“Deixei de tocar música, não deixei de a sentir”

Luís Brandão desde muito novo que é um apaixonado pela música. No ano de 1991 tentou a sua sorte na banda de garagem “Hertz” e, desde então, tocou em conjuntos como “Sonjovem” e “Banda Pátria”. Há 12 anos pôs o seu amor pela música de lado, mas conta como vê o panorama musical no nosso país.

Quando surgiu o seu gosto pela música e pela bateria?

Luís Brandão Eu não consigo dizer que o meu gosto tenha começado num momento específico. Desde muito cedo que me lembro de adorar a música. Eu não queria apenas ouvir, queria tocar. Lembro-me de que em pequeno já tocava nos tachos e nas panelas para tentar imitar os sons da bateria.

 

Se já em pequeno era um fascinado pela música, os seus familiares incentivaram-no a ser um músico?

LB Não. No que toca aos meus familiares, deram-me uma bateria quando eu tinha 8 anos. Mas uma bateria de brincar. Tirando isso nunca recebi grande incentivo.

 

Foi então uma iniciativa própria seguir uma carreira na área da música?

LB Foi. Aos 19 anos fui eu próprio a comprar a minha primeira bateria, com o meu próprio dinheiro. E este é que foi o meu verdadeiro início na música.

O Luís é autodidata. Mas quando começou a aprender a tocar a bateria pensou em desistir? Ou achou fácil?

LB Nunca pensei em desistir. Nem uma única vez. Mas também não vou mentir e dizer que foi fácil, porque não foi.

 

Qual foi o seu segredo?

LB Concentração máxima. Mas também adorar o que estava a aprender a fazer foi meio caminho andado. Se não gostamos assim tanto, não temos grande motivação e isso não nos leva a nenhum resultado.

 

Chegou a frequentar a Escola de Jazz do Porto, posteriormente. Como foi a experiência?

LB Andei só um ano e meio para ter mais umas bases e noções, mas infelizmente tive de desistir por causa do trabalho.

 

Preferiu o trabalho à música?

LB O trabalho e a família. A idade também já pesava.

 

Quando é que sentiu o seu talento a ser reconhecido pela primeira vez?

LB Não sei mesmo como responder… quando me apercebi, as pessoas à minha volta já gostavam de me ouvir. Se isso é ver o meu talento a ser reconhecido então é a única maneira que tenho como responder. Mas, na verdade, nunca liguei ao que os outros achavam. Se gostavam de mim e/ou do que eu fazia, ótimo.

 

O que sentiu ao enfrentar um público pela primeira vez?

LB Nervoso! Mas, felizmente, correu tudo bem. Só custou começar. Depois à medida que tocava já me sentia mais ligado à música do que a mim próprio e aos meus receios.

 

Já passou por várias bandas. Qual acha ser o fator crucial para o sucesso?

LB Humildade.

 

E o talento?

LB É importante, mas é preciso aceitar o facto de que não somos os melhores e que podemos sempre aprender. Assim crescemos, e assim conseguimos então o sucesso. Existe muito talento, mas o que nós somos também conta para termos mais portas abertas para nós e para, lá está, crescermos.

 

Para além da bateria, costumava ter outras funções nas bandas por onde passou. Quais foram?

LB Eu estava muitas vezes ligado à percussão. Mas o nosso momento cómico do concerto, era eu que o fazia. Também cantava algumas coisitas.

 

 

Qual foi, enquanto músico, a experiência que mais o realizou?

LB Pôr mais de 5 mil pessoas a cantar e a dançar. Isto em vários concertos!

 

Já atuou na televisão. Não a considerou como uma experiência que o realizasse?

LB Sinceramente não. Nem liguei muito a isso. Claro que é giro, é um outro mundo. Mas prefiro mesmo pôr as 5 mil pessoas de pé a cantar.

 

É impossível fazê-lo na televisão?

LB É completamente diferente. Primeiro, estás na televisão um bocadinho e aquilo é playback, porque infelizmente são muito poucos os que tocam ao vivo na televisão. Um concerto é um concerto. O público veio ali para te ver, eles sabem quem lá está e querem ver quem lá esta. O público da televisão só que aparecer na TV, eles lá querem saber de nós.

