Covid-19: Como sobrevivem os comerciantes a um segundo confinamento?
A chegada do Novo Coronavírus a Portugal ocorreu a 2 de março de 2020, altura em que foi confirmado o primeiro doente infetado com a doença Covid-19. Também em março, os portugueses viveram uma das alturas mais complicadas das suas vidas, não só a nível psicológico como financeiro, face ao confinamento que os obrigou a fechar os seus negócios. O mesmo voltou a acontecer em janeiro de 2021.
Reportagem de Catarina Relva
Entre a tristeza, o desespero, os “positivos” e os “isolados”, Portugal voltou a entrar em confinamento em janeiro deste ano. Segundo a Direção Geral de Saúde, Portugal atingiu o maior número de pessoas infetadas com covid-19 em janeiro de 2021 com 14647 casos. Cerca de 73,7% da população afetada está recuperada, mas ainda assim há mais de 10 mil óbitos. A crise de saúde espoletou uma crise económica, devido à pandemia que afetou todos os setores.
São muitos os que desde o início do primeiro confinamento, em março de 2020, não voltaram a abrir as portas dos seus negócios, como é o caso de João Lourenço, empresário na área da organização e gestão de eventos. Há 10 meses que a incerteza e a insegurança dominam o seu dia a dia. João Lourenço afirma que o governo não ajudou o tipo de comércio onde trabalhava. “As ajudas dadas foram poucas. Fomos os primeiros a fechar e provavelmente vamos ser os últimos que a abrir”, lamenta, salientando “primeiramente uma preocupação na parte financeira: pagar rendas, os ordenados aos funcionários e contas. Depois também a sanidade mental”, acrescenta o empresário.
O setor da restauração é um dos que mais sofre e protesta, visto que apenas podem estar abertos com serviço takeaway, o que para muitos restaurantes não é viável. Ricardo Pinto, proprietário há 27 anos do Café Snack-Bar – ‘O Emigrante’, no concelho de Castro Daire, viu-se obrigado a fechar portas e não vê o takeaway como uma possibilidade. “Durante a pandemia não tem entrado dinheiro em casa, porque como o meu estabelecimento apenas servia refeições económicas, não se justifica o takeaway”, afirma Ricardo Pinto. O ‘Emigrante’ era alvo de uma grande procura por parte dos clientes, sobretudo dos mais velhos.
“A economia neste momento está péssima, não só para nós, mas também para os nossos clientes. O poder de compra está muito pouco favorável. Tenho clientes que vêm tomar o seu café e perguntam se podem pagar no dia seguinte. É aterrorizante ver pessoas que anteriormente não tinham qualquer tipo de dificuldades a esse nível, estarem a estabelecer prioridades naquilo que compram e estamos a falar de 0.60€”.
Ricardo Pinto, proprietário do Café Snack-Bar O Emigrante
O proprietário do espaço de restauração reclama ajudas do governo, sobretudo para estes negócios que não têm margem de manobra para fazer mais dinheiro. “Não posso simplesmente aumentar um café para 1€”, sublinha Ricardo Pinto.
Manuel Oliveira, gerente de um estabelecimento fotográfico em Castro Daire, coloca os momentos mais especiais da vida das pessoas em fotografia e vídeo. Os casamentos e batizados tiveram de ser adiados e são poucos os que se mantiveram.
As sessões fotográficas foram inferiores a outros anos, mas, ainda assim, o fotógrafo não baixou os braços. “A nossa empresa basicamente é prestadora de serviços, como houve poucos eventos, não há como dar a volta à situação, mas fui vendendo alguns produtos online e entregas por CTT ou transportadoras”, refere. Todavia, nem tudo é mau para Manuel Oliveira, que considera que o poder de compra não reduziu. “O poder de compra se não estiver melhor, estará igual ao que estava antes da pandemia”. O fotógrafo considera, ainda assim, que as ajudas do Governo não deviam ir apenas para as grandes empresas, mas para todas. “Tem de haver dinheiro para as pequenas e médias empresas. A forma de ajudar é não atrasarem os apoios que já deram. Há ainda muito dinheiro para receber por parte das empresas” defende.
