“É no interior que se situa o tesouro de qualquer país”
Já passaram 30 anos desde que Anabela visitou pela primeira vez a cidade de Viseu. Proveniente da terra de Aquilino Ribeiro, a sernancelhense apaixonou-se pelas cores verdejantes que pintam a cidade, pelo frenesim da Feira de São Mateus, e pelo famoso viriato.
Por Filipa Jesus
Anabela Melo, visitante de longa data, relembra as entradas luminosas da Feira de São Mateus, e das típicas farturas que rematam a visita à feira. “Sempre foi o evento do ano, todos esperávamos pelo verão para irmos à feira. Era como se fosse uma tradição que ninguém se atrevia a quebrar”. Para Anabela, a cidade de Viseu está a crescer e será um destino turístico a considerar por muitas das pessoas que procuram uma localidade acolhedora no coração do país.
Com mais de 626 anos, a Feira de São Mateus funciona como um isco que atrai turistas de vários pontos do país, e até do estrangeiro. Anabela revela que “a feira não se visita, a feira sente-se e vive-se como uma tradição que nunca deixa de estar na moda. Há o típico caldo verde, as filas intermináveis para o pão com chouriço, a ginja, e claro as farturas”.
O turismo na cidade mostra-se em crescimento. Marcelo Fonseca, viseense de 52 anos, mostra-se positivo perante “os ingleses que invadiram a cidade”. “A verdade é que nestes últimos anos, Viseu renovou a sua relação com os habitantes. Penso que há uma preocupação em agradar aos viseenses e a quem nos visita”.
O viseense considera que os eventos culturais têm promovido os fluxos turísticos, especialmente o Festival Europeu do Folclore de 2018, que arrastou grupos folclóricos de vários países até centro de Portugal. “É positivo para a cidade, é bom que os turistas não estejam concentrados em Lisboa ou no Porto, e que procurem regiões como a nossa, que têm tanto para oferecer”.
“É a minha cidade, a melhor cidade para se viver, porque não será a melhor para se visitar?”
E não é só Marcelo que considera que Viseu é a melhor cidade para se viver. A cidade de Viriato já foi premiada com o título de melhor cidade para se viver, nos anos de 2007 e 2012.
De acordo com o estudo da DECO, Viseu é uma das cidades com melhor qualidade de vida. O estudo destaca os espaços verdes, as estradas e a existência de vias próprias para a circulação de bicicletas.
Virgínia Santos, proveniente da capital, confessa que a cidade de Viseu consegue combinar o campo e a cidade. “Faz 9 anos no mês de julho, que visitei pela primeira vez Viseu. Era uma visita curta, que se tornou definitiva. Já são 7 anos a viver cá.”
A lisboeta admite que prefere os ares viseenses à euforia típica da capital. “É uma cidade acolhedora, percebo o porquê da procura turística, mas sei que não é para todos os gostos”.
“Sei que as grandes cidades têm sempre maior destaque, no entanto, hoje em dia as pessoas estão fartas do ambiente típico urbano, e o turismo no interior é uma opção”. No entanto, a recente viseense reconhece que “Viseu acaba por ser o centro do nosso país, e merece ser conhecido como tal, é uma cidade linda e que tem muito para oferecer”.
“Mais do que um evento, é Viseu representado num prato”
Muitas vezes, é na gastronomia que os turistas encontram o amor pela região Centro. O vinho do Dão e o Rancho à Moda de Viseu formam uma combinação única. A Rota do Rancho presenteia turistas e viseenses com a degustação do prato típico completada por uma prova de vinhos. O que distingue a Rota do Rancho é a participação do Regimento de Infantaria 14.
Segundo o Comandante Coronel Luís Calmeiro, “é um evento gastronómico de promoção da região de Viseu, mais precisamente do Rancho à Moda de Viseu”. “Resulta de uma parceria entre a Câmara Municipal de Viseu (CMV), a Associação Comercial do Distrito de Viseu, num projeto mais vasto de dinamização e promoção do centro histórico da cidade, onde grande parte dos restaurantes aderentes à Rota do Rancho têm os seus espaços”.
Os visitantes têm a oportunidade de provar os vários pratos de Rancho à Moda de Viseu, “porque embora o prato seja o mesmo, depende das mãos de quem o faz”.
Em termos históricos, consta que o Rancho teve origem na altura das invasões francesas, na batalha do Buçaco, em que o comandante ordenou ao cozinheiro que aproveitasse todos os alimentos que estivessem disponíveis no depósito de géneros. Daí nasceu o prato que hoje se conhece como Rancho. De acordo com o Comandante Coronel Luís Calmeiro, o Regimento do Infantaria 14 é conhecido como o Regimento da Lata Cheia, visto que os militares se alimentavam de uma lata, onde se colocava a sopa e o rancho.
Cozer o grão de bico, estufar as carnes temperadas no dia anterior, um bom refogado com cebola, chouriço, tomate e alho, cortar as batatas aos cubos, e a cenoura às rodelas são apenas alguns dos passos para preparar um bom rancho à Moda de Viseu. Para o Primeiro-Sargento, “é um prato que dá para todos os gostos, sobretudo no inverno”, capaz de encher a alma de qualquer visitante.
Apesar da receita simples, nem todos conseguem alcançar o verdadeiro sabor do rancho. O Primeiro-Sargento António Cruz confessa que o segredo do prato são as mãos de D. Angélica, cozinheira do regimento há 46 anos. Para ela, o ingrediente chave são os cominhos, que dão um gosto inigualável ao rancho.
