“Um mero acaso que me fez descobrir a minha vocação”

Márcia Gonçalves tem 25 anos e é jornalista na Porto Canal. Apesar de ter sido por um mero acaso, estudou Comunicação Social na Escola Superior de Educação de Viseu (ESEV) entre 2010 e 2013. Durante o curso passou por Salamanca, onde participou no programa Erasmus, e considera que todos os alunos deveriam passar por essa experiência. Foi durante essa parte da sua vida que percebeu o que realmente queria seguir, levando-a enveredar pelo jornalismo televisivo. Realizou o estágio curricular na Porto Canal e mais tarde, depois de ter feito também um estágio na SIC, abriu a delegação da Porto Canal em Viseu e sente que foi um sonho tornado realidade. Mas durante a sua vida académica nem tudo correu como planeado, a morte do pai traçou a seu caminho não só como pessoa, mas também como jornalista.

 

Márcia Goncalves durante um direto de Carnaval na Porto Canal

 

Sempre quiseste seguir Comunicação Social? De onde veio esse interesse?

Márcia Gonçalves Não, quando terminei o curso queria seguir Investigação Forense, para quem sabe depois conseguir entrar para a Polícia Judiciária. Mas na altura o curso que me interessava era em Lisboa e não quis sair de Viseu. Como a minha escolha era ficar em Viseu, foi uma questão de aleatoriamente escolher os cursos que existiam no Instituto Politécnico e colocá-los nas opções da candidatura ao Ensino Superior. Comunicação Social ficou em primeiro lugar por mero acaso. Um mero acaso que me fez descobrir a minha vocação. Foi o destino.

 

Quais os pontos positivos e negativos que tiras do curso?

MG Na minha altura acho que o curso era demasiado teórico e fazia-nos perder parte do interesse, até porque queríamos era aulas práticas e perceber a “magia” do jornalismo. Mas houve muitos aspetos positivos, muitos professores, com qualidade, que sabem como ensinar e como cativar a nossa atenção. Mas a melhor parte do meu curso foi sem dúvida o semestre em Salamanca, quando participei do Programa Erasmus.

 

Durante o curso fizeste Erasmus em Salamanca, o que essa experiência te trouxe de positivo, não só como pessoa, mas também como jornalista?

MG A experiência Erasmus ajudou-me a ser o que sou hoje e, principalmente, a saber o que queria fazer para o resto da vida. É uma forma de conhecer muitas pessoas de muitas nacionalidades diferentes, de perceber as diferenças entre o ensino em Portugal e no estrangeiro, de ver “outro mundo”, de ver o mundo e a vida real com outros olhos e de evoluir como pessoa e como estudante também. O meu plano curricular em Espanha era mais direcionado para as temáticas do cinema e da televisão e foi aí que tive a certeza que era em Televisão que iria querer trabalhar quando acabasse o curso, ou pelo menos tentar esse caminho.

 

Na tua opinião, Erasmus é uma experiência que todos os alunos deveriam ter?

MG Sim, acho que todos os alunos que tenham essa oportunidade devem entrar no programa e embarcar na “aventura” Erasmus. Consigo, pelo menos tento, perceber a opinião daqueles que não consideram que valha a pena entrar no programa, mas irão mudar rapidamente de opinião se se inscrevessem e conseguissem ir estudar para fora de Portugal. Erasmus muda-nos, faz-nos crescer.

 

Fizeste o estágio curricular no Porto Canal. Consideras que os estágios no final do curso de Comunicação Social são uma mais valia para o futuro profissional dos estudantes? Porque?

MG Uma das mais-valias no plano curricular da nossa licenciatura na Escola Superior de Educação de Viseu (ESEV) é precisamente a oportunidade de realizar um estágio curricular. Até porque, só se aprende realmente a trabalhar em jornalismo se acompanharmos o dia-a-dia de uma redação, por exemplo. As aulas dão-nos a teoria e alguma parte da prática, mas é na “vida real” que se aprende realmente. E é também uma forma de percebermos a nossa vocação e aquilo que realmente queremos fazer. Podemos achar que é em televisão que se quer trabalhar e chegar a uma redação e perceber que não é nada disso que gostamos ou gostaríamos de fazer, por exemplo. Os estágios são também importantes porque nos ajudam a tomar decisões para o futuro profissional.

 

 Márcia é jornalista da Porto Canal

 

Quais os obstáculos que sentiste logo depois de acabares o curso?

