Nem é carne nem é peixe
Nos últimos tempos a expressão plant based tem estado por todo o lado. Desde anúncios publicitários, supermercados com secções dedicadas a este tipo de alimentação, artigos, livros de receitas, etc. Mas no final de contas, será esta uma moda dos mais novos, ou os hábitos alimentares estão realmente a mudar e esta é uma mudança sem retorno?
Por Tatiana Gonçalves
Um estudo lançado em novembro de 2021, “The green revolution 2021”, pela consultora Lantern mostra que a população portuguesa está a reduzir o seu consumo de carne e que já conta com mais de 1 milhão de pessoas que seguem uma alimentação de base vegetal, inserindo-se aqui vegetarianos, veganos e flexitarianos. Mas antes de mais, vamos começar por esclarecer estes conceitos que confundem tanta gente.
Vegetarianismo vs veganismo
Quando se fala de vegetarianismo, existe uma série de confusões sobre se estes apenas deixam de consumir carne e peixe, se comem ovos, se bebem leite de vaca, se comem queijos, etc. Contrariamente ao que muitas vezes é dito, uma alimentação vegetariana é exclusivamente de origem vegetal, excluindo assim produtos de origem animal e os seus derivados, como o leite, ovo, mel e queijo. Dentro do termo vegetarianismo existem ainda várias subcategorias, nomeadamente os ovo-lacto-vegetarianos, que consomem ovos, leite e mel; os só ovo-vegetarianos, que comem ovos e mel; os lacto-vegetarianos que bebem leite e consomem mel, entre outros, que podem também consumir peixe.
Por outro lado, quando se fala de veganismo é preciso reter que este vai para além da alimentação e é considerado um estilo de vida. Uma pessoa vegan, exclui produtos de origem animal não só da sua alimentação, como também do vestuário, cosméticos, medicamentos, e todos e quaisquer produtos que tenham algum tipo de origem animal ou que utilizem animais para a produção ou testagem de determinados produtos. Cada vez mais existem opções cruelty free, ou seja, livres de crueldade animal onde nenhum animal sofreu para que aquele produto fosse para o mercado.
Flexitarianismo
Há quem ironize e diga que é ser vegetariano em part-time e na verdade não está totalmente errado. O flexitarianismo consiste em ter uma alimentação onde existe uma redução do consumo de carne e de peixe. Segundo aqueles que praticam esta dieta, a principal vantagem que é várias vezes apontada é o facto de esta ser “prática” e com vários benefícios para a saúde, devido à diminuição do consumo de produtos de origem animal.
Mas o que leva as pessoas a mudarem a sua alimentação?
“À primeira vista pode parecer irresponsável o que vou dizer, mas foi um documentário que vi na Netflix que me levou a dar o clique”, conta Guilherme Duarte. O jovem de 21 anos, já segue uma alimentação vegetariana restrita há mais de 10 meses e admite que esta é uma “decisão sem retorno”. “Seaspiracy”, é este o nome do documentário disponível na plataforma da Netflix que levou a esta mudança na vida de Guilherme.
“Acho que todos nós, uns mais outros menos, temos uma pequena noção de como a indústria da carne funciona, mas quando conheci o outro lado por detrás de uma “simples” lata de atum, percebi que tinha de mudar. Foi uma questão de consciência.”
A partir desse momento começou a pesquisar mais sobre qual seria a melhor forma de realizar essa transição. “Para mim, o mais difícil foi o facto de estar tão enraizado na nossa cultura que um prato precisa sempre do arroz ou da batata, com um bife ou um peixe ao lado, que torna-se um desafio desmistificar a nossa própria mente para de certo modo esquecermos essa imagem”, confessa.
Hoje em dia, a hora da refeição já não é um momento de stress, mas Guilherme Duarte admite que no inicio foi difícil.
“Não foi por não gostar do que estava a comer ou por ficar com fome. Mas sim pelas pessoas à volta, pelos comentários. As pessoas que comem produtos de origem animal nunca se questionam se estão a ingerir os nutrientes suficientes em cada refeição que realizam. Mas por eu ser vegetariano já têm essa preocupação, e no inicio admito, era revoltante.”, assume o jovem.
Para Guilherme Duarte, a mudança na alimentação foi apenas o inicio daquilo que se transformou num despertar para várias questões. Desde ambientais, à saúde e ao bem estar dos animais. “Ganhei uma consciencialização que não tinha antes. Perceber que não são apenas os cães que têm sentimentos e sofrem, mas todos aqueles animais que sujeitamos a sofrimento para nosso usufruto”, conta.
