O futebol está acima da lei?
Na passada quarta-feira, dia 8 de dezembro, assistimos a mais um triste episódio de violência gratuita entre adeptos nas horas que antecederam a partida entre Benfica e Dínamo Kiev. Foram detidas 54 pessoas, mas foram todas libertadas no dia seguinte, sendo sujeitas a Termo de Identidade e Residência. O futebol está acima da lei?
Por Kevin Santos
Os episódios vão-se somando. Todos estamos familiarizados com os vários casos de violência entre adeptos (como este), entre claques ou que envolvam adeptos e outros intervenientes. O título deste artigo – ‘O futebol está acima da lei?’ –, contudo, não se refere apenas a estes casos de violência, mas a um nível mais geral. O título não se refere apenas aos adeptos, mas a todos os intervenientes do mundo do futebol.
Não vou resgatar casos muito antigos, porque não é necessário, não há necessidade de massacrar as pessoas com os vários casos que nos vêm à memória quando debatemos este(s) assunto(s). Para percebemos as diferenças entre o mundo do futebol e o mundo dos outros, ‘comuns mortais’, basta recuar algumas semanas. E não, não vou falar do FC Porto e de Pinto da Costa, nem do Benfica e de Luís Filipe Vieira, deixo isso para outra altura.
No dia 27 de novembro, assistimos a um triste episódio no Jamor. A formação do Belenenses SAD apresentou-se em campo apenas com nove jogadores (dois guarda-redes) para defrontar um Benfica na máxima força. Um escândalo, realmente. Seja responsabilidade do Zé, do Manel, do António ou das burocracias, poupem-me, foi uma vergonha. E eu já estou a divagar…
Vamos ao que interessa. Nesse dia, o Belenenses SAD apresentou-se em campo apenas com nove jogadores porque a Covid-19 se infiltrou no balneário e levou grande parte dos jogadores da equipa principal e da equipa de sub-23. Mas então… e aqueles nove jogadores que foram a jogo? Não estiveram, direta ou indiretamente, em contacto com os infetados? O ‘cidadão comum’, por muito menos, tem de cumprir um isolamento de dez dias. Por que raio é que estes futebolistas não?
Um exemplo ainda mais insólito ocorreu no dia seguinte. O Tondela, a contas com um surto de Covid-19, foi a Alvalade sem treinador e sem alguns jogadores. Mas como é que pode um plantel continuar as suas rotinas e viajar até Lisboa para realizar uma partida quando todos os jogadores e equipa técnica estiveram em contacto com infetados? As indicações da Direção Geral de Saúde são claras e, como eu e muitos já experienciámos, quem está em contacto com um caso positivo tem de ficar pelo menos dez dias em casa. Então… o pessoal do futebol é diferente?
Não. Pelo menos não são imunes, quero eu dizer. Porque tudo isto resultou no seguinte. Pedro Trigueira, que havia dado negativo, testa positivo à Covid-19 no dia seguinte e… Tarde demais. Poucos dias depois, o plantel do Tondela entrou em isolamento (o que deveria ter acontecido antes do jogo frente ao Sporting) e Coates, capitão dos leões, também testou positivo à Covid-19 e acabou por falhar o embate com o Benfica (também, considerando o resultado, não fez falta nenhuma, não é?).
Tudo isto (e mais algumas coisas) para transmitir esta sensação que eu tenho de que o futebol está sempre acima de tudo o resto, inclusive da lei. Porque os isolamentos são cumpridos apenas pelos ‘cidadãos comuns’. Porque ser selvagem, vandalizar e agredir não resulta em mais que um Termo de Identidade e Residência. Porque um árbitro ser agredido num túnel é apenas “uma clara intenção de passar a vítima a agressor” (posição do Estrela da Amadora após alegadas agressões ao árbitro da partida frente ao Benfica B).
No fim, quem perde é o verdadeiro adepto do futebol, que não vai levar o seu filho à bola porque tem medo de mergulhar numa qualquer batalha campal. No fim, quem perde é o verdadeiro adepto do futebol, que se sente traído e vai perdendo o interesse por um desporto cada vez mais elitista e absolutamente selvagem. No fim, quem perde é o futebol… o verdadeiro futebol.