MG No meu caso não posso dizer que tive obstáculos, as coisas não correram como planeado porque a vida deu uma grande volta com a morte do meu pai e isso mudou o rumo de tudo. Podia dar-me por felizarda, estava a ter muita sorte até tudo ter mudado.

 

Consideras que tirar um mestrado depois da licenciatura é uma coisa indispensável, visto que tiraste um mestrado na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra? Porquê?

MG Não é algo indispensável. Tirei o mestrado porque na altura estava um pouco “perdida” e ainda a tentar organizar ideias após o falecimento do meu pai. Acho que é bom, caso se queira estudar mais e tentar aprender algo diferente. No meu caso, o mestrado foi muito positivo porque me permitiu estagiar na SIC e isso sim foi uma grande mais-valia.

 

Estagiaste na SIC, um dos grandes media de Portugal, o que podes tirar dessa experiência?

MG Tanta coisa. Aprendi muito e com jornalistas muito bons, grandes profissionais. Fiz amizades que provavelmente vão manter-se por muitos e bons anos, cresci ainda mais como pessoa e acabei também por evoluir como estagiária e futura jornalista. Todas as experiências, de uma maneira ou de outra, contribuem para o nosso futuro e para a nossa vida. Só posso estar grata por tudo o que os colaboradores da redação da SIC no Porto me ensinaram e me ajudaram. Os estágios são, sem dúvida, uma das melhores formas de aprendizagem.

 

Como te sentiste quando a Porto Canal te convidou para abrir a delegação em Viseu?

MG Foi a melhor coisa que me podia ter acontecido. Voltar para o Porto Canal era um dos desejos e “sonhos” para o futuro. Poder voltar para o Canal e ainda por cima ficar na minha cidade e no meu distrito, foi uma dádiva. O sonho tornado realidade. Chorei várias vezes de alegria pela oportunidade que me estavam a dar, pelo significado que tinha, e tem, ter voltado a fazer parte da família Porto Canal e luto todos os dias por não desiludir quem confiou e acreditou em mim.  Depois de tudo o que já tinha perdido pelo caminho, agora represento o meu canal na minha cidade. Tenho muito orgulho na delegação de Viseu, na “minha” delegação e em tudo o que já conquistei (juntamente com os dois repórteres de imagem que trabalham comigo) desde setembro de 2016.

 

O que podes contar sobre esta tua experiência?

MG Foi e é todos os dias um desafio constante, mas o desafio mais feliz e mais enriquecedor da minha vida. Começar uma delegação do zero não é fácil, não temos a “papinha” toda feita.  Temos de nos mexer, desenrascar e por vezes conseguir fazer “milagres” com as poucas informações que temos. Trabalhar numa delegação, fora da sede, torna-nos mais rijos, mais fortes e acho que até mesmo com uma capacidade diferente para enfrentar todo o tipo de situações e acontecimentos. Nem sempre temos horários certo, nem sempre conseguimos idealizar como vai acabar o dia ou a que horas acaba. Mas tudo isso faz-nos crescer todos os dias e evoluir muito. Tudo isso vale a pena.

 

Houve algum momento em que pensaste desistir desta carreira?

MG Sim, depois da morte do meu pai desisti completamente do jornalismo. O meu pai acompanhou a 1000% o meu estágio no Porto Canal (a minha mãe e irmã também, mas o pai era diferente) esteve presente, mesmo a vários quilómetros, em cada pequeno passo e em cada reportagem. Quando o perdi, perdi o meu apoio. Foi mais fácil desistir de tudo do que continuar sem ele. Mas não consegui estar muito tempo longe. Daí o mestrado na Universidade de Coimbra. Não ter desistido totalmente e voltar a tentar acaba por ser também uma homenagem ao meu pai.

 

Como é o dia a dia de um jornalista?

MG Todos os dias são diferentes, não é possível descrever como é o dia-a-dia porque nunca é igual. Tudo depende do que acontece, dos temas da atualidade, das reportagens que estão agendadas. É sempre muito diversificado. Acho que nunca há dois dias iguais em jornalismo, no mínimo há dois semelhantes, mas nunca iguais.

 

Nos dias da fuga do Pedro Dias fizeste a cobertura dos acontecimentos. Para ti foi o momento mais tenso que viveste ao longo da tua carreira como jornalista? O que sentiste nessa circunstância?

