“O termo ‘mulher brasileira’ é tão forte, que muitos esqueceram que nós temos personalidade”
Brasileiras falam sobre as suas experiências como imigrantes, estereótipos, e também sobre o desafio de ser uma ‘mulher brasileira’ no dia a dia, a mostrar que apesar da evolução, ainda existe muita luta pela frente para acabar com a visão da mulher do Brasil.
Reportagem de Fernanda Sant’Ana
A comunidade Brasileira em Portugal é uma das maiores comunidades de imigrantes (senão a maior) e é composta por mulheres em sua maioria. Quando se fala em mulher brasileira, a sua imagem, não apenas em Portugal, mas no mundo, é de mulheres hiper sexualizadas, sensuais e simpáticas.
De acordo com Gilberto Freyre, cientista social brasileiro, a propagação da visão da mulher brasileira vem de há muito tempo, desde o período da colonização, a passar pela literatura portuguesa e também pela segunda fase da ditadura salazarista, onde a construção estereotipada das brasileiras torna-se forte ao ponto dos seus corpos serem tratados como algo “disponível”.
Outros estudos feitos mostram que a construção imagética da mulher brasileira tem conexão também com a “tropicalidade” e os resquícios coloniais.
Os problemas enfrentados pelas mulheres brasileiras imigrantes variam desde assédio em seu local de trabalho e também em locais públicos, até ao momento em que a sua capacidade de exercer a sua função em seu local de trabalho é constantemente questionada. “Eu trabalhava num escritório e um dia tive uma dúvida em determinada papelada, e perguntei a minha colega como preencher. Ela ensinou-me e depois disse ‘estes brasileiros são mesmo muito burros’; eu apenas agradeci e continuei a fazer o meu trabalho“, relata Ana Albuquerque, 39 anos.
Assim como vários outro imigrantes, as mulheres brasileiras também vêm para Portugal em busca de uma melhor qualidade de vida, porém, apesar dos seus esforços, comentários como “vieram cá para roubar os nossos maridos” são frequentes em seu dia a dia.
Monica Ribeiro, 35 anos, natural do Recife, vive atualmente em Lisboa e compartilha um pouco da sua vivência sobre o que é ser uma mulher brasileira em Portugal: “O termo ‘mulher brasileira’ é tão forte, que muitos esqueceram que nós temos personalidade, capacidades, temos uma vida, somos pessoas. Muitas olham para nós e dizem ‘ah, a brasileira’, como se não houvesse mais nada além de ser ‘a brasileira’ “.
Casos de assédio são motivo de pânico
Os problemas que as mulheres brasileiras encaram vão além da sexualização. Durante a jornada de procura de emprego, muitas mulheres do Brasil trabalham em condições precárias, mesmo com a situação regularizada no país.
Os casos de assédio no ambiente de trabalho são motivo de pânico para muitas destas mulheres, que sofrem, quase diariamente, dos seus empregadores e também de seus colegas de profissão. “Trabalho em restauração, e estava a ter mais um dia no trabalho, até que, ao fim do meu expediente, o meu chefe dá um tapa em minha bunda. Fiquei muito constrangida e não soube como reagir no momento, ele percebeu como eu estava e disse ‘ora, és brasileira, pensava que ias gostar’, saí imediatamente do restaurante e pedi demissão no outro dia“, relata a estudante Andrea Ferreira, de 20 anos.
Grande parte das brasileiras que sofrem assédio em ambiente de trabalho têm medo de fazer denúncias, por receio de represálias, especialmente das empresas.
Estereótipos e xenofobia
Há 18 anos, foi feito por mulheres portuguesas um movimento intitulado “Mães de Bragança”, que surgiu como uma maneira de protesto à chegada de mulheres brasileiras que se prostituiam, porém, o movimento vai muito mais além no que se trata a reforçar estereótipos.
Num artigo publicado por Ester Amaral de Paula Minga, a doutorada em ciências da comunicação retrata a estereotipização da mulher brasileira no jornalismo português. O estudo mostra que o movimento “Mães de Bragança” não se tornou apenas um ícone de representações de xenofobia, mas a forma que as notícias foram conduzidas reforçaram ainda mais essa visão deturpada não só sobre as mulheres, mas também sobre o Brasil.
Michelly Almeida, 42 anos, reside no Porto e, ao lembrar do episódio das Mães de Bragança, comenta que a visão sobre as mulheres brasileiras tem “preconceitos baseados em um passado distante, e também machista“. “Nós, mulheres brasileiras, não viemos roubar homens de ninguém, pois temos a nossa própria autonomia e não precisamos disto“, acrescenta.
Mulheres imigrantes brasileiras são vítimas de diferentes tipos de estereótipos e essa visão sobre as mesmas tem uma forte carga histórica, o que torna mais difícil o processo de livrar-se desta visão, visto que no Brasil, a imagem da mulher do Brasil ainda é perpetuada de maneira sensual.
Mas, apesar dos problemas enfrentados, a nova geração contribuiu para a evolução do pensamento e, apesar de todos os problemas, a população portuguesa tem-se mostrado cada vez mais aberta a mudanças. A estudante Aline Vieira, de 23 anos diz que nunca teve “maiores problemas” por ser mulher e brasileira em sua cidade, afirma também que nunca foi “desrespeitada, e sim respeitada” pelos portugueses.
“Brasileiras não se calam”
A comunidade das mulheres brasileiras em Portugal está cada vez mais unida. Com o intuito de ajudar umas às outras e também de partilhar relatos e acontecimentos, a página “Brasileiras não se calam” foi criada nas redes sociais. Os relatos são enviados pelas vítimas e publicados de forma anónima. A conta no Instagram possui mais de 35 mil seguidores, e se tornou uma das maiores ferramentas de denúncia e apoio à vítima.
Além das páginas no instagram e no facebook, o projeto conta com um website, onde estão todas as informações necessárias para as vítimas pedirem ajuda e suporte.
Para além do apoio de suporte das brasileiras entre si, mulheres portuguesas têm prestado apoio as brasileiras vítimas de xenofobia. A estudante Cristiana Gomes, 21 anos, diz: “nós os portugueses, temos de lutar contra o preconceito e a xenofobia. Manter-se na ignorância impede que nós avancemos como país e como sociedade. As mulheres lutam lado à lado, não importa o país de onde vem”.
Associações como a APAV (Associação Portuguesa de apoio à Vítima), APMJ (Associação Portuguesa de Mulheres Juristas pelos Direitos Humanos das Mulheres), e Associação Mulher Migrante, dão assistência a mulheres de todas as nacionalidades.
Para aceder a lista de associações completa, basta carregar no link feminista.pt/organizacoes . Para aceder o site do Brasileiras Não se Calam, poderá entrar na página do instagram de mesmo nome, ou através do link https://brasileirasnaosecalam.com/
Imagem de yabadene belkacem por Pixabay