“Defenderemos uma Política Agrícola Comum pós 2020 mais justa e inclusiva”

Em entrevista ao #dacomunicação, Maria do Céu Albuquerque, Ministra da Agricultura, fala sobre a aposta no setor primário e sobre os desafios que se apresentam, nomeadamente no que diz respeito à digitalização, inovação e investigação. A ministra revela ainda que defende uma PAC justa e inclusiva e fala sobre as medidas a tomar no futuro, para prevenir questões relacionadas com a seca.

Por Eva Pais

António Costa destaca, no Programa de Governo, vários pontos que considera principais durante o seu mandato, incluindo «proteger a floresta e estimular o desenvolvimento rural». Havendo cada vez mais apoios para jovens agricultores, por parte do Governo e União Europeia, como acha que se pode conjugar a proteção o das florestas e desenvolvimento local com os apoios oferecidos?

Apostar na Agricultura é sinónimo de apostar no nosso território, nos nossos produtos, nas nossas pessoas. Por isso, sim, a agricultura assume um papel fundamental na garantia do desenvolvimento local e, consequente, nacional. Falamos de um setor com grande peso nas zonas rurais e uma forte ligação ao ecossistema e ao contexto social. Um setor que consegue ainda alavancar outras atividades económicas ligadas, nomeadamente, ao turismo, à gastronomia, ao artesanato e à nossa cultura.

Assim, acredito que teremos de continuar a procurar chegar mais longe. E, nesta ambição, a digitalização da nossa agricultura é um fator essencial para a sua competitividade e sustentabilidade. Estamos na era da agricultura inteligente, de uma agricultura que, parte de uma sociedade digital, será capaz de dar resposta aos desafios estabelecidos para este XXII Governo. Uma agricultura mais inovadora será uma agricultura mais sustentável e eficiente na gestão dos recursos, contribuindo, assim, para a resposta global às alterações climáticas. Uma agricultura mais tecnológica atrairá os mais jovens e fomentará o empreendedorismo, assumindo-se como parte fundamental da resposta aos desafios demográficos e no combate às desigualdades, reforçando ainda mais a coesão territorial e o desenvolvimento rural.

A meta passa então por alcançarmos uma agricultura ainda mais sustentável, inovadora, e competitiva e que se projete ainda mais além-fronteiras; uma agricultura ainda mais tecnológica, ligada à investigação, amiga do ambiente e que jamais perca a sua identidade e a sua tradição.

Segundo o Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral, “Política Agrícola Comum (PAC) constitui um dos pilares do processo de integração e consolidação do desenvolvimento económico e social europeu, tornando possível garantir aos cidadãos europeus a segurança no abastecimento de produtos alimentares, bem como a sustentação económica do mundo rural que marca uma das faces distintivas da Europa”. Sendo Portugal um país caracterizado pela ruralidade do interior, quais as medidas e respetivos efeitos espera que até 2027, mudem a situação atual?

Defenderemos uma Política Agrícola Comum (PAC) pós 2020 mais justa e inclusiva, preocupada com a preservação dos recursos naturais e que represente uma resposta concertada para a mitigação e adaptação às alterações climáticas. Tudo faremos para alcançar um acordo político sobre a PAC e para que este seja benéfico para todos os agricultores europeus e para o desenvolvimento equilibrado e sustentável da União Europeia.

Neste âmbito, não podemos esquecer que Portugal tem um histórico de utilização dos fundos da PAC com uma forte componente de medidas de apoio a sistemas agrícolas de importante valor ambiental e climático.

No último Conselho de Ministros Europeu, realizado no passado dia 16 de dezembro, em Bruxelas, ficou estabelecido um Pacto Ecológico (Green Deal) que estabelece um compromisso orientador e integrador das prioridades da União Europeia (UE) para os desafios que enfrenta em termos de clima, ambiente e biodiversidade, no âmbito dos quais todos os setores terão de contribuir, de forma justa e inclusiva, para os objetivos de neutralidade carbónica a atingir em 2050 e de transição para um modelo de crescimento económico mais sustentável.

Este Pacto Ecológico atribui à agricultura o objetivo de, através da estratégia Farm to Fork, fazer uma transição para um sistema alimentar justo, saudável e amigo do ambiente, identificando a PAC como sendo um instrumento essencial para atingir esta meta e, simultaneamente, assegurar uma vida digna aos agricultores europeus. Portugal vê como muito positiva a abordagem de inclusão dos planos estratégicos da PAC na ambição do Pacto Ecológico. Neste sentido, vamos prolongar a totalidade das medidas agroambientais em 2020 e, assim, permitir uma transição entre o atual e o próximo período de programação.

O 8.º Relatório Provisório de Incêndios Rurais de 2019 revela que “o número de incêndios e a área ardida em Portugal continuam a baixar, pelo segundo ano consecutivo”, acrescentando ainda que a “área ardida desce 70% em relação à média dos últimos dez anos”. Mesmo assim, Portugal ficou em número um de área ardida, na União Europeia em 2018. Na sua opinião, quais as medidas que mais ajudaram para que fosse possível diminuir a área ardida, e o que falta fazer para que o país não volte a ficar em número um, em relação aos outros países da União Europeia?(

Neste âmbito, gostaria de lembrar que a Agricultura, enquanto atividade tão ligada à natureza nas suas diversas modalidades, assume um papel ímpar na ocupação e na gestão dos territórios, nomeadamente criando faixas de interrupção da floresta, dificultando ou mesmo impedindo a propagação de incêndios e, em simultâneo, dando lugar a unidades de produção agrícola rentáveis, promotoras de emprego e da inovação, veículos de valorização dos produtos endógenos e capazes de tornar as áreas em causa mais vivas e conectadas com o resto do território.

