Covid-19. O maior desafio do Futebol Clube de Oliveira do Hospital foram “os sonhos que “ficaram por concretizar”
Fundado em 1938, o Futebol Clube de Oliveira do Hospital (FCOH), sofreu nos últimos dois anos dificuldades face à pandemia Covid-19, afetando alguns escalões com o cancelamento de jogos da época 2021/2022. Pedro Nuno Pegado, treinador principal dos Juniores e dos Sub-12 (Infantis), revela o que “ainda ninguém estava preparado para enfrentar”, num momento em que “saber gerir e controlar, mas sobretudo saber ultrapassar”, era “o maior desafio” para um desporto que é “muito mais do que apenas futebol”.
Reportagem de Sandy Porto
Treinador há 5 anos, Pedro Nuno Pegado é licenciado em Ciências do Desporto, na Universidade de Coimbra. Atualmente, é treinador principal dos Juniores e dos Sub-12 (Infantis) no FCOH,e estudante de mestrado em Treino Desportivo para crianças e jovens. Teve, anteriormente, oportunidade de treinar os seniores “como papel de adjunto, no campeonato de Portugal”, também no FCOH. Para além disso, responsabilizou-se com outros clubes de panorama nacional, através do “recrutamento e observação de atletas para esses mesmos clubes.”
Ao deparar-se com a notícia de que todo o futebol iria estagnar, o treinador vivenciou “um sentimento distinto” e explica que “a dimensão do medo” era muito maior no início da pandemia do que atualmente. Para além da sensação de “incógnita”, o mesmo atribuiu um sentimento de “dúvida” à situação, através do qual foram surgindo diversas questões. O principal pensamento do profissional e de todos os envolvidos na área focava-se, maioritariamente, na questão do regresso e se “os campeonatos profissionais iriam voltar” e os outros não.
André Freitas tem 23 anos e é jogador sénior no Futebol Clube de Oliveira do Hospital, que representa há 4 anos. Ao encarar esta pausa no mundo futebolístico, o atleta refere que experienciou “um sentimento de tristeza e insegurança” e que após 17 anos como jogador, “nunca tinha acontecido nada deste género”. Até ao momento da decisão final do governo, o lateral esquerdo revela que “o pior acabou por acontecer”, principalmente numa época na qual a equipa ainda tinha muito a percorrer.
Pedro Nuno Pegado refere que nesse momento de pausa, sentiu muita falta daquilo que era o “estímulo do treino, das relações em si” e da sua missão enquanto treinador. Para além disso, o técnico acredita que a desvalorização relativa à Covid-19 foi geral, e que o que acontece no mundo do futebol é “um reflexo da sociedade”.
O medo do contacto próximo e as diversas medidas tomadas
O medo do contacto próximo levou a que fossem tomadas várias medidas, não só nível geral, na sociedade, mas também no mundo do desporto, nomeadamente no futebol. Pedro Nuno Pegado refere que foram tomadas diversas providências para combater a Covid-19, “o treino de futebol, não era bem um treino de futebol”, as atividades eram realizadas à distância, e treinavam por “grupos” nos quais os jogadores tinham “um trabalho muito mais individualizado”.
Para o treinador, este tipo de abordagem afetou, não só a si mesmo, como os jogadores. O esforço era muito mais centrado naquilo que era a “aquisição técnica”, bem como nas capacidades motoras dos atletas. Além de ser “desgastante” para o técnico, é necessário ter em consideração que o mesmo treina um “contexto de formação”, no qual os atletas tiverem muito tempo “sem desenvolver” as suas capacidades físicas. Para alguns jogadores, isso não foi um problema. Jorge Monteiro tem 16 anos e já jogou pelo Seia Futebol Clube e pelo Clube Desportivo de Tondela. Atualmente, encontra-se no Futebol Clube de Oliveira do Hospital, no escalão dos Sub-19, ocupando a posição “número 10, atrás do avançado”.
Treinado por Pedro Nuno Pegado, o “Jorgito”, como é apelidado, refere que não ficou desmotivado com estas abordagens, pois durante o tempo em que esteve “parado em casa”, observou o sucedido como uma oportunidade de “treinar muito” e atingir a sua “melhor versão”. Criou planos de treino e seguiu o projeto “todos os dias”, no qual evoluiu “a níveis musculares e na resistência”, afirmando ainda que quando voltou ao futebol físico, os adversários já não o “derrubavam tão facilmente”. Apesar de toda a dedicação, o atleta explica que por mais que tente “dar tudo em casa”, o ritmo de jogo é sempre diferente, “a intensidade” que a competição transmite é uma “necessidade” para que consigam “evoluir”.
