“O que eu queria era por Pindo na linha da frente. Foi isso que aconteceu”
Alberto Gonçalves, 66 anos de vida, quase 30 anos como presidente da Junta de Freguesia de Pindo, Penalva do Castelo. Nascido numa casa humilde, onde o dinheiro era escasso, viu-se obrigado a viajar até à capital em busca de melhores oportunidades. Fez a tropa, e não viajou para África por fruto de um acidente. Depois do 25 de Abril regressou à terra natal. Aí começou um negócio próprio e ingressou a vida política com tenra idade. Chegou o poder na década de 80’, e aí se manteve até 2017. Esta é a história do presidente Alberto Gonçalves.
Onde nasceu e como foi a sua infância?
Alberto Gonçalves Nasci em Pindo de Cima e, em pequeno, frequentei a escola até à terceira classe e fazia brincadeiras que hoje em dia já não se fazem. Divertíamo-nos de maneiras simples, com bolas de futebol improvisadas, e os jogos clássicos que os meninos de hoje estão a esquecer.
Passou por dificuldades enquanto jovem?
AG Tínhamos algumas, tinha de ajudar os meus pais na agricultura, pois na altura vivia na nossa pequena casa cinco irmãos meus juntamente com a minha mãe e o meu pai. Daí iniciei a minha vida de trabalho nas terras e, já com os meus catorze anos, arranquei para Lisboa para ir ter com o meu irmão Serafim. Tenho uma história muito grande a partir daí, foi a primeira vez que vi um comboio. Subi em Mangualde e desembarquei na estação de Braço de Prata, em Lisboa, onde me encontrei com o meu irmão, que estava a minha espera.
Foi em Lisboa que teve o seu primeiro trabalho remunerado?
AG Sim, comecei nas obras. Foi em miúdo que tive um encarregado muito bom, chamado Sr. Gonçalves, que me proporcionou a aprender a arte da construção, ou como se diz pedreiro. Aprendi facilmente a arte. Isto com os meus catorze anos.
Foi difícil ficar longe da família com tão tenra idade?
AG Pois, em miúdo as saudades eram muitas, mas de vez em quando lá vínhamos à terra passar alguns dias. A altura mais difícil era à noite, onde sentia falta do carinho dos meus pais e dos meus irmãos.
Qual foi a reação dos seus pais acerca da mudança para a capital?
AG Reagiram bastante bem. A minha mãe sempre mais emocional, com muita saudade, mas compreendeu que era algo que era para o meu bem, para me tornar alguém na vida. Atendendo às dificuldades que tínhamos, pois não havia condições para continuar os estudos. Com o meu pai foi diferente, pois ele já tinha passado algumas vezes por Lisboa, e como estava com o meu irmão mais velho, isso descansava-lhe o coração.
Quanto tempo esteve em Lisboa a trabalhar?
AG Estive cerca de 3 anos e pouco. Depois voltei para cima já com a arte aprendida, e tive um convite para trabalhar na Pestrafil, na fábrica de papel situada em Povolide, perto de Viseu. Onde me deram melhores condições de trabalho e onde estive até assentar praça, até ir para a tropa.
Casou com que idade?
AG Casei com 18 anos. Apesar de me considerar ainda um miúdo, já era homem por ter trabalho e grandes responsabilidades. É diferente de hoje, na altura com 18 anos já se tornava adulto, era assim a vida. Fui habituado a trabalhar de novo e pronto, os tempos eram outros. Tornávamo-nos adultos mais cedo.
Com que idade teve o primeiro filho?
AG Tinha 19 anos quando tive o meu primeiro filho, o Alberto. Depois passados 14 meses tive o segundo, o Luís. Só depois, passados 6 anos é que tive o terceiro, o Rui, e parou por aí.
Como foi ir para a tropa?
AG Bem, eu assentei praça com um braço ao peito, fruto de um acidente, pois já nessa altura gostava muito de futebol e quando me deslocava para Mangualde de motorizada fui atropelado por um automóvel. Assentei no quartel 14 aqui em Viseu, cheguei à enfermaria e passados 3 dias mandaram-me para Coimbra para o hospital militar. Passei lá uma semana e enviaram-me para o hospital da Estrela em Lisboa. Mais tarde veio o anexo na rua Artilharia 1 em Campolide.
Chegou a ir para a guerra do Ultramar?
AG Não cheguei a ir por causa dessa minha situação. Só passado 8 meses, já com o 25 de Abril quase à porta, a dia 10 de abril de 1974 vim-me embora por ter sido submetido a uma junta médica.
Com a tropa “acabada”, voltou para cima e começou a sua empresa. Teve influência de alguém ou foi por iniciativa própria?
AG Tenho uma empresa de construção civil, que comecei em 1977. Foi tudo por iniciativa própria. Comecei com uma pequena empresa sozinho, e fui adquirindo empregados ao longo dos anos. Cheguei a ter 18 empregados e fui fazendo trabalhos de construção por todo o distrito de Viseu.
Ajudou muita gente conhecida conseguindo-lhes oportunidades de emprego…
AG Muita gente se formou comigo, muita gente aprendeu esta arte comigo, mesmo dentro da própria família. Com falta de outras oportunidades tive de me chegar à frente, tanto para familiares, como para outros empregados. O que me orgulha muito é todos eles estarem bem de vida e, apesar de alguns terem sido obrigados a emigrar, todos se safaram. E não fui só eu a ajudá-los, eles também me ajudaram a tornar-me a pessoa que sou hoje, aprendi. Aprendi muito sobre o que é a vida. Quando temos muitas pessoas a dependerem de nós, sentimos essa responsabilidade, e percebemos o que é ser um homem.
