Fecham-se as cortinas, abrem-se portas de esperança

O mundo atravessa um momento preocupante, que se vem prolongando desde novembro de 2019, quando surge o primeiro caso de coronavírus em Wuhan, na República Popular da China. Portugal não é exceção e desde março de 2020 que o país parou e interrompeu de certa forma a vida dos portugueses ao entrar em quarentena para prevenir o contágio do vírus e proteger a vida de milhões de pessoas.

Reportagem de Juliana Santos

Portugal é um país rico em cultura nas mais variadas áreas, que se veem agora interrompidas pela pandemia que o mundo inteiro está a enfrentar. A cultura é dos setores mais afetados por esta situação, que está a deixar milhares de pessoas sem ter o que comer ou até mesmo sem um teto para viver.

A taxa de desemprego em Portugal disparou com o aparecimento da Covid-19, sendo que em março de 2020 situava-se nos 6,2% e em novembro já estava nos 7,2% representando desta forma o valor mais alto desde agosto de 2018. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, o valor começou a aumentar em julho de 2020, após o desconfinamento.

A maior parte de eventos programados foram cancelados ou adiados, centenas de portas de salas de teatro e cinema foram obrigadas a fechar, os museus e instituições culturais já não recebem qualquer tipo de visitas, as festas de verão da aldeia já não acontecem e não permitem que os familiares que já não se veem desde o verão passado se reúnam e possam desfrutar de momentos dos quais esperam tão ansiosos.

É por estas festas de verão que passam inúmeras bandas de baile, que têm agendas recheadas durante uma época inteira para preparar um espetáculo cheio de ritmo, música e dança que anima a população de norte a sul de Portugal. Por norma, estas bandas de baile são constituídas por músicos, bailarinos, técnicos de som e luzes, condutores de camiões e técnicos de montagem de palco. São eles que fazem a magia do espetáculo acontecer e estão horas a fio a trabalhar para tornar as noites ou dias de alguém muito mais animadas.

Infelizmente a pandemia chegou ao mundo do espetáculo e a maior parte que dependia deste ramo vê agora os seus sonhos e conquistas serem postos de lado e surgem preocupações como a da sobrevivência.

Sonhos parados

Inês Rocha tem 23 anos, é natural do Luso e foi em 2014 que iniciou a sua carreira como bailarina profissional. Esteve algum tempo afastada da dança e sem trabalho por ter sido mãe há pouco tempo. O seu regresso acontece e começa a dançar numa banda de baile da sua zona e a fazer pequenas atuações para artistas conhecidos como as cantoras Tita e Safira em programas de televisão como o “Somos Portugal” na TVI.

Inês Rocha no programa “Somos Portugal”, da TVI

“É o pior sentimento do mundo, sentires que o teu sonho está a ser parado e quando ainda tens esperança de que em 2021 pudessem retornar, anda tudo para trás e voltamos a entrar em confinamento” confessa Inês Rocha que vê agora os seus sonhos interrompidos por um vírus que se alastra cada vez mais e que tem causado uma reviravolta muito grande na sua vida.

Lúcia Almeida, mais conhecida como Lucy, tem 39 anos e é natural de Viseu, fundou a sua própria banda de baile em 2002, intitulada “Lua Cheia”. Foi vocalista da banda durante 11 anos e posteriormente iniciou a sua carreira a solo. Lucy depende unicamente da área da música há 19 anos, não tendo mais nenhuma fonte de rendimento. O marido é construtor civil e atualmente ainda trabalha.

“Como artista estou parada e impossibilitada de trabalhar, continuo com os meus empréstimos para pagar porque infelizmente não há ninguém que me pague nada”, lamenta Lúcia Almeida. Apesar de não estar a trabalhar, nem a usufruir do camião que é o palco da banda nas atuações, a cantora continua a ter de pagar os empréstimos pessoais e inúmeras despesas relacionadas com a banda e com o camião.

Ao contrário de Inês e Lúcia, Ana Tavares depende unicamente dela financeiramente, vive sozinha desde os seus 18 anos e o seu salário era o único meio que pagava as contas todos os meses. Também bailarina profissional há 12 anos, Ana Tavares viu a sua vida completamente arrasada depois de ser obrigada a parar de trabalhar e a não ter nenhuma ajuda.

