Restauração em Viseu: a luta para não perder a essência dos negócios
A minha arte é a gastronomia,
é dessa alquimia que eu transformo o meu mundo
A pandemia da Covid-19 exigiu que o mundo parasse e, consequentemente, o auge económico que se registou em 2019, caiu a pique. O índice de volume de negócios nos serviços, em 2020, diminuiu 15,3% e, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), na área de alojamento, restauração e similares, só no mês de dezembro, caíram 44%.
Reportagem de Raquel Pinheiro
Muitos estabelecimentos tiveram de enfrentar crises e o setor de restauração não ficou de parte. As medidas de segurança implementadas, principalmente durante o confinamento, levaram a que muitos estabelecimentos de restauração vissem o negócio a andar para trás, com o encerrar das suas portas, sendo que a deslocação a espaços fechados era um risco inerente. Para percebermos melhor o sofrimento daqueles que colocam todo o seu amor na sua profissão, caminhámos pelas ruas da cidade de Viseu, para ouvir as experiências de alguns restaurantes afetados pela pandemia.
Os restaurantes “O Hilário”, “I Love Coffe” e “Spresso 37”, são três dos inúmeros restaurantes que sofreram durante e após o confinamento. À conversa com as gerentes e empregados entendemos o quão difícil foi a adaptação às novas regras de segurança, sem tentar perder as essências dos estabelecimentos.
Restaurante “O Hilário”, onde “todos os dias são incertezas”
Fernanda José tem 64 anos e, há 35 anos, abriu o restaurante “O Hilário” com o marido. “Na altura era uma taberna e nós fomos modificando”, conta a gerente do restaurante. Era um espaço que estava malcuidado e que fez com que Fernanda José tivesse “vontade de ir embora”. No entanto, com esforço e dedicação conseguiu, juntamente com o marido, transformar o restaurante em algo pessoal e a seu gosto.
Por estar situado numa área de grande fluxo turístico, o restaurante tem uma variedade de clientes, como é o caso de turistas. Para além disto, podem sempre contar com os clientes habituais. Porém, os novos horários estipulados após o confinamento fizeram com que as pessoas que, de acordo com Fernanda José, estão “mal-acostumadas” a comer muito tarde, substituíssem os restaurantes pelos bares, algo que acabou por impulsionar um grande prejuízo. Segundo a dona do restaurante, em época de pandemia, os hábitos das pessoas dificultam muito a venda de almoços e jantares, por causa do horário de encerramento.
Por ser um restaurante de cariz familiar, Fernanda José trabalha com o filho e uma empregada que, embora não seja parente, “já faz parte da família”. A proprietária admite, ainda, que no passado, quando havia mais clientes, teve duas empregadas, mas rapidamente se foram embora.
Fernanda José refere que têm vários clientes habituais, inclusive ao redor do mundo. “Temos turistas que já conhecem o estabelecimento e que se estiverem pela cidade de Viseu vêm sempre ao meu restaurante”, acrescenta. No entanto, devido a questões pandémicas, até mesmo os clientes diários deixaram de ir. “Muitas pessoas trazem a sua comida de casa, porque a pandemia tornou a vida muito difícil”, assume a proprietária.
A mudança de todo um estilo de vida como o conhecia, tornou o negócio extremamente complicado de gerir. Segundo Fernanda José os dias são muito diferentes. “À noite, somos capazes de estar aqui à espera de clientes, mas acabam por chegar muito tarde e como o restaurante fecha às 22h00 já não vale a pena atender as pessoas”. Muitas vezes os dias são passados “sem servir refeições” e, tal como expressa a proprietária, “todos os dias são incertezas”.
A gerente diz que, pelo facto de o restaurante não ter menus e por não existirem condições para gastar muito dinheiro, as pessoas optam por não ir ao seu restaurante. Fernanda José expõe que ainda não subiu preços no menu, mas está a pensar fazê-lo. “Eu mal abro a porta já tenho pessoas a entregar-me contas para pagar”, revela. Neste segundo confinamento, a insegurança e incerteza do futuro colocaram lágrimas nos olhos da proprietária, que até a data receia com o que poderá acontecer ao seu restaurante.
Restaurante “I Love Coffe”, onde o “sentar à mesa e usufruir” se perdeu
No coração da cidade de Viseu, no Rossio, perto do jardim das Mães, Cláudia Silva fundadora e CEO do restaurante “I Love Coffe” é da opinião de que o que mais se perdeu com a pandemia foi o “carinho físico, as conversas tardias, o convívio entre os próprios clientes” e o “sentar à mesa e usufruir”. O restaurante surgiu “como uma proposta de nome diferente e inovador”. Tudo começou com a base da alimentação saudável, no intuito de oferecer aos seus clientes uma variedade de pratos à base de produtos naturais. A fundadora reforça a importância de fazer com que os “clientes se sintam a comer nas suas casas”.
De modo a enfrentar a pandemia, foram implementadas algumas medidas como a inserção de modalidades através de take-away e entregas. Segundo a gerente do “I Love Coffee”, “foi necessário perceber a nova logística do estabelecimento e adaptar-se”. Cláudia Silva acrescenta ainda que, uma das maiores ajudas ao negócio, foi a iniciativa da Câmara Municipal ao criar a plataforma “Viseu entrega”.
Já no restaurante “Spresso 37”, a história é outra…
Situado perto do Teatro Viriato, o “Spresso 37” foi outro dos estabelecimentos que abriu as suas portas para nos dar a conhecer a sua opinião quanto às mudanças que sentiram desde o ano passado. Vanessa Gouveia, filha da dona do restaurante, trabalha no local há seis anos. Com clientes diários de uma faixa etária variada, Vanessa Gouveia admite que “grande parte das amizades, foram criadas com clientes”. Em concordância com a gerente do “I Love Coffee”, o objetivo sempre foi a criação de um bom ambiente, com foco na alimentação saudável.
Para o “Spresso 37”, o impacto da pandemia foi sentido de forma diferente. Embora tenha existido um declínio de clientes e, consequentemente, uma decadência económica, a realidade é que, quando as portas voltaram a abrir, foram “sempre fazendo algum negócio”, conta a filha da dona do restaurante. As constantes inovações foram cruciais para o bom funcionamento do negócio; “fazer mais doces e salgados caseiros, de forma a não gastar ao comprar a outros sítios e também mais publicidade nas redes sociais”, foram algumas das mudanças efetuadas.
O prejuízo não foi apenas para os negócios, mas também para os clientes. Vanessa Gouveia partilha a mesma opinião que Fernanda José, no que diz respeito ao facto de muitas pessoas terem perdido o hábito de comer fora. “Ganharam novas rotinas com o teletrabalho, muitas ficaram desempregadas e com isso acabam por não gastar como antes da pandemia”, desabafa.
A realidade é que não só os gerentes e empregados de restaurantes, mas também muitos clientes, anseiam que esta época de tristeza passe, mas ainda existe um longo caminho a percorrer para o convívio à mesa num restaurante voltar a ser aquilo que era.