“Rádio minha, que me entreténs”
São 7 da manhã. Isabel acorda e desce as escadas para tomar o pequeno almoço. Levanta e prepara o filho Tomás, de 11 anos e às 8:20 abre o portão da garagem e sai de casa. Todos os dias, pelo caminho, o café que a acorda mais é a Megahits. Das 6 até às 10, os responsáveis pela boa disposição de Isabel, Tomás e muitos outros mais por todo Portugal são Maria Correia, Conguito e Mafalda Castro.
Por Vasco Fernandes
“A melhor forma de evitar o stress matinal é, na ida para o trabalho, ligar o rádio.” E não é só Isabel que se sente assim. Já em 2016, de acordo com a Marketeer, a rádio sediada em Lisboa foi considerada a líder entre as rádios jovens, com 3% de Audiência Acumulada de Véspera. Mesmo sendo mais dedicada à faixa etária jovem, compreendida entre os 15 e os 24 anos, hoje, em 2019, a rádio expandiu-se e abarca tanto jovens como adultos nas suas emissões diárias.
Numa sociedade onde cada vez mais vemos os jovens acorrentados aos telemóveis e a desligarem-se dos media clássicos, a importância de cativar a atenção dos ouvintes é fundamental e, neste caso, a própria Megahits teve de inovar para poder corresponder a faixas etárias mais velhas, continuando sempre a privilegiar a sua qualidade.
Mantendo a virtude de uma rádio jovem que ao mesmo tempo evoluí para outras áreas, a inovação focou-se no principalmente no entretenimento.
Segundo André Barbosa Filho, “o entretenimento é a própria essência da linguagem radiofónica, cuja contribuição vai do real à ficção”.
Hoje em dia, a palavra entretenimento tem um significado muito mais possante e cada vez mais vemos este gênero radiofónico emancipar-se no nosso ambiente.
Tal como afirmam no site, o programa Snooze é uma “portagem de felicidade no trânsito caótico” pois “as manhãs podem ser verdadeiras epopeias” até se chegar ao carro e ligar a rádio.
Tanto o programa como quem participa no mesmo (caso de Conguito) gira em torno dos jovens e todos os que ouvem sentem-se um pouco mais novos quando os três entretainers entram no estúdio. Mas, ainda mais jovens, são os que estão hoje a aprender para serem os grandes locutores da próxima geração, e, na Escola Superior de Viseu, existe um rapaz com esse mesmo objetivo, também conhecido como “Xico”.
Xico, ou também conhecido como João Francisco Silva, ainda se lembra da primeira vez que fez rádio. O estudante em comunicação social, de 20 anos, começou aos 16 num programa na escola chamada “Rádio Impacto”. Entre passar música, contar as últimas novidades e mesmo transmitir informações da associação de estudantes, João deu assim os seus primeiros passos no caminho do seu sonho.
“Foi fascinante sentir pela primeira vez que as pessoas prestavam atenção a tudo o que eu dizia e que se orgulhavam do meu trabalho.”
Passado cerca de um ano, João Francisco subiu o primeiro degrau na sua carreira como locutor. Na procura de se dar a conhecer ao mundo e aprender novas coisas, João e Samuel Santos agarraram bem a oportunidade de terem o seu próprio programa de rádio, que passava às sextas-feiras, 17:00 da tarde na Azeméis FM, conhecido como “A tua hora”.
Neste programa, eram todas as semanas convidados jovens de Oliveira de Azeméis para falarem abertamente sobre os assuntos mais variados. “O programa deu-me muito. Seja em termos de fazer rádio, maturidade, saber ouvir e acima de tudo ser profissional, a tua hora foi essencial para mim em muitos aspetos. Ao mesmo tempo que convivia com os meus amigos, todas as vezes que o programa transmitia à sexta-feira sentia que durante aquele tempo ia de certeza aprender algo novo.”
Já em 2019, surgiu a João a primeira oportunidade de visitar um estúdio profissional. Convidado por Miguel Midões e pela Antena 1, o jovem de Ossela foi conhecer o espaço em Viseu da RTP1 que se responsabiliza por todas as transmissões radiofónicas na cidade.
Chegou ao espaço às 13:30 e logo a seguir conheceu as pessoas com o qual ia trabalhar nessa tarde. O tema, a importância da cadeira de rádio nos estudantes, foi o tópico de conversa do programa Portugal em direto na rádio pública Antena 1, que transmitiu em direto para portugueses de todo o país.
“Sempre foi um bichinho e eu sabia que quando fosse ter aulas com o professor Midões íamos aprender mais porque é uma pessoa de renome na área”
Quem o diz é João Francisco Silva, quando foi questionado sobre o porquê de ter escolhido Comunicação Social e a importância de aprender rádio. O professor de renome que João Francisco sublinhou é nem mais nem menos que Miguel Midões, natural do Luso.
Tem 37 anos, é professor da Escola Superior de Viseu e repórter da TSF, profissão que já pratica há 15 anos. Mas não começou no topo. Para chegar onde está hoje, o professor de história dos media e atelier de rádio teve que ultrapassar difíceis obstáculos.
O seu primeiro desafio foi logo em 2005, onde teve a sua primeira experiência profissional. Bem longe de família e amigos, Miguel deu um tiro no escuro e foi para uma terra desconhecida…Bragança.