A bateria é um instrumento menos valorizado e apreciado em relação a instrumentos como a guitarra e o piano. Porquê?

LB Porque esses instrumentos dão mais melodia. Mas a bateria é o coração da banda, marca o ritmo e isso é o que muito não apercebem.

 

Já se sentiu desvalorizado ou rebaixado por tocar bateria e não outro instrumento?

LB Não. Sei que preferem normalmente outros instrumentos, mas não. Mas já ouvi dizer que os bateristas não eram músicos, eram só acompanhantes. Mas não é verdade. Tirando isso nunca sofri nenhum tipo de desvalorização.

 

Ao vivo, como pode o baterista influenciar o resto da banda?

LB Um mau baterista pode desafinar a banda toda. Se eu, enquanto baterista, faço um erro mínimo, o resto da banda vira-se para trás e olha para mim, porque eu fiz com que eles perdessem ali o ritmo. Desgovernei tudo.

 

Quando e porquê decidiu deixar a música?

LB Eu já tocava há muitos anos e a família estava em primeiro lugar. Ainda aguentei alguns anitos a tentar equilibrar a música com a minha mulher e a minha filha, mas elas vinham em primeiro lugar. Entre 2006 e 2007 decidi deixar a música.

 

Arrepende-se da sua decisão na época?

LB Não. Deixei de tocar música, não deixei de a sentir.

 

Há muita concorrência na música, até em bandas de garagem?

LB Há. Muitos tentam passar por cima dos outros. Lá está a falta de humildade das pessoas, querem fazer mais que os outros. Mas músicos com M maiúsculo são pessoas humildes, aceitam as críticas, crescem e ajudam a crescer os outros. Eu aprendi a ser um músico assim. E conheci muitos com M maiúsculo, na escola de jazz.

 

Que músicos com M maiúsculo conheceu?

LB Mário Barreiros por exemplo, que é um produtor português muito conhecido, e os irmãos dele, que são excelentes músicos também.

 

Esteve mais de uma década ligado à música. O que mudou nesse período de tempo?

LB A maneira de tocar mudou, os músicos ficaram mais aplicados. Isto no melhor dos exemplos. Depois temos a mudança negativa. Enquanto uns cresciam e importavam-se mais com a parte instrumental, valorizou-se a parte técnica. O que pode ser bom, de uma maneira, mas mau por outra. Dos anos 90 para os anos 2000, vi mais material em palco, demasiado até. Às vezes muito material serve para tapar lacunas musicais, e não para envolver mais o público. Mas cada um toca como quer.

 

Enquanto músico tem uma outra perspetiva dos concertos. Consegue perceber como o equipamento é na verdade uma técnica de distração, enquanto o público geral não?

LB Acho que posso dizer que sim. Enquanto vejo pessoas maravilhadas com as luzes e aquelas coisas todas, eu fico horrorizado com as lacunas musicais.

Quais os maiores desafios para um músico em Portugal?

LB Viver da música. Em Portugal, tirando para muito poucos, é impossível viver dela. O problema também passa pela nossa mentalidade, temos excelentes músicos, muitos deles andam a tocar pelas ruas e não lhes passamos cartão. Talvez porque o nosso país nunca investiu muito na cultura. Só queremos saber do futebol, ou novelas. E, no entanto, temos qualidade à porta de casa, muitos artistas estão nas ruas.

 

O que é mais exigido de um baterista física e psicologicamente?

LB Muitas vezes toquei durante 4 horas por noite, logo eu tinha de ter cuidado com a minha resistência e preparação física. Psicologicamente, eu acho que num dia de concerto eu tinha de me abstrair de tudo o que me prejudicava mentalmente. Um dia menos bom vai fazer passar ao público que estás fora de ritmo, não há harmonia no que fazes. Transmite-se isso ao público. A alegria não existe. O cansaço então nem falemos. Isso passa logo tudo para o público. Quando o cansaço e assim tomam conta do que nós estamos a fazer, não há prazer. Pelo menos a mim influenciava-me. Queria fazer certas coisas, e elas não saiam. E depois isso frustrava-me, o que ainda piorava mais tudo.

