Os direitos humanos não foram até ao Catar

O mundial que decorreu de dia 20 de novembro a 18 de dezembro de 2022 pode ser considerado um dos mais polémicos que já existiu. Direitos LGBTQIA+, direitos humanos e das mulheres, questões religiosas e políticas causaram polémica mesmo antes deste começar.

Por Beatriz Saraiva

Durante a organização deste que foi um dos eventos mais impactantes a nível mundial morreram aproximadamente 6,5 mil migrantes nas construções e melhorias dos oito estádios relacionados com a competição. Segundo o The Guardian, o motivo das mortes mais frequente foi dado como “causas naturais”. No entanto muitas das vítimas não receberam autópsia, sendo-lhes atribuídos diagnósticos pouco credíveis. O calor intenso sentido no país foi uma das grandes causas das mortes, o que obrigava os trabalhadores a começar muito cedo. Outros faleceram devido a paragens cardíacas, acidentes de trabalho, Covid-19 ou até mesmo suicídio.

Em contacto com o The Guardian, os responsáveis pela organização do Mundial pronunciaram-se em relação a todas as vidas perdidas, alegando que o mesmo não se voltará a repetir e que sempre foram transparentes em relação a todos os acontecimentos.

Lamentamos profundamente todas as tragédias e investigamos cada incidente para garantir que as lições foram aprendidas. Sempre mantivemos a transparência em torno dessa questão e contestamos as afirmações imprecisas sobre o número de trabalhadores que morreram nos nossos projetos” – Os responsáveis pela organização do Mundial para o The Guardian

Crime ou discriminação?

O país que foi casa deste mundial vê a comunidade LGBTQIA+ como “haram”-“pecado”. Ser homossexual no Catar pode levar a pena de prisão, sendo considerado um crime no país. É um facto que a comunidade não foi convocada para este mundial.

Um jornalista de nacionalidade brasileira foi lesado por civis cataris e membros da polícia, isto porque carregava consigo a bandeira do estado de Pernambuco, que tem contém cores idênticas às da comunidade LGBTQIA+. Jogadores de várias equipas que levavam consigo braçadeiras com a bandeira da comunidade foram obrigados a removê-las, caso não fizessem seriam admoestados com um cartão amarelo.

Em entrevista para o canal ZDF, na televisão alemã, o embaixador do mundial e ex-jogador da equipa nacional do Catar, Khalid Salman, afirmou que ser homossexual é estritamente proibido pela lei do Islão, acrescentando que o considera como “transtorno mental”. 

Diversas ONG’S realizaram protestos para que a FIFA demonstrasse o seu apoio e se comprometesse com os direitos da comunidade no Catar, ainda assim nada foi feito a respeito.

Bianca Leão, finalista do curso de Comunicação Social da Escola Superior de Educação de Viseu, afirma que o Catar foi a pior escolha em termos humanos para a realização deste mundial, isto por ser um país fechado em termos sociológicos, acrescentando que “foi um atentado a todos os níveis”. A futura jornalista desportiva admite que teria sentido receio caso cobrisse o mundial, alegando que enquanto mulher trans poderia ser “mortalmente punida”.

“Enquanto jornalista desportiva e mulher trans poderia ter sido mortalmente punida. Humanamente falando, o Catar foi a pior escolha para a realização do mundial!”– Bianca Leão

No entanto, mulheres tiveram oportunidade de arbitrar pela primeira vez um mundial masculino, ao que Bianca Leão alega “ser só para inglês ver”, comparando o acontecimento com a apresentação de Cristiano Ronaldo na Arábia Saudita onde uma mulher dirigiu a cerimónia, em que até há pouco era estritamente proibido.

Viver ou Sobreviver?

A discriminação e a limitação de direitos das mulheres são notáveis no Catar. O país é extremamente conservador e subdesenvolvido no que toca a progressos culturais. Mulheres são diariamente desvalorizadas e humilhadas no seu país natal, onde não conseguem viver sem a autorização de um tutor, que por norma é o marido ou o pai.

Ivana Knoll foi interdita de assistir aos jogos por estar vestida de maneira arrojada, sendo a ação considerada um desrespeito para com a sociedade catari. A ex-influencer foi proibida de entrar no estádio para presenciar o jogo entre a Croácia e a Argentina, das meias-finais, sendo que foi expulsa durante o jogo com o Brasil. A croata desafiou as leis do Catar, somente pelas roupas que vestia, no país que recebeu turistas de todas as partes do mundo, habituados a um estilo de vida totalmente diferente.

Um dos principais motivos dela ser expulsa foi o facto de ser uma mulher, acima de todo o resto!” – Ana Almeida

Ana Almeida, Ana Costa e Damiana Costa, alunas universitárias, consideram que a “falta de roupa” não seria um motivo suficientemente forte para a expulsão da adepta croata. Apontam ainda o machismo presente no país, alegando que se se tratasse de um homem as providências não seriam tomadas da mesma maneira.

Foi um desrespeito à cultura ou um ato de machismo?” – Damiana Costa

As estudantes optaram por não dar visibilidade ao mundial 2022, não dar gosto ou partilhar publicações nas redes sociais relacionadas com a competição, ou até mesmo visualizar os jogos. Esta atitude foi fundada pelo facto do país onde decorriam os jogos ser ultraconservador e não respeitarem os direitos humanos. Uma manifestação interna com o intuito de não dar visibilidade ao evento.

Optamos por não ver nenhum jogo, nem compactuar com a visibilidade da competição. Pior mundial de sempre!” – Ana Costa e Ana Almeida

Em 2010 quando o Catar foi escolhido como sede do mundial 2022, assumiu-se que num país com características muito próprias os direitos humanos não iriam ser respeitados. Doze anos depois as previsões estavam corretas, sendo esta considerada por muitos a competição que manchou a história do futebol.

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