Castro Daire: um concelho marcado pela intensa filarmonia
No concelho de Castro Daire moram quatro bandas filarmónicas, o que perfaz uma significativa média de uma banda por cerca de três mil habitantes. A filarmonia tem um papel importante numa região envelhecida e fortemente marcada pela emigração, ao fornecer à população momentos de lazer e de descontração. No meio deste desenlace cultural, a Sociedade Filarmónica de Mões destaca-se por ser uma das sociedades musicais mais antigas do país.
Reportagem de Ricardo Rodrigues
Sendo Portugal um país em que estão intrínsecas a música e a sinfonia, as 720 bandas filarmónicas no ativo – de acordo com os dados da Confederação Musical Portuguesa – representam um número que se assinala por consequente. Apenas depois da Revolução Francesa foram solidificadas aquelas que são hoje conhecidas como sociedades ou bandas, mas a atividade musical é precedente deste evento, e em terras lusitanas não existe uma exceção.
“Desde que os seres humanos começaram as lutas fratricidas, com uso de meios bélicos, eis que a música foi aliada, como meio de incentivar a força, a coragem e, como forma de lazer, lúdica, nos intervalos entre as guerras”, refere Delmar Domingos de Carvalho, escritor e associativista, em texto para o fórum Meloteca. A princípio, o objetivo em Portugal passava também por instruir uma população que procurava fugir à manipulação identitária.
No entanto, com o avançar da extinção do analfabetismo, as bandas deixaram de apenas cumprir uma nobre função social para serem, segundo Delmar Carvalho, “meios dinamizadores culturais com funções socioeconómicas de grande valor que urge saber aproveitar e incentivar”. Com isso, o aumento do número de jovens músicos foi exponencial e, hoje, praticamente todas as sociedades musicais contam com uma escola, que permite preparar o futuro.
Em Mões mora a sexta banda mais antiga do país
Criada quase 50 anos depois da primeira banda filarmónica do país – a Banda de Música de Santiago de Riba-Ul – a Sociedade Filarmónica de Mões (SFM) é a sexta mais antiga de Portugal. Segundo José Manuel Ferreira, ex-presidente e atualmente o mais antigo músico dos quadros da instituição, o surgimento da SFM foi idêntico ao de entidades da mesma área.
“Um grupo de pessoas reuniu, criou a associação e contratou um maestro que ensinou música. Foi necessário adquirir instrumentos e a banda foi para a rua animar as festas religiosas que naquela altura proliferavam”, refere o também coordenador de estabelecimento da Escola Básica de Mões. Ainda que dadas as devidas distâncias para o período temporal da criação, as festividades relacionadas com a religião continuam a ser “o principal mercado da banda”.
Fundada em 1771 e atualmente presidida por Rafael Pinto, a também conhecida de forma carinhosa como “banda de Mões” funcionou sem interrupções até aos inícios do século XX, até que a instabilidade política e a diminuição de participantes viessem desfeitear o trabalho realizado até então. Em 1935 viria a reativar-se até aos dias de hoje, aquando da “elaboração dos estatutos aprovados à época pelo Governador Civil de Viseu”, conta José Manuel Ferreira.
Hoje, a Sociedade Filarmónica de Mões conta com quase meia centena de músicos, número que já foi maior antes da pandemia. A reconciliação entre a população e o lazer rapidamente foi reposta, posteriormente aos confinamentos. “É uma instituição muito reconhecida na freguesia de Mões e no concelho de Castro Daire, sendo que quase todas as crianças passam pela escola de música”, reitera o também professor de Português do terceiro ciclo.
Recentemente, a coletividade musical mudou-se para novas instalações, dando mais condições para os afazeres habituais, tanto para a SFM como para a escola de música. Com atuações em quase todos os cantos do país, na Espanha e na Suíça, a “banda de Mões” sente-se agora muito mais respeitada do que nunca, uma vez que antigamente as bandas eram, de acordo com o mais experiente instrumentista, para quem “bebia muito vinho”.