 

O que incentiva alguém a entrar numa banda e percorrer o país com ela?

LB O que nos incentivava era conhecer pessoas, conhecer sítios, as festas. Ver a diversão. E claro que o dinheiro também.

 

Atualmente não há grandes apostas na cultura, em Portugal. Como era a relação do país com a música na sua altura?

LB Nunca houve incentivos, nunca houve um apoio para quem queria fazer arte. Em relação ao agora, acho que só os miúdos é que podem responder mais. Como eu saí da música não tenho visto de que maneiras eles são apoiados nestes últimos anos, mas não acredito na aposta neles. Aliás, como eu já disse, o talento ainda aí nas ruas.

 

Quando começou a sua carreira, a internet ainda não era um dos apoios de um músico. É cético em relação a esta relação dos músicos atuais com a internet?

LB Não, eu defendo a internet neste caso da música pelo menos. Por um lado, é muito bom. Tanto para o músico ou para o fã. Temos tudo ali disponível, e o músico tem uma ferramenta onde põe todo o seu trabalho. Com um clique estamos a ver também exercícios, e aprendemos mais assim.

 

Quais os maiores preconceitos que uma banda de garagem sofre?

LB Não ligo muito a essa parte negativa. Só se for o medo que as pessoas não gostem daquilo, e as críticas dos vizinhos, que nós façamos barulho. Não posso falar por todas as bandas, mas na minha altura associavam bandas de garagem a pessoas que tocavam uma cena qualquer. Não estavam para aí viradas. Associavam a músicas que só os amigos é que ouvem e coisas do género. É só barulho, é só latas, é só berros.

 

Então nunca foi criticado pelas pessoas mais próximas de si?

LB Não, pensavam que éramos só uns putos a bater nas latas. No meu caso até tinha muitos vizinhos que gostavam de nos ouvir a ensaiar.

 

O que acha dos artistas que estão em alta atualmente? O talento diminuiu?

LB Diminuiu bastante! Já não se fazem músicas intemporais. São muito comercias. Na altura vivíamos aquilo, agora não porque é tudo muito plástico.

 

Quais as suas maiores influências musicais?

LB Bon Jovi.

 

Nunca houve nenhum familiar músico que o inspirasse?

LB Não havia músicos na família. Eu fui aqui o pioneiro. O que eu via em pequeno eram os bateristas nos bailes e eu pensava “eu quero estar ali”!

 

Já considerou regressar à música?

LB Ate me interessava voltar. Mas em bares e coisas de vez em quando, para matar o bichinho. Mas atuações como tinha antes, não. Já chega de noitadas, tive a minha vida disso.

 

Com que artistas gostava de ter a oportunidade de trabalhar?

LB Com artistas mesmo, não essas coisas comerciais. Bon Jovi, obviamente. Mas também portugueses como o Paulo Gonzo, Pedro Abrunhosa e etc.

 

Durante os anos em que esteve musicalmente ativo, vícios como a droga e álcool estavam muito presentes no panorama musical. Pode contar mais sobre a sua experiência pessoal e das bandas onde esteve, sobre esse mundo?

LB Era muito fácil entrar nessa onda, eles pensavam que iam ser melhores com essas coisas. Muito sinceramente não sei como era tão fácil no nosso meio musical entrar, mas entrava muita droga. Mas agora também já é fácil em todo o lado. Eu olhava para colegas meus e parecia uma moda. “Se o meu ídolo fuma, ou toma drogas, eu também tenho de o fazer”, pensavam eles, acho eu. Mentalidades… eu, felizmente, nunca precisei dessas coisas para tocar.

 

Porque é que alguém quer entrar na música? Para ser estrela, ou para ser um artista?

LB Se for para ser estrela, não vai ter sucesso. Só se os fizerem como tal. Mas isso já depende da cultura das pessoas, se é isso que elas querem, que queiram. Tem de haver humildade.

 

Texto: Patrícia Brandão

 

a