Pedro Nuno Pegado revela que muitas das medidas tomadas contra a Covid-19, apoiavam-se desde a “limitação do uso dos materiais”, ao plano de contingência, no qual saberiam “lidar com alguma situação que surgisse”. Existiam percursos de rotação do espaço, de “entrada e saída”, o escalão que entrasse logo após, não “se cruzava” com o escalão que estivesse a terminar a unidade de treino. O uso de máscara era “obrigatório nas instalações”, com exceção da atividade desportiva.
André Freitas explica que “realmente mudou muita coisa”, o grupo teve de começar a ser divido em dois balneários diferentes e a testagem para a Covid-19 começou a ser feita “todas as semanas”, para que pudessem exercer a atividade de treino e a prática de competição. “Apesar do esforço de todos”, Jorge Monteiro admite que ao longo do tempo, foi “difícil manter e cumprir” todas estas medidas, devido ao cansaço, tanto físico, como psicológico.
Pedro Nuno Pegado revela ainda que apesar das circunstâncias, só o facto de poderem exercer as unidades de treino, já deveria ser considerado uma “vitória”.
A visão do sucedido como um forte desafio
O maior desafio, segundo Pedro Nuno Pegado, foram os sonhos que “ficaram por concretizar”, porém, numa época em que a aprendizagem online disparou, o profissional observou o sucedido como uma oportunidade para “crescimento pessoal”. A auto preparação e a evolução individual são “aspetos imprescindíveis” para um período em que “formação e informação na Internet” está em alta.
Para o técnico, os desafios proporcionam “uma melhor versão de nós”, e refere que se atualmente, os treinadores forem “condicionados dessa forma”, estarão preparados para, no imediato, fornecerem respostas distintas daquelas que foram dadas “há um ou dois anos atrás”.
A escassez de estímulos gerada pela falta de público, foi também, uma das grandes dificuldades de adaptação para os praticantes desta modalidade. Pedro Nuno Pegado relata que de acordo “as evidências científicas”, as equipas que jogam em casa e que têm o apoio dos adeptos, obtêm, por norma, um “melhor resultado”, comparativamente aquando jogam fora do seu estádio. “Deve-se muito a isso”, para o profissional, o conforto que é “ter assistência do outro lado”, gera, consequentemente, “entusiasmo, alegria e vitórias”.
Segundo André Freitas, a “falta de público” nas bancadas foi um aspeto “muito negativo”. Em situações “denominadas normais”, o atleta e a equipa tinham “muito apoio por parte dos adeptos”, e face à situação pandémica, passaram a “ouvir apenas o ruído” daquilo que é a competição. O jogador relata que toda esta carência de apoio, o levou a um “sentimento de tristeza”, bem como a um “grande desafio”. Ter alguém do outro lado “a incentivar” a equipa, nomeadamente “família e amigos”, faz toda a diferença.
Para além destes desafios, André Freitas explica que a subida até à Liga 3, veio trazer “uma adaptação diferente”, tanto a nível da direção do clube, como aos jogadores em si. O patamar profissional no qual o escalão de seniores está inserido, veio trazer oportunidade aos atletas de “demonstrarem o seu valor e talento”, preparando-os para “patamares mais altos”, como é o caso da primeira e segunda Liga, em Portugal.
O lateral esquerdo refere que a “grande adaptação” pela qual a equipa teve de passar, foi sem dúvida, “a escolha do campo” onde iriam exercer as unidades de treino e a prática de competição. A Liga 3, por ser um patamar profissional, “obriga” os clubes a dispor de um campo “com relvado natural”, que não era o caso do FCOH.
Para se conseguirem adaptar à situação, os envolvidos tiveram que “andar com a casa às costas”. De acordo com André Freitas, no período da pré-época, a equipa treinava “em vários campos diferentes”, intercalando entre o campo do FCOH e o “estádio municipal de Tábua”, onde atualmente competem. A deslocação, a “convivência com outras pessoas” e o “stress” foram alguns dos obstáculos que se “juntaram” à própria situação pandémica.