“Pertencer a uma banda proporciona o desenvolvimento da disciplina e da responsabilidade”
Depois da formação da Sociedade Filarmónica de Mões e da Banda de Música dos Bombeiros Voluntários de Castro Daire, surgiu a Banda Musical Rerizense (BMR), em 1876. Fundada por Valentim Augusto Marques, auxiliado por Rozende de Almeida Lima – financiador, a banda esteve quase sempre em atividade, excetuando alguns anos do século XX. Mais tarde, em 1998, reativaram-se as atividades musicais com a criação de uma escola de música.
Elisabete Figueiredo, clarinetista desde os 9 anos na BMR, considera que “pertencer a uma banda filarmónica proporciona uma oportunidade para o desenvolvimento das habilidades musicais e para a expansão das capacidades cognitivas, sendo uma forma valiosa de fazer parte do meio cultural e artístico”. Para além disso, a música revela ainda que fazer parte de uma banda “fortalece o desenvolvimento da disciplina e da responsabilidade, devido aos ensaios regulares e apresentações”.
O grupo filarmónico dirigido artisticamente por Paulo Martins faz parte de um contexto geográfico em que a filarmonia se estabelece como tema por múltiplas vezes. Em Castro Daire, a tradição musical é forte e as bandas filarmónicas ajudam a que esse paradigma se mantenha sempre atual. “Existe uma competição saudável entre as bandas, o que incentiva à procura pela excelência musical e pela inovação das performances”, acrescenta a instrumentista.
Para uma freguesia como Reriz (em agregado com Gafanhão), com apenas 883 habitantes, segundo dados de 2011, a posse de uma banda filarmónica é assinalável. A antiga vila e sede de concelho, conforme foral de 1514, vê o seu nome “elevado e levado a várias partes do país através da Banda Musical Rerizense, o que é motivo de orgulho para a localidade”, afirma Elisabete Figueiredo.
A magia da novidade
A mais recente “aquisição” castrense a nível filarmónico foi a Associação Cultural Flor do Rio que, após abrir portas em 2017, cresce visivelmente no parâmetro regional. Atualmente, rege-se uma parceria com a Junta de Freguesia de Cavernães, que consiste na presença de uma escola de música na localidade viseense, em que o objetivo é o de uma expansão quantitativa e qualitativa.
Com cerca de quarenta músicos, a banda é dirigida por Gonçalo Almeida desde outubro de 2021. O agora diretor artístico da Banda Flor do Rio iniciou a carreira na Sociedade Filarmónica de Mões, onde percebeu que a música iria ser o caminho mais indicado a seguir. Frequentou escolas profissionais e no Conservatório Dr. José de Azeredo Perdigão, em Viseu, tendo culminado o trajeto curricular com a licenciatura em Música na Universidade de Aveiro, onde conquistou alguns prémios.
Para o maestro do grupo filarmónico correspondente à freguesia de Moledo, cuja sede é local para ensaios, a força da filarmonia está “muito assente no convívio”. “É cada vez mais necessária uma plataforma que nos faça respirar e refugiar daquilo que é o stress do quotidiano, sendo que a música desempenha nitidamente esse papel”, cimenta. A mais nova das bandas castrenses tem, segundo o licenciado em Música, “provas dadas de que não está nada atrás na componente musical em relação aos restantes grupos filarmónicos, apesar da ainda curta existência”.
Simão Rodrigues, ex-músico da Associação Cultural Flor do Rio, conta a sua experiência enquanto instrumentista na instituição. “Andar na banda foi um sentimento especial, uma vez que a oportunidade de representar a freguesia é sempre um enorme orgulho. Foram cinco anos de experiências inesquecíveis, colegas para a vida e momentos para recordar. A arte é imprescindível para a vida e a música é a arte mais bonita que há, e foi com esse sentimento que a passagem acabou e um dia irá retomar”.