Cultura científica para quê?
A ciência está em todo o lado e como poderia ser de outro modo se ela é, justamente, uma roupagem formal da natureza que nos rodeia e da qual fazemos parte? A ciência é, contudo, constantemente aproximativa. O que julgamos válido hoje, pode e será, com certeza, posto em causa amanhã. É, na verdade, um pouco ao contrário. Uma teoria é válida apenas até que se prove que não o é! Assim tem sido nos últimos quatrocentos anos e, diga-se, com franco sucesso. Existem algumas características que é importante conhecer sobre o modo de fazer ciência: o basear-se em dados experimentais reprodutíveis, a capacidade de explicar e prever a natureza, a flexibilidade de se refazer quando confrontada com novos e inexplicáveis fenómenos.
A ciência tem o poder de nos fazer questionar sobre nós mesmos e de nos dar novas perspectivas sobre o que nos rodeia: como podemos nós prescindir disto? Quando ensinamos uma criança a ler, ferramenta essencial na elaboração do ser e da sua relação com o mundo, estamos a fornecer-lhe uma forma de ver o mundo pelos olhos dos outros. Apenas mais tarde, ela perceberá que a escrita lhe permitirá deixar o seu próprio registo. A ciência, pelo contrário ensina a criança a ver o mundo pelos seus próprios olhos. Ensina-a a questionar-se sobre o que vê, a procurar respostas, a lograr obtê-las e a voltar ao início. Infelizmente, esta aprendizagem é, nos dias de hoje, feita demasiado tarde no seu percurso e a visão científica da natureza surge como fruto de uma construção em vez de surgir de forma espontânea. As crianças de tenra idade são naturalmente curiosas e inquisitivas, gostam de perceber como funciona e testar os limites de tudo o que as rodeia. Bastará orientá-las nas suas buscas, introduzir-lhes método e estimulá-las a procurar sempre mais perguntas. É urgente tornar o olhar científico quotidiano!
Não escolher ciência não deveria ser uma opção!. Com certeza que escolher as artes, o desporto, a saúde, a comunicação, a história e filosofia são áreas igualmente interessantes e nobres, mas tal nãopõe de lado a ciência. “Falar de ciência não exclui a poesia” – como diria Hubert Reeves. A nossa capacidade de escolha fundamentada, no dia-a-dia ou nos momentos marcantes da vida, depende da nossa Cultura. E esta, que eu apelido com letra maiúscula, não integra apenas as artes, a história e a filosofia mas também a cultura científica, todas elas são uma e a mesma Cultura. É tão importante saber quantos cantos tem o Lusíadas como a estrutura do átomo, é tão importante reconhecer a esfera armilar no escudo da bandeira nacional como perceber porque tem ela um anel inclinado. A cultura científica questiona o nosso lugar no Mundo, dá-nos uma visão do todo, remete-nos à nossa insignificância e, ao mesmo tempo, coloca-nos no pedestal da complexidade. Saber que o nosso corpo é constituído por mais bactérias do que por células humanas ou que o ferro do nosso sangue teve origem numa estrela que morreu pelo menos há cinco mil milhões de anos, saber que somos feitos de poeira de uma estrela que já desapareceu, são conceitos com profundas consequências na forma como nos olhamos ou observamos aquilo que nos rodeia.
É pois imprescindível incutir, desde cedo, o olhar científico, às novas gerações: a experiência de sujarem as mãos, de perceberem a ciência enquanto a fazem, de saber como é gratificante conseguir algo após muito trabalho, de o mostrarem a outros e de aprenderem a comunicá-lo. Interiorizarem, sobretudo, de como ir mais além, pensar novo, pensar diferente, ousar ser mais e melhor.
Texto: Alexandre Aibéo
Imagem: The Blue Diamond Gallery