Os gabinetes de estética são locais de uma grande procura durante todo o ano, mas também estes locais foram afetados com a pandemia. Ana Paula Ribeiro tem 29 anos e é maquilhadora e esteticista. Abriu o seu negócio em dezembro de 2018 e com a pandemia foi obrigada a fazer alterações nos seus serviços, para garantir a sua segurança e das clientes. Ana Paula Ribeiro teve um número reduzido de clientes no seu salão, pois a técnica que utilizou foi “alargar o tempo entre uma cliente e outra”, lamenta. Ao falar do seu negócio admite que “está fraco, as pessoas têm receio relativamente a pandemia”. A empresária salienta ainda que o negócio pelo qual lutou com esforço talvez não continue de portas abertas se os confinamentos continuarem. “Sinceramente, se tiver de ficar mais do que um mês em casa e a pagar tudo, penso que o negócio não sobreviverá”, refere a maquilhadora, sublinhado que o governo podia ajudar o comércio local “dando algum dinheiro para combater as despesas ou baixando os impostos”.
Anabela Lourenço tem 41 anos e trabalha há três na Pastelaria ‘Central’, em Penalva do Castelo. Mãe solteira e com dois filhos estudantes, sem poder recorrer ao teletrabalho, admite o receio de ficar sem emprego. “Eu trabalho numa pastelaria e quando se fecha uma pastelaria é impossível estar em teletrabalho. Estivemos completamente fechados e, muito honestamente, se já não vendíamos muito, agora ainda vendemos muito menos. As receitas continuam a cair. Muito provavelmente vou ficar sem trabalho” desabafa. O primeiro confinamento trouxe bastantes dificuldades económicas para a funcionária da pastelaria ‘Central’, embora nunca deixando que faltasse comida na mesa, confessa que atravessou um período difícil a nível económico. “Não deixei que os meus dois filhos passassem fome, mas foi muito difícil. Só tenho o meu ordenado para nos sustentarmos e de repente, a covid-19 entra nas nossas vidas e cria um bloqueio.
“Ficámos todos bloqueados, inclusive as nossas contas bancárias”, frisa Anabela Lourenço, realçando o medo que este segundo confinamento lhe causa.
“Está muito difícil e não sei como vai ser a minha vida de hoje para amanhã. A pastelaria esteve quase 3 meses fechada, sem render, mas as contas chegavam na mesma e as despesas tinham de ser pagas. Quando abrimos a diferença foi notória, ninguém apareceu. Havia medo e não havia dinheiro, nem para os clientes nem para nós”.
Anabela Lourenço, funcionária da Pastelaria Central
Apoios e resiliência
Paulo Fernandes, chefe da Divisão das Finanças e Contabilidade da Câmara Municipal de Lamego, acredita que os lamecenses vão ultrapassar o confinamento mantendo os seus negócios ativos. “Constatou-se no comércio local, aquando do primeiro confinamento, uma grande resiliência e adaptação às alterações introduzidas, o que augura um bom sinal para a sua sobrevivência” refere, considerando que a economia dos habitantes de Lamego não sairá afetada. “É claro que se prevê um recuo face ao ano transato, mas considerando que será de curta duração, não colocará em perigo a sustentabilidade económica do concelho” salienta.
A situação delicada que Portugal atravessa, levou a que a Câmara Municipal de Lamego tenha introduzido medidas para apoiar o comércio. Por isso, o município suspendeu o Regulamento Municipal das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada e consequente pausa das respetivas taxas (Parcómetros). Foi também interrompida a aplicação das taxas e cobrança de mensalidades aos comerciantes e arrendatários do Mercado Municipal e aplicadas reduções no consumo de água. No Natal, o município realizou o concurso de montras, onde atribuiu um prémio de participação de 50€, além de prémios para os 3 primeiros classificados (500€ para o 1o, 300€ para o 2o e 100€ para o 3o). “Oferecemos 2160 vouchers em compras no comércio local, no valor de 10€ cada”, acrescenta Paulo Fernandes, apressando-se a revelar que “as medidas não ficam por aqui, pois, foi aprovado pelo município a redução do IMI para 0,365, isenção da derrama das empresas com um volume de negócio abaixo dos 150.000,00 e aplicação de uma taxa de 1,30 às restantes”, realça.
O número de inscritos nos centros de emprego em todo o país aumentou no mês de dezembro e registam-se, atualmente, mais de 400 mil desempregados. Mais de 80% dos 308 concelhos do continente registaram aumentos nos números do desemprego desde o início da pandemia.