MG Até hoje foi o momento mais assustador. Foi a primeira vez que o tema da reportagem era um homicídio, aliás mais do que um. E foi complicado conseguir gerir o lado emocional e o lado profissional porque foi um choque, chegar ao local e depararmo-nos com todo aquele cenário horrível. Acompanhar aquele dia e os que se seguiram enquanto o Pedro Dias esteve em fuga não foi nada fácil. Foi a primeira vez que enfrentei uma situação daquelas, nem sabia muito bem o que fazer ou como gerir todas as informações que nos iam chegando. Tive a sorte de ter colegas, bons colegas, que me ajudaram e me orientaram.

 

Márcia durante uma entrevista a Diogo Infante

 

Qual o momento mais caricato ou mais engraçado que tiveste enquanto jornalista?

MG Incêndio em São Pedro do Sul no ano passado. Estava a meio de um direto quando o helicóptero da Força Aérea aterrou mesmo ao meu lado. Fiquei com cara de pânico enquanto tentava continuar a falar e a relatar o que estava a acontecer. Foi sem dúvida o momento mais caricato. Na altura não teve muita piada porque fiquei sem saber o que fazer, até porque a aterragem levantou muito pó e a pessoa que eu ia entrevistar também ficou assustada, mas agora já me consigo rir da situação.

 

Quais as coberturas/notícias/acontecimentos que te deram mais gosto de fazer?

MG Pergunta difícil, mas de resposta com teor muito especial. No início de junho fui a enviada especial do Porto Canal ao Parlamento Europeu em Estrasburgo. Fui acompanhar o Evento Europeu da Juventude e profissionalmente foi uma experiência incrível, foi a primeira vez que viajei para fora de Portugal a representar o canal e, ainda por cima, para um evento no Parlamento Europeu. Foi um grande desafio tanto para mim como o repórter de imagem que me acompanhou e deu muito gosto de fazer aquelas reportagens fora da “zona de conforto”. foi um marco no meu percurso como jornalista e como jornalista do Porto Canal.

Mas não me posso ficar por essa reportagem apenas. Ao fim de quase dois anos, há muitas outras reportagens que me marcaram e que me deram um gozo especial em fazer. Em maio deste ano acompanhei um grupo de cerca de 60 peregrinos de Tondela que foi a Fátima a pé e estar lado a lado com o esforço, a dedicação e por vezes o sofrimento deles marcou-me bastante. Às vezes o difícil até foi não tornar as reportagens demasiado sentimentalistas e a interação com o grupo foi muito boa e foi ainda melhor a forma como eles nos acolheram. Mas lá está, são apenas dois exemplos em dezenas que podia dar. Todas as reportagens são diferentes, todas têm algo de novo, todas nos ensinam algo ou pelo menos despertam a nossa tenção para temas que podem ser ou não da atualidade.

 

Quais os pontos negativos e positivos da carreira de jornalista?

MG Esta é a pergunta mais difícil de toda a entrevista. A verdade é que não sei o que responder. Talvez, neste momento, o ponto mais negativo seja a falta de emprego na área para quem está agora a terminar os cursos. Na minha experiência profissional, acho que ainda não posso apontar pontos ou aspetos negativos à profissão. Quanto aos pontos positivos, a carreira de jornalista permite-nos conhecer muita coisa, muitas pessoas, viver muitas experiências.

 

Quais os teus objetivos para o futuro? Pretendes ir para outro meio de comunicação social?

MG Não gosto de pensar no futuro. Nem consigo imaginar onde estarei daqui a um ano ou dois. Primeiro, porque a vida é muito imprevisível e segundo, porque o próprio mundo do jornalismo não é propriamente estável.  Todos estamos sujeitos a ser despedidos ou a receber propostas melhores e só nessa altura devemos e temos de avaliar todas a situação, todos os prós e contras. Mudar de meio de comunicação social não está nos planos a curto prazo. Para já, hoje, quero estar aqui em Viseu com o Porto Canal. Amanhã…amanhã logo se vê.

 

Vias-te a fazer outra coisa senão ser jornalista?

MG Não me via a fazer mais nada. Ser jornalista faz-me ser feliz e sentir realizada.

 

Quais os conselhos que darias aos futuros jornalistas?

MG Não desistam à primeira dificuldade. Trabalhem com qualidade, esforcem-se, dediquem-se à profissão. Com empenho, dedicação e responsabilidade abrem-se portas para o futuro. As oportunidades aparecem a quem luta por elas. Por isso não desistam.

 

Texto: Ana Beatriz Almeida

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