“Vi a minha vida destruída. Fiquei completamente sem chão e sem vontade para nada. Tudo isto serviu apenas para que eu ganhasse um esgotamento e perdesse tudo o que tenho”, desabafa Ana ao recordar que por não conseguir acarretar com todas as suas despesas, perdeu a casa onde morava e voltou para casa dos pais oito anos depois de ter saído de casa, além de ter vendido também o seu carro para ter dinheiro para comer.

A falta de ajudas por parte do Estado

A falta de ajudas por parte do Estado é a maior queixa dos artistas. Após anos e anos a trabalhar e a fazerem os seus descontos, sentem-se devastados por não haver nenhum tipo de ajuda financeira para poderem continuar a pagar as suas contas que em momento algum lhes são perdoadas ou adiadas.

Alguns deles, como é o caso de Inês Rocha, tiveram de pedir a ajuda a amigos e familiares para conseguirem sobreviver com os produtos básicos e o pagamento de todas as contas mensais. “Tendo em conta que tenho uma filha muito pequenina e o meu marido era o único a trabalhar, tive de pedir ajudas durante a pandemia para poder sobreviver, porque só um ordenado não chegava, então pedi ajuda aos meus pais e aos meus sogros que prontamente nos ajudaram”, declara a bailarina do Luso.

Muitos também se viram em situações extremas e confrontados com a possibilidade de perderem tudo o que tinham e, para poderem sobreviver, tiveram de vender bens pessoais. É o caso da Ana Tavares que assume: “se não fossem os meus pais, a esta altura não sei o que seria de mim.”

A esperança em novos projetos

Apesar de tudo, ainda existe esperança nos olhares destas mulheres quando questionadas acerca do futuro. Decidiram reinventarem-se e, com as poupanças que cada uma tinha, criaram lojas de roupa online e, desta forma, contribuíram para uma nova forma de se verem profissionalmente.

“Para além de precisar de outro forma de ganhar dinheiro, estava cansada de me sentir inútil e sem fazer nada” e acrescenta ainda que “ houve um dia que estava na internet e apareceu me uma loja de roupa e pensei que eu poderia criar a minha própria loja de roupa online.”

Com algumas poupanças que a cantora tinha de parte e com a ajuda de amigos entendidos no assunto, surge assim a “Lucy Moda – Loja Online”. A loja de roupa e acessórios online com o nome da vocalista, tem artigos para homem e mulher e também para criança, tem feito sucesso e já conseguiu alcançar clientes de norte a sul do país e além-fronteiras. É através da Lucy Moda que a cantora tem preenchido os seus dias e ganho um dinheiro extra para sobreviver em tempos mais difíceis como este.

Quem teve a mesma ideia foi a bailarina Inês Rocha, que pôs mãos à obra e criou um plano B para a sua vida profissional com as poupanças que tinha de parte. “Tendo em conta que tenho uma filha e gasto muito dinheiro, tive de me reinventar e criar a minha lojinha de roupa online e dedicar-me a ela a 100%”, confessa Inês Rocha. “Apostei todas as poupanças que tinha, agora sou obrigada a ter de as recuperar se futuramente voltar a ter de precisar”, acrescenta. A “irfashion4kids” é o novo projeto profissional da bailarina, onde vende roupa e acessórios para crianças.

Criar novos projetos e ter de se reinventar pode ser o início da esperança para alguns artistas verem a sua vida recuperada ou, no mínimo, poderem ter algo com que se sentir realizados, tanto a nível pessoal, como profissional. Nem todos têm a possibilidade de poder ver isso acontecer, como é o caso de Ana Tavares, que tem passado por momentos difíceis depois de ter perdido tanta coisa com a pandemia, mas que se mostra esperançosa e com motivação para trabalhar e começar a construir um futuro risonho.

O mundo viu os seus artistas a perder imenso com a situação atual, mas há algo que os artistas não perdem de forma nenhuma: a vontade de voltar e entreter o público da melhor forma possível.

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