O Bullying escreve-se com medo e solidão
Nuno Polónio da Costa Figueiredo, um rapaz de 18 anos, conta-nos a sua história e relata os episódios de bullying, que aconteceram quando tinha 13 anos. Nuno recorda os períodos em que viveu com medo e diz que a solidão era o sentimento que prevalecia. Maria de Fátima Costa, a mãe, conta também aquela que foi uma das fases mais difíceis da sua vida.
Nuno Figueiredo
Muitas pessoas pensam que o bullying desencadeia apenas dor física, mas essa ideia está errada. Segundo a psicóloga Anabela Carvalho, para além dos problemas físicos, ainda existem os problemas mais graves, que quase ninguém consegue ver, ou seja, os problemas psicológicos que a vítima sofre e vai continuar a sofrer, até que decida procurar ajuda.
Nuno, vítima de bullying, diz que em termos sociais nunca foi muito de se dar com pessoas. “Gosto de estar no meu canto a fazer as minhas coisas, por isso nunca fui, nem sou, muito social”, explica. Para além disso, o rapaz nasceu com algo que o distingue da maior parte dos jovens da sua idade: um problema que afetou os dedos e que faz com que não tenha alguns deles. Para Nuno, essa foi a principal razão para que os outros o olhassem de lado e não se quisessem relacionar consigo. “Na altura tinha noção de que as outras crianças não queriam estar comigo por eu ser assim, mas não percebia o porquê de me tratarem mal. Hoje tenho 18 anos e vejo as coisas de maneira diferente. Para mim as crianças são um ser muito cruel, porque não têm medo de dizer e mostrar aquilo que sentem, mesmo que isso magoe os outros. E muitas das vezes isso já vem de casa”, considera o jovem.
Nuno recorda que, ao longo dos anos, as coisas começaram a agravar-se: “um grupo de rapazes da minha escola começou a vir ter comigo a fingiam que queriam ser meus amigos. Na altura não percebi e até fiquei contente”.
Nuno pensava que finalmente era um rapaz normal, até ao ponto em que começou a aperceber-se que não era bem assim. “Um dia eles estavam a jogar futebol e tinham-se esquecido das mochilas ao pé das mesas de ping pong, pois era lá que nós as deixávamos sempre, e eu não quis ir lá buscá-las , porque não eram minhas e eu não era empregado de ninguém. Pelo facto de me ter recusado a ir buscar as mochilas os quatro rapazes começaram e tratar-me mal, chamando-me de nomes, dizendo que iriam deixar de ser meus amigos, e até que eu não prestava para nada. Foi aí que comecei a aperceber-me que eles só me estavam a usar e que não eram realmente meus amigos”.
Nuno Costa, com 14 anos de idade
Nuno Figueiredo explica que foi a partir desse momento que tudo começou. “A partir daí a minha vida mudou e, desde esse dia, nunca mais fui a mesma pessoa. Primeiro as agressões começaram por ser a nível psicológico e, durante meses e meses, praticamente todos os dias eles me insultavam, passavam e riam-se de mim ou tratavam-me mal, em grande parte por ter este problema”, recorda.
A mãe da vítima, Maria Costa, nunca soube de nada, até porque o seu filho escondia isso de toda a gente e ela nunca se apercebeu. “Sim, eu sempre escondi toda esta situação da minha mãe, e também nunca contei a nenhum professor, algo de que até hoje me arrependo, pois penso que se tivesse feito alguma coisa nessa altura as coisas não tinham chegado onde chegaram”, lamenta Nuno.
Após um ano de abusos psicológicos, Nuno diz ter sentido um alívio grande quando chegou ao último dia de aulas. “Senti a segurança que não senti durante praticamente um ano inteiro”, conta.
Nuno pensava e tentava meter na cabeça que durante os três meses de férias o grupo se ia esquecer e não o ia chatear mais, mas isso não aconteceu. “Lembro-me, como se fosse hoje, daquilo que senti no primeiro dia de aulas. O medo e a angústia eram tão grandes que nem sei como explicar. Aquilo que eu imaginei nas férias não passou de imaginação, pois logo na primeira vez que me viram, eu recuei no tempo e comeceu a viver outra vez aquilo que vivi durante um ano inteiro”.
Nuno acrescenta: “as coisas agravaram-se no dia em que eu já não aguentava mais e decidi enfrentá-los”.
Coragem e desespero
Esta atitude de coragem ou de desespero, que nem o próprio consegue descrever, provocou aquilo que ele temia que acontecesse desde o início: “eu sabia perfeitamente que era vítima de bullying e, cada dia que passava, eu rezava para que eles não passassem para a violência física”, mas foi precisamente isso que aconteceu.
Nos meses seguintes, Nuno lembra que o medo de ir para a escola era tão grande que só queria ficar em casa e nunca mais sair de lá. “Eu tinha de ir para a escola, não queria que a minha mãe soubesse porque tinha vergonha de lhe contar”, conta o jovem.
Nuno relata que havia semanas que os agressores não faziam nada além de lhe darem “cachaços”, mas havia outras semanas em que as coisas eram muito piores. “Havia semanas em que eles me davam pontapés, deitavam-me ao chão, humilhavam-me perante os outros colegas”, recorda.
Apesar das desculpas que inventava para a mãe sempre que aparecia em casa com nódoas negras, Maria Costa começou a desconfiar e a achar que não era normal andar sempre marcado. “Não era uma ou duas vezes que ele me aparecia em casa com nódoas negras no corpo e comecei a estranhar, até que fui à escola falar com os professores e eles diziam que não se apercebiam se se passava alguma coisa”, afirma a progenitora.