As consequências do impacto da Covid-19
Pedro Nuno Pegado declara que “em conversa com outros colegas”, se apercebeu de uma “percentagem significativa” de desistências nos modalidades coletivas, algumas temporárias e outras definitivas. Do seu ponto de vista, desportos como por exemplo “a natação”, são mais “vantajosos” face à pandemia atual, devido à sua “individualidade”. O ambiente controlado, tal como a “temperatura” da água e o “nível de cloro”, auxiliam significativamente, na “redução de riscos”.
O abandono da modalidade afetou principalmente, “os mais velhos”. Segundo o treinador, foi “surpreendente” perceber que as equipas mais jovens tenham “continuado no futebol”, pois o que “se costuma esperar” nestas situações, é totalmente o oposto. Para o técnico a “proteção por parte dos pais” relativamente aos mais novos, não se agravou com o sucedido, “pelo contrário”, os tutores queriam que os filhos se “mantivessem ativos”, e que continuassem com um estilo de vida “mais saudável”.
No futebol de 11 do FCOH, Pedro Nuno Pegado explica que, foi notório “um abandono significativo”. De acordo com o profissional, a “repentina” falta de interesse pode ter sido influenciada pela “idade”, o que é “normal”, talvez pelo receio ou até mesmo pelo “percurso académico ou profissional” que cada um deles ambiciona, como a entrada na universidade e no mundo de trabalho. Para o treinador, foi um aspeto “curioso”, perceber que os mais velhos acabaram por ter uma taxa de abandono “superior” aos escalões mais jovens.
Para além disso, diversos jogadores desenvolveram a doença Covid-19, como é o caso de André Freitas. A presença de um “surto” na equipa dos seniores foi uma situação “complicada”, não só para ele, mas para todos jogadores. Após ser alvo de “quase todos os sintomas”, o lateral esquerdo refere que prejudicou todo o seu “percurso anterior”. Tudo o que “tinha preparado” durante as quatro semanas de pré-época, foi “anulado” em apenas uma semana e meia de “paragem”.
Apesar de optarem por “treinos via zoom”, o clube percebeu que esta prática não iria “resultar”, e que após esse período, tiveram apenas “duas semanas” para se prepararem novamente para todo o campeonato. André Freitas admite que foi “muito difícil” a recuperação, principalmente nos “primeiros jogos”, visto que toda a equipa partiu “em desvantagem” relativamente aos adversários.
A falta de controlo e a paralela esperança relativamente à situação
O domínio face à Covid-19 no contexto futebolístico é um fator, que segundo Pedro Nuno Pegado, ainda está muito “verde”. O técnico explica que “muito daquilo” que os envolvidos podem fazer, “já está a ser realizado”, poderiam, portanto, “fazer mais”, mas não “fazer muito mais”.
A respeito dos escalões que treina, o profissional defende que deveria existir uma “maior testagem”, bem como melhores condições de trabalho do que as que o clube já possui. Porém, a realidade é que estes são aspetos que não dependem apenas deles, “enquanto grupo”, mas sim de toda uma envolvência, seja “económica” ou a nível de “infraestruturas”.
Pedro Nuno Pegado explica ainda que para uma “academia com cento e tal atletas”, o espaço disponível é muito “limitado”. Como “consequência” desta limitação, está o fator “socio-afetivo” dos jogadores. A “falta de uso” das instalações por parte de alguns atletas pode gerar um “prejuízo” naquilo que são as “experiências de balneário”. São este “tipo de brincadeiras” que poderão afetar os pais, mas que ao mesmo tempo “preparam” e recebem os atletas para a essência futebolística.
Com a noção de que esta situação pandémica irá “durar bastante tempo”, André Freitas explica que todos os envolvidos neste contexto desportivo, terão de “saber lidar com isso”, sem colocar de parte a “vida e o dia-a-dia”. Para além do “desejo” que “tudo isto termine”, o atleta sonha em futuramente “atingir um patamar profissional” como jogador de futebol, mas mesmo que “não o consiga realizar”, já tem em vista, “outros planos”.
Jorge Monteiro reforça ainda que, mais do que a extensão pandémica, problemas como “economia” e “saúde” irão continuar a ser afetados e fortalece o seu pensamento, afirmando que “dificilmente” tudo voltará a fechar, nomeadamente o futebol. O atleta deseja “continuar a ter sucesso desportivo” e que toda esta situação “acabe o mais rápido possível”.