Cantar para quem me ouve: imigrantes músicos fora das metrópoles portuguesas
“Eu sinto que têm mais condições para os músicos aqui; em Macau é mais difícil talvez pela vibe social” comenta Chi Long, baterista natural de Macau que há 4 anos vivem em Aveiro. Assim como Chi Long, muitos outros imigrantes vêm a Portugal a tentar a vida como músico, entretanto, a realidade que encontram nem sempre é a mais favorável.
Reportagem de Estela Menin
Nos últimos dez anos a população estrangeira a residir em Portugal cresceu em mais de 60%. De acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), atualmente são cerca de 700 mil estrangeiros com residência em situação de regularidade, dos quais cerca de 265 mil exercem alguma profissão em território nacional. Sem fugir do padrão, a maioria (25,1%) é categorizada como “trabalhadores não qualificados”.
A massa de imigrantes a iniciar uma nova vida em Portugal não poderia ser mais heterogénea, há indivíduos de todas as idades, géneros, origens, composições familiares e profissões possíveis. Entre elas, há músicos e aspirantes que deixaram os seus países para trabalhar com música em Portugal, dando continuidade a uma carreira já existente ou iniciando o seu percurso já em território português.
Enquanto o número de habitantes nas metrópoles portuguesas aumenta, as oportunidades diminuem. Muitos imigrantes enfrentam a mesma realidade de passar a trabalhar em áreas totalmente distintas às suas áreas de formação, sobretudo por falta de oportunidades. Quantos aos músicos, é comum ter que conciliar um trabalho convencional com a carreira artística, que muitas vezes é deixada em segundo plano e tratada como um hobby.
Ainda que esta realidade também exista em grandes escalas em outros países, as dificuldades tendem a atenuar quando o indivíduo tem de inserir-se numa nova sociedade e adaptar a sua maneira de produzir e divulgar o seu conteúdo ao local onde pretende atuar. Assim, viver de música é, no geral, complexo, mas interessa saber qual é a experiência daqueles vão a outra nação como artista, a fim de trabalhar com a música como fonte de renda.
“Tem mais condições para os músicos aqui”
Chi Long tem 34 anos, é baterista e natural de Macau, região autónoma da República Popular da China e antiga colónia de Portugal. Desde 2019 reside em Portugal, em Aveiro e não tem planos de sair da cidade costeira nos próximos anos. “É uma cidade linda e tranquila, ao lado do mar… e eu conheci a minha mulher aqui” conta Long.
A sua mulher, Catarina, é portuguesa e recentemente deu à luz ao primeiro filho do casal, o pequeno Benjamim. Long admite ter considerado mudar com a família para a Póvoa de Varzim, mas a família de Catarina pediu que eles ficassem em Aveiro, e assim foi. Entretanto, o baterista diz aproveitar muito a vida no litoral com a família, então deixou logo de lado a ideia de sair de Aveiro.
Long iniciou a sua carreira musical ainda em Macau, onde tocava numa banda com amigos. O músico conta que começou a se interessar por esta área ainda jovem: “no início eu gostava muito do som da bateria, sempre ouvindo as trilhas sonoras de animes; logo uns amigos aprenderam a tocar guitarra e precisavam de um baterista, então eu fui”.
Em Aveiro, Long decidiu seguir a receita e, em parceria com os seus amigos portugueses, formou a banda de metal COBRA. Formada em 2021, a banda compõe músicas em português, inglês e cantonês, e o baterista considera que a atividade musical é valorizada pelos portugueses, já que há sempre um público para recebê-los nos concertos.
O baterista natural de Macau não tem a música em primeiro plano na sua vida profissional. Além de tocar numa banda, Chi Long trabalha em tempo integral na sua loja online de computadores, onde personaliza as peças e configurações dos computadores de forma especializada. Trabalhando com informática e música ao mesmo tempo, Long considera que Portugal oferece mais condições aos músicos que Macau. “Eu sinto que tem mais condições para os músicos aqui, como os lugares, os preços dos equipamentos, os cachês para os concertos; em Macau é mais difícil talvez pela vibe social”, comenta.
Chi Long admite que nunca sofreu qualquer tipo de discriminação racial ou xenofobia no país, além de reiterar que pretende continuar a vida em Aveiro, pois já tem a sua carreira estruturada aí e está feliz com o que faz. Mas, assume que se tivesse de escolher, viveria no Porto por ser um ambiente mais calmo que Lisboa.
“Em qualquer lugar, fazendo música, tudo fica bom”
68% dos imigrantes estão registados em cidades do litoral como Lisboa, Faro e Setúbal, de acordo com o Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo (RIFA) de 2021, elaborado anualmente pelo SEF. Ainda assim, os últimos anos têm revelado uma nova tendência de fluxo imigratório no país, com cidades como Braga, Beja e Castelo Branco a apresentarem um aumento de mais de 120% da população estrangeira residente. De acordo com os dados fornecidos pelo SEF, cada vez mais os imigrantes têm preferido cidades do interior de Portugal para estabelecer-se, atribuindo as motivações sobretudo pela maior qualidade de vida por preços mais baixos.
Hélder Alexandre, ou simplesmente Hex, é natural de Angola, vive em Viseu há quatro anos e é estudante, mas concilia os estudos com a sua carreira de músico, que ainda está no início.
O artista conta que não tinha planos para viver em Viseu, mas começou os estudos na cidade em 2020, quando ingressou na licenciatura em Comunicação Social, e decidiu ficar. Afirma que não pretende continuar em Viseu após a conclusão da licenciatura, ainda que não tenha um plano concreto para o futuro. “Acho que seria diferente estar em Lisboa ou no Porto, porque é óbvio que oportunidades e coisas desse género há mais do que em Viseu” avalia Hex.
Atualmente, Helder está a terminar a licenciatura, mas trabalha simultaneamente na sua carreira artística, tendo lançado no ano passado o seu último single “Trend”, no qual mistura o português com rimas em inglês.
O artista angolano conta que entrou para o mundo da música por meio de amigos, quando faziam rap na escola para passar o tempo, mas diz que nessa época começou a sentir que tinha uma ligação diferente com a música. Ainda sem planos de seguir a carreira artística nesta época, hoje em dia Hélder Alexandre compõe músicas de estilo rap, pop, R&B, soul, entre outros estilos que o inspirem.
Hex não dedica a sua música a um público específico, por considerar que “faz música para quem gosta de música” e por não gostar de restringir o seu público. Além disso, o artista gosta de pensar que não há diferença em fazer música aqui ou em qualquer outro lugar: “em qualquer lugar, fazendo música, tudo fica positivo, tudo fica bom”.
Dificuldades
São muitos os artistas imigrantes que vêm para Portugal e, sem sucesso na carreira musical, são obrigados a tratar a música como hobby e se sustentar com um trabalho convencional, muitas vezes “não qualificado”.
Muitos dos integrantes do grupo privado “Músicos em Portugal”, no Facebook, espelham isso mesmo. Neste ambiente de discussão, os companheiros de profissão partilham experiências e se ajudam entre si na medida do possível, mas sempre relatando as dificuldades que têm no país.
A grande maioria dos integrantes do grupo estão a viver em Lisboa e no Porto, com poucas exceções a viver, por exemplo, em Leiria.
Em contraponto, Portugal mostra-se cada vez mais aberto ao que os seus imigrantes têm a oferecer, em especial na cultura, seja ela nacional ou internacional.