“Uma imagem vale mais do que 1000 afogados?”

A proliferação do terrorismo em solo Sírio resultou numa das maiores tragédias do mundo contemporâneo, a crise dos refugiados. O fluxo de migrantes assumiu uma dimensão gigantesca e estendeu-se a vários países europeus, embora a sua chegada não tenha sido aceite de igual modo. O temor pela possibilidade de terroristas se inserirem num grupo de refugiados era real, uma visão estereotipada, um paradigma que, entretanto, foi alterado por uma foto.

“A crise dos refugiados marcou sobremaneira a agenda mediática de todo o mundo, mas há um momento que podemos considerar chave em toda esta crise. Quando o cadáver de um menino de três anos é fotografado numa praia turca”, afirmou Rafael Mangana numa das sessões do grupo de trabalho de Jornalismo e Sociedade, no segundo dia do congresso da SOPCOM.

A foto que o orador fala é de Aylan Kurdi, o menino sírio que morreu afogado numa praia turca e que foi repercutida nos dois órgãos analisados por Rafael Mangana, o jornal “Público” e o “El Pais”.

Previamente à difusão da imagem do menino sírio, “os refugiados e as suas mortes eram contadas aos milhares, os refugiados eram contados como uma massa de pessoas, portanto quando aparece este corpo, dá-se esta viragem. A crise dos refugiados passa a ter um corpo, um rosto e um nome”, assinala. Esse facto, de acordo com Rafael Magana, foi fundamental para a mudança que se registou no enquadramento perante o tema por parte da comunicação social. No dia posterior ao acontecimento trágico na praia “ali hoca burnu”, o “Público” retrata a história da família de Aylan e o “El País” chegou mesmo e entrevistar o pai do menino, dois exemplos de algo que não se verificava até à disseminação em larga escala da imagem de Aylan.

A imagem do menino sírio promoveu, igualmente, o início de movimentos solidários, destacados pelo “Público”, a “caravana Alan Kurdi”, que levou até à Croácia cerca de 60 toneladas de roupa, calçado, comida, artigos de higiene, medicamentos e brinquedos, e o “programa Aylan”, promovido pela fundação “Inatel”, que consiste em dar formação e emprego a 100 refugiados, para os dotar de competências.

Mangana mencionou, novamente, o enquadramento, o framing, do pré e do pós surgimento da imagem de Aylan Kurdi por parte dos media. “O caso de Aylan foi um entre milhares de sírios que fogem do seu país em guerra. Numa tentativa de chegar a uma ilha grega, morreu nas águas turcas. De acordo com a Reuters, naufragaram neste incidente 23 pessoas que viajavam em 2 barcos. Inclusivamente, 5 filhos morreram com a sua mãe, os cadáveres estavam na praia. Porém, foi o caso de Alan que precisamente causou o “boom” mediático dos refugiados. Dizer-vos que nem sequer é o mais novo, porque no mesmo barco viajavam dois gémeos que tinham apenas um ano e meio e cerca de 2 mil pessoas atravessaram o mediterrâneo em pequenos barcos de borracha durante as semanas anteriores. É caso para dizer, uma imagem vale mais que 1000 afogados?”, questiona o palestrante.

A comunicação de Rafael Mangana foi parte integrante da sessão de “Jornalismo e Sociedade – Jornalismo e Representações Sociais”, onde se desenvolveram também comunicações sobre “O Enquadramento da seguridade social em Portugal e no Brasil: uma análise do Correio da Manhã(PT) e da Folha de S. Paulo(BR)”, “O acontecimento e jornalismo cultural: uma aproximação teórica e o caso Elena Ferrante” e “Uma análise às narrativas do jornalismo digital: a cobertura da morte de Mário Soares no Diário de Notícias e no Observador”. A sessão foi moderada por Sónia Lamy, docente do Instituto Politécnico de Portalegre, que abordou o tema das “Representações da Amnistia Internacional no jornal Público – comunicação e eco da defesa dos direitos humanos”.

 

Texto: João Miguel Carvalho

Imagens: Diana Baltazar

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