Carlos Neves, viseense de 47 anos, recorda o rancho da sua avó materna. “Sempre tentei estar presente na Rota do Rancho, também porque a minha família é muito tradicional. Mais do que um evento, é Viseu representado num prato”. Para o viseense, o que atrai turistas a Viseu não são os museus e jardins, mas sim a gastronomia da região. “É sempre conveniente visitar locais turísticos, mas o que completa qualquer viagem a Viseu é uma boa feijoada ou um bom rancho”.
O comandante Coronel Luís Calmeiro avança que este ano, irá realizar-se outra edição da Rota do Rancho, até porque o Regimento já assegurou a sua participação.
Muitos são os restaurantes viseenses que escolhem o rancho como um prato indispensável a ter no menu. A Mesa d’Alegria não é exceção.
Margarida Cardoso, proprietária do espaço, avança que o restaurante irá fazer atualizações na carta e que no próximo inverno irá integrar o Rancho à Moda de Viseu, de forma a que o cliente tenha sempre disponível um prato tradicional e típico da região.
O restaurante Mesa d’Alegria abriu portas em 2016, e o seu conceito recai sobre a comida tradicional portuguesa. Segundo Margarida Cardoso, “o nosso espaço tem sempre muita procura da parte de turistas, especialmente na hora de almoço. A nossa localização e o tipo de comida que servimos, permite-nos uma fácil aproximação com o turista”.
Na parte da noite, o menu da Mesa d’Alegria estende-se. Petiscos tradicionais portugueses são servidos, “permitindo que turistas e clientes degustem vários paladares”.
De acordo com a proprietária do espaço, o prato obrigatório numa passagem pelo restaurante é a Alheira em Cama de Broa de Vildemoinhos. “O turista aceita muito bem a nossa sugestão, e a Alheira em Cama de Broa de Vildemoinhos é um dos pratos que acaba por atrair muita atenção turística”.
Alegria é a palavra escolhida para descrever o restaurante. “Como o próprio nome do restaurante indica, penso que as pessoas quando chegam aqui têm uma certa expectativa, e o nosso objetivo é sempre superá-la, quer seja através da degustação de pratos típicos, mas também para tornar esta experiência única, e que se recordem de Viseu com um sorriso”.
“Uma tarde inteira, nas barcas da Ribeira do Pavia”
O Museu de História da Cidade, o Museu Almeida Moreira, a Casa da Ribeira, o Museu Nacional Grão Vasco, o Museu Tesouro da Sé, o Museu do Quartzo e o Museu de Linho de Várzea de Calde são alguns dos pontos turísticos de Viseu, que absorvem grande parte do turismo viseense.
A Casa da Ribeira fornece a oportunidade de reviver as tradições passadas. O espaço está dividido entre as memórias da Ribeira e a sala dos artesãos. As flores dos namorados de Fragosela, a tecelagem, a olaria, a cestaria, bordados de Tibaldinho são alguns dos produtos artesanais que estão à disposição do turista.
O bordado de Tibaldinho, com origem no século XIX, é um produto artesanal certificado, e constitui uma parte relevante do património cultural e imaterial de Portugal. Para além disso, é um símbolo de identidade cultural do concelho de Mangualde, mais propriamente da Freguesia de Alcafache.
A renda de bilros, apesar de ser típica de zonas piscatórias, também marca presença na Casa da Ribeira.
Ana Moreira, viseense de 46 anos, considera que para além do Museu Nacional Grão Vasco, a Casa da Ribeira é um dos espaços mais apelativos no centro de Viseu. Para além de permitir uma viagem ao passado da ribeira do Pavia, “é o universo do artesanato regional”.
“Como viseense, acho que temos um bom património artesanal. Costumo frequentar alguns dos workshops e exposições que a Casa da Ribeira disponibiliza, e reparo sempre que há muitas pessoas a procurarem saber mais sobre as artes passadas, neste caso, da tecelagem e olaria”. Ana Moreira, confessa que a vista para o Pavia é um ponto a favor em relação a outros museus na cidade.
Para além do artesanato, a Casa da Ribeira dispõe de uma exposição totalmente direcionada para o trajar da região. Diz-me o que vestes, dir-te-ei quem és, é a frase que marca a exibição, que reúne diversas peças de vestuário do século XIX, de todas as classes sociais.
A última sala contempla o herói de Viseu, Viriato. A exposição, A Lenda de Viriato, de John Gallo dá cor à vida de do ícone lusitano, em linha cronológica desde o seu nascimento até à sua morte, o dia em que foi traído pelos seus companheiros. Trata-se de uma produção que envolveu mais de duas dezenas, desde figurantes até à produção fotográfica. A exposição comtempla a Serra da Estrela e São Pedro do Sul, no distrito de Viseu.
Muitos são os turistas que visitam o espaço da Casa da Ribeira. O seu encanto faz reviver o passado do Pavia, o artesanato da época, e a oportunidade de viajar no tempo até ao mundo lusitano.
Já no próximo dia 15 de junho, a Casa da Ribeira irá ser palco de uma oficina “O Artesão ensina”, com a presença do oleiro Sérgio Amaral.
Viseu, a cidade-jardim, que muitos conhecem como a melhor cidade para viver e até para se visitar, começa a afirmar a sua identidade cultural como uma região rica em tradições. Com uma panóplia de pontos turísticos à disposição, o turismo está cada vez mais evidente na cidade de Viriato. Anabela Melo, acredita que Viseu tem potencial para se fixar como uma região obrigatória a visitar em Portugal, “compreendo que seja uma cidade no interior, mas como em tudo, é no interior que se situa o tesouro de qualquer país”.