Sussurros invisíveis: uma experiência sensorial no Museu Aristides de Sousa Mendes
Ao entrarmos na Casa do Passal de Aristides de Sousa Mendes, atual Museu Aristides de Sousa Mendes, somos imediatamente arrebatados por um convite invisível para abandonar o presente e nos rendermos ao tempo. O cheiro a verniz e a tinta fresca permeia o ar, como se a própria história estivesse em processo de renovação, de se reescrever sobre as cicatrizes de um passado ainda dolorosamente presente.
Por: Bruno Reis
O som do chão a ranger ecoa nos nossos ouvidos, cada passo aproxima-nos lenta e inevitavelmente de um espaço que transcende o físico — um espaço onde o silêncio é preenchido pela memória dos que viveram à beira do desespero. O murmúrio de vozes distantes, por vezes interrompido, confunde-se com as batidas do coração, criando uma sinfonia de emoções invisíveis que pairam no ar. Aqui, somos levados numa jornada sem tempo, onde a tristeza e a esperança dançam uma valsa amarga e doce. Sem precisar de ver, somos compelidos a sentir — a sentir o peso de decisões impossíveis, de vidas salvas e perdidas, de um mundo em colapso onde a coragem de poucos foi a última linha de defesa contra o medo de muitos. O Museu não é apenas um edifício, é uma passagem para um passado que respira, que nos toca profundamente, e que nos faz lembrar que a história, muitas vezes, é escrita no silêncio de momentos cruciais.
Dentro das quatro paredes do Museu, existem sentimentos que não se sentem, vivem-se. Palavras que não foram ditas, gritos que não foram dados, beijos que ficaram a pairar no ar, amores por declarar, tudo permeia por nós, pelas paredes, pelos sons, pelos cheiros, pela compaixão de uma pessoa que sacrificou tudo por outros.
Em algumas salas, sentimos os ecos de finais felizes, ouvimos a história de Aristides contadas pelas vozes daqueles que foram salvos. Sentimo-lo com eles. Noutras salas, as palavras tornam-se pesadas, carregadas por histórias tristes de separação, de perda. Sentimos nas nossas mãos o peso das declarações de sobreviventes, através de telefones pendurados, que somos impelidos a atender, para os ouvir e nos transportar diretamente às suas experiências. Esse cenário contrasta com a vida turbulenta e áspera daqueles que sobreviveram aos horrores.
A música presente em algumas partes do Museu é usada como mediador entre a esperança dada por Aristides e o desespero sentido pelos refugiados. As batidas das músicas soavam como esperançosos corações, que batiam na esperança de viver uma vida melhor. A Casa, o Museu, na sua totalidade, é uma carta de amor deixada por Aristides. Podemos, sem tocar, sentir o peso dos vistos passados por este diplomata, que, contra as ordens de Salazar, salvou a vida de outros a custo da sua. A voz do guia, que nos acompanha na visita, ecoa pelas salas quase como um sussurro do passado, um sussurro sobre a vida de Aristides.
Ao percorrermos as salas e os corredores do Museu somos lembrados de histórias que não se viveram apenas em livros ou documentos antigos, mas na pele daqueles que sobreviveram e nas decisões tomadas que escolheram compaixão e humanidade acima de ordens impiedosas. Cada passo dado, cada som ouvido, cada sentimento sentido leva-nos a algo maior, a um legado que ultrapassa o tempo.
Aristides de Sousa Mendes foi mais do que um diplomata que desafiou as ordens dos seus superiores, foi a personificação de esperança na vida de algumas pessoas. As suas ações, ainda que na época não tivessem sido reconhecidas, tornaram-se um eco de compaixão ao longos dos anos.