Por isso, ao valorizarmos a nossa agricultura e ao investirmos na sua aliança com a inovação e a investigação, estaremos a cuidar do nosso território, a garantir a sua gestão eficiente e a conservação dos seus inúmeros recursos. Estaremos a trazer respostas aos efeitos das alterações climáticas, efeitos que sentimos no nosso dia a dia e que impõem a adaptação de comportamentos como uma prioridade.

Na conferência de imprensa, em conjunto com o Ministro do Ambiente, a Ministra da Agricultura, defendeu “soluções que sirvam no imediato, mas que permitam garantir a sustentabilidade da Agricultura”. De que forma acha que os dois ministérios se podem unir, para contrariar as previsões de secas extremas cada vez mais frequentes, num futuro próximo?

Existe, desde 2007, uma Comissão Interministerial (que envolve o Ministério do Ambiente e da Ação Climática e o Ministério da Agricultura) que, por sua vez, criou um Grupo de Trabalho, com o objetivo de avaliar os impactos da seca e quais as zonas mais afetadas do país. Nesse sentido, desde 2007 que esta comissão tomou as devidas ações para minimizar os efeitos da seca. Hoje podemos acompanhar melhor a situação e procurar soluções mais eficazes para combater os seus efeitos. Importa salientar que, no seguimento dos compromissos assumidos, tudo o que estava previsto foi cumprido. Por exemplo, no âmbito do PDR2020, apoiaram-se “Pequenos Investimentos na Exploração Agrícola”, de forma a diminuir os efeitos da seca severa e extrema, através do apoio a investimentos específicos nas explorações agrícolas, em que a falta de água comprometia o abeberamento dos animais, assim como a sobrevivência de culturas.

Já este ano, em setembro, foi publicada uma legislação que declara a existência de uma situação de seca severa e extrema em alguns concelhos do país, sobretudo no sul, e que vem permitir que os produtores adaptem as suas práticas à situação de seca sem qualquer penalização nos apoios comunitários.

De forma a precaver esta situação, em março deste ano, foram definidas algumas medidas de prevenção e que vamos agora concretizar. No que toca ao setor agrícola, vamos instalar, nas regiões onde se verificaram as maiores dificuldades em garantir a água aos animais em 2017, pontos de água ou cisternas associadas a albufeiras de águas públicas. Até que se comece a verificar a reposição dos volumes armazenados nas albufeiras e águas subterrâneas, vamos também suspender a emissão de títulos de novas captações de água subterrânea para uso particular e os processos que estão emcurso ficarão a aguardar decisão. Esta situação irá manter-se até que haja garantia dos volumes necessários para o abastecimento público, em 10 massas de água, todas elas no sul do país: Elvas, Moura, Querença, Albufeira, Peral, Almancil, São João da Venda, Almádena, Quarteira e Campina de Faro (estratégicas como reservas para o abastecimento público). Esta medida terá acompanhamento permanente (com a coordenação da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e com a participação das Direções Regionais de Agricultura e Pescas do Algarve e Alentejo (DRAP), dedicando particular atenção aos projetos com operações já abertas no PDR 2020.

No passado dia 20 de novembro, realizou-se a 6.ª Reunião da Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca, entre os dois ministérios. O Ministério da Agricultura apresentou 10 medidas para combater os efeitos da seca:

1.Foi declarada a situação de seca severa e extrema em determinados concelhos, permitindo aos produtores agrícolas promover adaptações nas suas práticas à situação da seca, sem penalizações nos seus apoios comunitários, seja no âmbito dos pagamentos diretos, seja nos pagamentos de superfície do PDR2020;
2.Continuará a ser promovida a interligação de barragens de maior capacidade de regularização com as de menores dimensões;
3.Foi reforçada a percentagem de adiantamento dos pagamentos diretos aos agricultores para 70%;
4.Apoiaram-se pequenos investimentos específicos nas explorações agrícolas, pelo PDR 2020, para assegurar o abeberamento de animais e a sobrevivência de culturas permanentes;
5.Manter o planeamento anual prévio das transferências do Alqueva para as albufeiras das bacias do Sado e Guadiana;
6.Para uma melhor proteção das águas subterrâneas, o licenciamento para novas captações será feito mediante autorização. Será ainda efetuado um reforço da fiscalização;
7.Avaliar a possibilidade de instalar pontos de água ou cisternas, associados a albufeiras de águas públicas, nas regiões onde se têm verificado maiores dificuldades em garantir o abeberamento de animais;
8.Continuar a apoiar os agricultores na identificação de soluções eficientes para o abeberamento de animais, sem ser através de novas captações;
9.Até que haja garantia dos volumes necessários para o abastecimento público, suspender a emissão de títulos de novas captações de água subterrânea para uso particular em algumas massas de água, onde os níveis são mais críticos. Será dada particular atenção aos projetos com operações já abertas no PDR2020.
10.Promover a reutilização da água para uso urbano (ex: lavagem de ruas, rega de jardins), rega de campos de golfe e de culturas permanentes.

Posto isto, em janeiro de 2020 os Ministérios da Agricultura e Ambiente, em conjunto com os Grupos de Trabalho, irão avaliar a possibilidade de implementar outras medidas, caso seja necessário e até que se verifiquem os níveis normais de armazenamento nas albufeiras e águas subterrâneas nas regiões a sul do rio Tejo.

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