Maria Costa, mãe de Nuno
Como os professores não sabiam de nada e o filho não contava a verdade, a mãe de Nuno nada podia fazer. “Eu sabia que se passava alguma coisa, mas não tinha como saber. O Nuno não me contava nada, os professores também não e, por mais que eu quisesse, naquela altura eu não conseguia fazer nada”.
À medida que os dias passavam, Maria percebia que o seu filho estava cada vez pior. “Eu via que ele estava cada vez pior, porque ele chegava a casa e ia sempre direto para o quarto. Não falava com ninguém, e a única vez que eu o via era à hora do jantar, mas não falava nada, nada mesmo, coisa que antes nunca acontecia”, relata.
Já cansada de ver o filho naquele estado, Maria decidiu agir: “primeiro confrontei-o e tentei obrigá-lo a dizer o que se passava, mas como sempre não me disse nada. Então, decidi ir à escola falar com a diretora de turma dele e alertá-la de que se passava alguma coisa”.
Foi graças e esta atitude que a mãe de Nuno acabou por descobrir que o filho era vítima de bullying. “Quando descobri fiquei em choque, de rastos, por saber que durante meses e meses o meu filho sofria e eu não me apercebi de nada mais cedo”, lamenta.
Maria Costa acabou por confrontar o filho, dizendo que já sabia o que se passava e que o iria ajudar a resolver o problema. “Ele, nesse instante, começou a chorar como eu nunca o tinha visto”. A mãe regressou à escola, falou com a diretora de turma, para que a docente contactasse os pais dos agressores, que acabaram por ser castigados.
Apesar de tudo, os pais de Nuno acabaram por mostrar alguma condescendência relativamente aos agressores. “Os pais dos miúdos vieram falar connosco pessoalmente e desculparam-se imensas vezes, e pediram também para que aquela situação não saísse dali. Garantiram-nos também que os filhos não voltariam a meter-se com o meu filho e nós acabámos por chegar a um consenso. A verdade é que eles nunca mais voltaram a fazer-lhe nada”, esclarece Maria Costa.
Rúben Lopes, amigo de infância de Nuno, diz que sempre soube do que se passava, mas que não fazia nada porque Nuno não deixava que ele se envolvesse. “Ele contava-me tudo. Acho que eu era a única pessoa com quem ele falava”, recorda.
“Como andávamos na mesma escola, eu cheguei a presenciar atos de violência, tanto física como psicológica. Nessas ocasiões, eu gostava de poder ter feito alguma coisa, mas eles eram mais que nós e o medo conseguia vencer a coragem”, lamenta o jovem.
Rúben de uma maneira ou de outra queria ajudar o amigo, mas este nunca deixou: “eu dizia-lhe que ia contar aos professores ou à diretora de turma, mas ele nunca me deixava, fazia-me até prometer que eu não contava a ninguém, e como era meu amigo eu só fazia o que ele me pedia”.
“Queria sentir-me integrado”
Um dos agressores, que pediu para que a sua identidade não fosse revelada, mostra arrependimento e vergonha por aquilo que fez quando era mais jovem. “Naquela altura só me queria divertir e nunca pensei que o estivesse a magoar daquela maneira. Se alguma vez lhe bati? Sim, bati. Mas admito que só o fiz para não ser o «ranhoso» do meu grupo, pois queria sentir-me integrado e então fazia o que eles faziam”, relata.
Depois disto, Nuno começou a ir a consultas de psicologia, que frequentou durante cerca de 2 anos.
Anabela Carvalho, psicóloga na escola onde tudo aconteceu, diz que isto é muito comum em idades mais jovens: “estes casos são muitos comuns, sobretudo entre as crianças do primeiro ciclo e do segundo, e muitos deles fazem isto só para se integrarem no grupo, tal como acontece neste caso”.
Anabela Carvalho, psicóloga
Segundo a psicóloga, “para que haja bullying é necessário que o agressor percecione a vítima como sendo o mais forte, psicologicamente e fisicamente, porque se isso não acontecer já não se pode considerar bullying, mas sim conflito entre pares Agora fez-me a mim, depois faço-lhe a ele”, concretiza a técnica.
No caso de Nuno era bem explicito que ele se sentia como a parte mais fraca. “Eles eram vários, eu era só um. O que é que eu podia fazer?”, acrescenta o jovem.
9% de vítimas em Viseu
“O Bullying é mais raro que o conflito de pares. Segundo um estudo que estou a fazer juntamente com alguns colegas, existe uma percentagem de 9% das crianças e jovens que se sentem vítimas de bullying aqui em Viseu, sendo esta prática é mais frequente no primeiro ciclo”, afirma Anabela Carvalho.
Segundo Anabela Carvalho, “este tipo de comportamentos pode surgir de casa, porque as crianças tendem a imitar aquilo que observam. Mau ambiente em casa e falta de atenção são muitas vezes as causas para este tipo de comportamento.”
Para evitar que as crianças tenham este tipo de comportamentos “cabe aos pais ensinar os filhos a arranjarem estratégias de resolução de problemas, pois muitas vezes as crianças não sabem resolvê-los e passam imediatamente para a agressão”, salienta a psicóloga.
Nuno Figueiredo remata: “não desejo a ninguém que passe por aquilo que passei, e se há alguma coisa de que me arrependo até hoje foi não ter pedido ajuda quando tudo isto começou, porque se o tivesse feito se calhar isto não tinha chegado onde chegou”.
Texto: Alexandre Ferreira