Falando agora de política, como começou o seu envolvimento neste ramo?
AG Desde muito novo. Em 1976 foram as primeiras eleições livres e fui convidado a ingressar a lista do PPD-PSD e eu, como sempre gostei de desafios, aceitei. Era ainda muito jovem e fiz logo parte da assembleia de freguesia. Passados três anos, pois os mandatos eram dessa duração, em 1979, formámos uma lista e nessa altura voltámos a ganhar e fui tesoureiro da mesma força política, tendo feito três mandatos de tesoureiro. A partir dali, assumi eu a liderança da Junta de Freguesia de Pindo, da qual fui presidente até 2017.
Recorda-se do seu primeiro mandato como presidente? Como sentiu com tamanha responsabilidade?
AG Senti-me realizado. Porque já tinha alguma experiência do ofício e, com muita aprendizagem, não foi difícil assumir a liderança. Sempre gostei daquilo que fazia. Sempre foi fácil relacionar-me com o meu povo, com os fregueses de Pindo. E com muito orgulho sempre servi tudo e todos. Ainda hoje, já reformado, já no descanso, sou muito bem-recebido por toda a gente e tentam-me convencer para voltar ao cargo.
Como era a relação com as pessoas?
AG Costuma-se dizer que Deus não agrada a todos. Sempre me dei muito bem com toda a gente. Não tenho nada a dizer de ninguém, o que me dá muito orgulho. Ainda hoje as pessoas me dizem para voltar. As pessoas relacionavam-se mais nas festas, no nosso São Martinho de Pindo, onde todos se juntam e abraçam uma tradição que eu espero que se prolongue por muitos anos.
Mudou alguma coisa hoje em relação há 30 anos atrás?
AG Os tempos eram diferentes, mas a humildade manteve-se. Hoje com a evolução dos tempos é diferente. As pessoas têm outras ocupações, outros cargos, e há alguns anos atrás as pessoas eram mais próximas umas das outras.
Como era a relação com a Câmara Municipal de Penalva do Castelo?
AG Sempre foi razoável. Houve momentos menos bons, mas sempre conseguimos estar em harmonia para o bem da população de Pindo. O último mandato não foi assim tão bom, mas… não há muito a dizer. Superámos os nossos atritos, pondo sempre os interesses das pessoas de qualquer conflito que pudesse haver.
Alguma vez considerou candidatar-se a Presidente da Câmara?
AG Nunca passou pelos meus objetivos. Fui, sim, convidado por um elenco da câmara, mas eu, gostando muito da minha terra natal, que é Pindo, nunca quis. Gostava muito daquilo que fazia e, mesmo sabendo que teria outros benefícios, fazendo parte da vereação da câmara, entendi que Pindo estava sempre em primeiro. Nunca foi meu objetivo. Não procurava grandes vencimentos. O que eu queria era por Pindo na linha da frente. Foi isso que aconteceu e que muito me orgulha.
Pôs de parte a vida política por alguma razão específica?
AG Terminei por opção própria, por problemas familiares. Senti que não tinha condições emocionais para continuar o projeto.
Incentivou os seus filhos a envolverem-se na política?
AG Não fui eu a incentivar. Dois deles envolveram-se, mas talvez para copiarem o pai, digamos assim, para seguir as minhas passadas. O do meio, o Luís, chegou a ser vereador da Câmara de Penalva e assessor. O mais velho nunca fez parte de algo muito grande, mas chegou a pertencer à comissão da Juventude do PSD.
Também faz parte da Adega Cooperativa de Penalva do Castelo. Como começou esse envolvimento?
AG Na adega comecei há 18 anos, quando me convidaram para fazer parte. Numa lista proposta pelo José de Frias Clemente. A partir dali chamaram-me, aceitei e fui secretário durante um mandato e depois tesoureiro até hoje.
A sua vida profissional alguma vez o levou para fora do país?
AG Já fui a feiras internacionais, passando por Milão ouEspanha várias vezes. Já estive em França também e cheguei a fazer uma grande viagem ao Brasil.
Fez “inimigos” por causa da vida política?
AG Penso que não tenho inimigos. Alguns opositores, mas no fundo sempre tive boa relação com eles. Nem familiares se opuseram. Sempre me ajudaram, nunca se envolvendo a ponto de me atropelarem.
Tem algum arrependimento passados estes anos todos?
AG Não, sinto-me realizado. Aquilo que pretendia fazer, desde calçadas ao desenvolvimento de Pindo, árvores plantadas inicialmente por mim que hoje dão sombras, ruas todas pavimentadas. E deixámos uma grande obra, um pavilhão com cerca de 1000 metros quadrados, com tudo… cozinha, balneários tudo o que é preciso para servir a população. Uma obra que custou à volta de 400 mil euros.
Qual é o seu maior defeito?
AG Não sei dizer qual. Mas um defeito de mim próprio é por sempre as outras pessoas à minha frente. Portanto nunca olhar só para mim, olhar mais pela minha gente. Sinto-me bem com este defeito. Talvez tivesse uma vida melhor se olhasse mais para mim, mas assim sinto-me mais rico.
Pensa em recandidatar-se ao cargo de Presidente da Junta de Freguesia de Pindo?
AG É uma pergunta difícil. Mas não está posto de parte. Pois eu costumo dizer, nunca digas nunca. Pode vir a acontecer ou não. Para já não fecho a porta, ainda faltam 3 anos e tal e depois logo veremos.
Texto: Luís Pina