“Fui para o distrito de Bragança, sem amigos, sem família e sem fontes de informação, e sem conhecer (sequer) a região. Foi começar tudo do zero.”
Começou tudo de novo. Criou uma agenda de contactos e uma nova rotina que o permitisse ser produtivo. Passado dois meses, assumiu a coordenação da emissão, mesmo não conhecendo ainda as pessoas ou a região. Sete anos foi o tempo que trabalhou em Bragança, que, mesmo tendo sido complicados, o fizeram crescer imenso.
O próprio admitiu que foi difícil “a luta (quase) diária contra as pressões económicas e políticas que se vivem intensamente na comunicação social local e regional.”
A batalha no Norte permitiu a Miguel Midões a aprendizagem das ferramentas necessárias para ser bem-sucedido no que faz. Quando foi questionado sobre qual considerava ser o seu momento mais feliz, afirmou que o seu ponto mais alto são todos os dias.
“Não consigo definir um. Posso mencionar episódios, mas não passam disso mesmo: episódios. O meu ponto mais alto na carreira é todos os dias. Dou tanta importância a uma “grande” entrevista, como dou à história da senhora anónima que ainda hoje faz o pão no forno a lenha. Sou um “contador de histórias” e vivo para lhes dar voz.”
Já entrevistou grandes personalidades como Cesária Évora, Raúl Solnado, Simone de Oliveira, Xanana Gusmão e muitos outros. Já acompanhou campanhas políticas, grandes reportagens e até já foi enviado especial no estrangeiro.
Em 15 anos de carreira, o hoje repórter da TSF defende que todos estes trabalhos ajudam no que toca à motivação, no que o mesmo considera ser um trabalho “que é intenso, duro e, muitas vezes, mal remunerado”.
Tal como Isabel, Tomás e muitos outros portugueses, o também professor admite que o entretenimento na rádio é imprescindível e o próprio também recorre a essa “terapia”.
“Diria que (o entretenimento na rádio) é até fundamental. As pessoas precisam de um escape ao dia a dia intenso dos tempos modernos. Eu próprio recorro a esta “terapia” muitas vezes. Ouvir música, de quando em vez umas “larachas”, o trânsito e as temperaturas pelo meio (…)”
Estando já envolvido no mundo da rádio há 15 anos, o jornalista de 37 anos defende que a rádio tem uma influência constante nos seus ouvintes, mesmo com a hegemonia da internet.
“A rádio continua a ter uma influência enorme nas pessoas. Nos últimos anos, com a Internet, tem até, inclusive, aumentado o número de ouvintes, porque continua a ser ouvida no carro e pode, agora, ser ouvida em qualquer lado através dos dispositivos móveis. (…) a rádio continua a ser o meio que chega a todas as pessoas: instruídas e menos instruídas pela sua forte vertente da oralidade.”
Tirou o curso de Comunicação Social na Escola Superior de Educação de Coimbra e voltou a ficar ligado ao mesmo quando recebeu a proposta de ensinar a cadeira de rádio em Viseu.
Para ele, ensinar os comunicadores do futuro é fundamental para formar profissionais mesmo que se distanciem da área radiofónica.
“Para futuros comunicadores é essencial. Muito se passa ainda à volta da rádio, mesmo para aqueles que não querem fazer jornalismo. A rádio não é apenas informação. Na rádio há espaço para animadores, publicitários, comerciais, sonoplastias (técnicos de som), produtores e realizadores. É todo um mundo que fascina muita gente da comunicação e por isso continua a ser muito importante o seu ensino.”
De acordo com a Marktest, Portugal tem 7 milhões de consumidores, ouvindo em média cerca de 3 horas por dia, mostrando que a rádio é um meio inevitável na vida dos portugueses. Dos 10.3 milhões de residentes em território nacional, 82% desses mesmos com 15 ou mais anos ouvem rádio pelo menos uma vez por semana, sendo que 58% ouvem todos os dias. Ao todo, dá um total de quatro milhões e 900 mil ouvintes de rádio em Portugal. Os números prometem um futuro positivo e a rádio, mesmo combatendo contra as plataformas de streaming, consegue prevalecer e cada vez mais captar mais audiência. Miguel Midões, na última questão feita, falou sobre o futuro da rádio e a capacidade multimodal da mesma em transformar-se noutras plataformas.
“O futuro da rádio é o futuro (risos). O futuro passa pela rádio, sem dúvida. A rádio está a ganhar ouvintes. É já multiplataforma e vai continuar a ser assim. A rádio vai privilegiar o som, mas vai juntar-lhe a imagem (fixa ou em vídeo). Vai deixar mais de ser a rádio em direto e mais a rádio em podcast, mas não deixa de ser rádio.”
A digitalização radiofónica é constante e vai afetando todos os que estão ligados à mesma, mas isso só irá trazer ainda mais ouvintes para um espaço onde cada vez mais o entretenimento é chave.
Uma coisa é certa, Isabel, Tomás e o resto dos portugueses vão continuar a ouvir de manhã no carro. João Francisco Silva irá continuar a seguir o seu sonho de chegar a uma grande rádio um dia. Miguel Midões, a ensinar e a trazer-nos as histórias que ninguém conhece e, tal como o professor e jornalista diz, a rádio até “pode deixar de ser em FM e ser mais digital, mas continuará a ser a rádio que nos acompanha nos carros, no trabalho, nas corridas…”