“Contas Certas”: O velho choque fiscal do PS

Uma “remodelação em direto” segundo Mariana Mortágua, uma pseudorremodelação que já se vem verificando há algum tempo. Mário Centeno parecia estar de saída do Governo e do Eurogrupo (porque saindo de ministro das finanças, é automática a saída do Eurogrupo). O que se torna evidente agora é que o Mário Centeno que era o “Ronaldo das Finanças” parecia poder sair pela porta grande, mas assim é provável que saia pela porta pequena. Não só pelo tempo e pelo modo, como pelo próprio destino de Mário Centeno, em vez de ser o Fundo Monetário Internacional ou a Comissão Europeia, irá ser provavelmente o Banco de Portugal. E há que juntar aqui também a imagem de todos, todos estavam com Centeno e agora todos lhe apontam o dedo. Era o “todo poderoso” e agora é o elo mais fraco do Governo. Há quem diga que Mário Centeno deixou de ser fulcral para António Costa, e ainda mais profundo, Centeno deixou de ser interessante para o Governo e para a sua popularidade.

Opinião de Jorge Afonso

Ou seja, Costa pretende virar a página e abrir um novo ciclo, mas Mário Centeno não abdica das contas certas, Costa pretende gastar mais dinheiro em prol do bem público, mas Centeno não quer gastar muito dinheiro, Costa quer começar as suas campanhas eleitorais (sobretudo autárquicas de 2021), mas Centeno não está preocupado com isso. O cenário eleitoral de que falo é o mais interessante, pois é aqui que entra Marcelo Rebelo de Sousa(Presidenciais 2021). Mário Centeno podia ser um obstáculo às agendas de Marcelo e Costa. Aqui, o Centeno que não negava uma ida para o FMI ou CE e sobretudo para o Banco de Portugal, fica agora com condições reduzidas para ficar e o que toda a oposição está a fazer é desgastar o próprio executivo.

Indo tecnicamente à questão em causa, o ministro das finanças tomou uma decisão que segundo o mesmo já estava mais do que prevista e de acordo com uma lei de 2019, mas de alguma forma desautorizou o primeiro-ministro que estava à espera do resultado da auditoria ao Novo Banco. Apesar de Centeno não ter estado bem neste teatro, há que dizer que o ministro das finanças e o seu secretário, Mourinho Félix, tem razão do ponto de vista técnico, porque tomou uma decisão que estava prevista e foi aprovada em Conselho de Ministros, com a presença de Costa.

Aliás, estou a falar em teatro porque Costa, Marcelo e Centeno estão todos a desempenhar papéis dos quais não devem sair bem. Desde logo, o primeiro-ministro prometeu uma coisa que não devia ter prometido e no qual se calhar não pensou bem, que esta transferência de mais de 800 milhões de euros para o Novo Banco só podia ser feita depois de realizada uma auditoria que nunca especificou no que consistia, pois todos pensaram que era uma auditoria feita aos atos de gestão da atual e anteriores administrações, às quais se juntaram os créditos concedidos ao Novo Banco ainda nos tempos finais de Ricardo Salgado. Mas esta auditoria foi feita alegadamente a pedido do Presidente da República, através da lei já referida, e que todos os senhores deputados e o senhor Presidente da Assembleia da República a aprovaram, pensando que a mesma impunha uma auditoria e que essa mesma auditoria suspendia a verba no fim. Acontece que é falso, a lei não suspende a verba no final da auditoria. No fundo, os deputados, o Presidente da AR, o primeiro-ministro e o Presidente da República interpretaram mal a lei que aprovaram e que foi promulgada. Aqui há que dizer que Marcelo e Costa juntaram-se convenientemente neste papel “forever best friends” e Mário Centeno devia ter tido e chamado a atenção de Costa que isto ia ser assim, fica a questão: Porque não o fez?

Se calhar já foi tarde, porque a relação está deteriorada. A atitude de Centeno foi prudente, visto que se conseguiu dar continuidade aos projetos ideológicos de Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque de ter as contas do país certas, não os queria estragar por estar muita gente desde a Saúde, à Educação, passando pelas obras públicas a pedir mais dinheiro. Mas sendo assim, provavelmente com uma crise política à porta e saindo Centeno das finanças e Eurogrupo, toda a gente vai estar a olhar para Portugal como um país que está com ruturas no Governo, que não vai cumprir e que não vai saber lidar com uma crise que aí vem, tudo se vá sentir nos juros da dívida.

Quando tudo estava negro, há que tirar o chapéu a António Costa que mais uma vez tirou um coelho da cartola, lançando a candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa a Belém, garantindo assim a sua reeleição(pois tem apoio do PS e PSD, deixou Mário Centeno sozinho e deixou Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos na situação difícil de ter de apoiar o candidato do rival político. Relativamente a Marcelo, juntou-se ao lado que lhe convém visto ter eleições dentro de meses e optando pela estabilidade, só o favorece.

Há que chamar a atenção para o mais curioso nesta história, é que vai haver brevemente uma nova reunião do Infarmed que vai decidir como será a 2ºfase do descofinamento e de todos os entraves que temos tido na nossa vida devido ao COVID-19. E para os portugueses, que lhes foi pedido união e prudência para travar numa batalha, veem os seus líderes de Estado a abrirem a porta a uma crise política, já depois de terem dado maus exemplos relativamente às comemorações do 25 de abril e do 1º de maio.

Termino por recordar que as tensões entre um primeiro-ministro e um ministro das finanças pelo facto de um querer manter as contas equilibradas e outro querer gastar para favorecer o bem comum, não são de agora e são até muito comuns em governos socialistas na nossa democracia. Enquanto que nos governos de direita, a mesma tem a reputação de pôr a economia e as finanças ao mesmo nível das questões sociais, à esquerda existe sempre um conflito entre as duas questões.

Foi célebre o endireitamento das contas portuguesas por parte Ernâni Lopes no início dos anos 80, antes da entrada para a CEE mas através de uma austeridade cujo o prejudicado foi Mário Soares, como memorável foi mais tarde o independente Sousa Franco a querer gastar o mínimo por causa da entrada para a moeda única e que levou Guterres a fazer uma alteração ministerial nas finanças optando antes por Pina Moura, um homem que segundo Franco era “um comunista deslumbrado com o capitalismo” e que deixou Guterres na história como o primeiro-ministro português que mais torrou receita e que foi um dos principais responsáveis pelo descalabro das contas públicas e finalmente o histórico momento em que Teixeira dos Santos no ano de 2011 teve de dizer “chega” a José Sócrates e teve de se pedir ajuda externa pela terceira vez na história para se pôr novamente as finanças nacionais em ordem.

Agora protagonizado por António Costa e Mário Centeno, as “contas certas” são o choque fiscal dos governos do Partido Socialista.

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