como pessoalmente. Todos têm uma ótima relação com a Mafalda e sabem dar-lhe a volta quando não quer fazer ou acha que não é capaz. Todas as suas conquistas são fruto do trabalho que tem com os profissionais que estiveram ou estão no seu caminho.
Como é o dia a dia da Mafalda?
Com a exceção das terapias e das consultas, como o de outra criança! Vai à escola, gosta de ir a parques infantis, de piscina, adora brincar com bonecos, ver desenhos animados e ler livros.
Agora aos 4 anos de idade e com já alguma noção, como é que a Mafalda encara a sua doença?
Antes dos 3 anos, acho que não se apercebia. Hoje em dia, acho que já sabe que algo se passa com ela. Reconhece as suas limitações. Observa muito as outras crianças. Mas eu digo-lhe sempre que vai ser capaz. E se não for, arranjamos uma solução para que seja.
Imaginamos que tenha de dar atenção redobrada à sua filha. Sente compreensão por parte da sua entidade patronal quando precisa de o fazer?
A Mafalda necessita de alguém sempre com ela. Felizmente, há uma grande compreensão da entidade patronal. E também consigo gerir o meu horário de trabalho, o que é uma grande vantagem. A Mafalda, apesar da sua condição, é uma miúda que não precisa de cuidados acrescidos, vai à escola como outra criança, brinca, acompanha as outras crianças nas atividades, desloca-se. Mas esta não é a realidade para a maior parte dos pais. Um deles tem mesmo de abdicar da sua vida profissional para ser cuidador 24h por dia. É urgente repensar esta situação. Só quando se vive esta realidade é que nos apercebemos do grão de areia que são os apoios que temos do estado. Um grão de areia no deserto!
A sua família sempre a ajudou no processo de desenvolvimento da Mafalda?
Sim. Família e amigos. Foram e são fundamentais em todo este caminho que fazemos para o desenvolvimento psicomotor da Mafalda.
Houve algum episódio especial que tivesse acontecido com a sua filha que gostasse de contar?
Tantos! Mas, por exemplo, quando me apercebi que a Mafalda já era capaz de beber por uma palhinha! Parece vulgar, mas para a Mafalda é uma conquista extraordinária. Ficámos tão contentes! Ou quando começou aos poucos a gatinhar. De início muito descoordenada. Muitos meses a cair para o lado ou para a frente! E agora, gatinha perfeitamente! São estes, alguns exemplos, de esperança.
Através de que formas ou meios as pessoas podem ajudar a Mafalda para os seus tratamentos e para o seu desenvolvimento?
De várias formas! Angariando tampas de plástico, tampas de metal e rolhas de cortiça; com donativos para a conta solidária da Mafalda [PT50 0035 0528 00027681530 83]; participando em eventos solidários; e gostando/seguindo/divulgando as nossas páginas.
Como mãe de uma criança com necessidades especiais, o que tem a dizer a outros pais que se encontram numa situação semelhante?
Há um texto que escrevi há um ano que fala um bocadinho da roleta que é esta vida. Porque esta vida é mesmo uma roleta. E estas coisas acontecem, por isso, devemos aproveitá-la da melhor forma que conseguirmos. E ter um filho com uma condição especial não é o fim do mundo. Pelo contrário. Eles trazem luz e alegria e amor à nossa vida. Dão mais trabalho e precisam de mais atenção, empenho, esforço, sim, mas um diagnóstico não é uma sentença. Não é o fim da linha. Não é destino. Um diagnóstico só nos indica que caminho devemos seguir. E não podemos desistir que eles tenham a maior qualidade de vida que conseguirmos. Não sei se a Mafalda vai conseguir algum dia andar autonomamente, sem apoio. Mas vou fazer de tudo para potenciar isso. Se não conseguir, tem um andarilho. Se não conseguir com um andarilho, vamos tentar que manobre uma cadeira de rodas. O importante mesmo é que cresça e que seja sempre feliz rodeada de amor! Não é isso que todos os pais querem?