Mas se por um lado temos cada vez mais jovens a seguir este tipo de alimentação, existem também aqueles que já não são novatos. É o caso de Cristóvão Alves, de 44 anos, e de Fernanda Guimarães de 46 anos. Estão casados há 24 anos e foi no carnaval de 2008 que tiveram contacto com comidas vegetarianas, a religião foi a grande motivação para esta transformação.
“Tanto eu como a minha esposa, tornamo-nos cristãos, acreditamos que Deus criou o ser humano e a única ementa principal que Deus instituiu a Adão e Eva no jardim do Éden, foi vegetariana”, começa por contar Cristóvão Alves. “Só podiam comer frutas, legumes, verduras e nada de carnes nem peixe. Hoje está comprovado que para além de ser a solução do criador, a comida vegetariana é também a opção mais saudável”, acrescenta.
A transição foi feita de forma gradual, inicialmente deixaram algumas carnes e mariscos e foi a 25 de junho de 2013, dia de São João que comeram pela última vez sardinhas e desde aí não voltaram a consumir nem carne nem peixe.
Tal como Guilherme Duarte também Cristóvão Alves e Fernanda Guimarães falam da dificuldade por parte das pessoas aceitarem e não fazerem juízos de valor. “Nós tínhamos vários convívios com amigos e desde que nos tornamos vegetarianos fomos postos um pouco à parte, porque as pessoas acham-nos esquisitas a comer”, conta Fernanda Guimarães. “Às vezes vamos a um restaurante e as pessoas ficam a olhar para nós e perguntam se queremos uma salada ou uma omelete, mas repare as pessoas não comem só carne nem peixe, comem muito mais para além disso”, acrescenta Cristóvão Alves.
A filha do casal, Érica Alves, tem 20 anos e apesar de não ser vegetariana o seu consumo de carne e de peixe é bastante reduzido. Os pais nunca a obrigaram a seguir o vegetarianismo, mas sempre a aconselharam para o fazer, respeitando sempre a sua opinião.
“Eu estando na universidade, quando cozinho
para mim é fácil cozinhar refeições vegetarianas, mas ainda não quis assumir esse compromisso a 100% porque quando quero jantar fora ou ir a casa de alguém torna-se sempre mais complicado. Mas deixa-me muito feliz que os meus pais me tentem passar estes valores respeitando sempre a minha decisão”, conta a jovem Érica Alves.
No meio de todas as dificuldades e das opiniões das pessoas de fora Fernanda Guimarães confessa que quando recebe alguém na sua casa aproveita sempre para lhes dar a experimentar algumas iguarias da cozinha vegetariana.
“Quando recebemos amigos ou familiares não vegetarianos aqui em casa, lá no meio meto também uma comida vegetariana que é para que eles saibam que não é assim tão difícil, nem somos nenhuns bichos de sete cabeças para comer nem para conviver”.
Os números
Em Portugal, as aves são os animais mais sacrificados para consumo humano. De acordo com os dados da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), em 2018, foram abatidos quase 257 milhões de mamíferos e aves, cerca de 25 vezes a população de Portugal. Por segundo, são abatidas 30 galinhas. 45 mil é o número de mamíferos abatidos para consumo humano e muitos deles ainda em inicio de vida. Por minuto, morrem 36 porcos e 10 leitões.
Portugal é também o terceiro país mundial que mais consome peixe, levando a que muitas vezes a pesca exceda as quotas recomendadas e várias espécies sejam frequentemente ameaçadas.
Mas o que comem os vegetarianos?
A resposta é fácil: tudo menos carne, peixe e derivados de animais. Cada vez mais é possível encontrar pratos tradicionais em versão vegetariana, sendo o tofu, a seitan ou as leguminosas o centro das atenções. Tal como se diz que o segredo está na massa, para os vegetarianos o segredo está no tempero.
Nas grandes cadeias de supermercados e de fast food é cada vez mais fácil encontrar alternativas vegetais para que ninguém fique de fora. Pelas cidades portuguesas, as opções vão também surgindo, desde pastelaria a pratos principais.
Será este o futuro?
O vegetarianismo tem vindo a crescer e isso mostra a crescente preocupação seja com os animais, o planeta e a saúde. Para facilitar a transição existem várias páginas e canais nas redes sociais com ideias de receitas para o dia-a-dia, ou para ocasiões especiais.
A Associação Vegetariana Portuguesa e a Direção Geral da Saúde apelam ao aumento do consumo de produtos de origem vegetal. Para quem precisa de dicas, o Desafio Vegetariano acompanha diariamente durante 15 dias e gratuitamente através do envio de email, com dicas, estudos, receitas, de modo a facilitar aqueles que querem realizar a transição.
Foto de Vegan Liftz no Pexels