Turismo: o fenómeno que revitalizou Águeda
O turismo na cidade mais colorida do pais cresceu substancialmente na última década. O investimento no ramo turístico fez com que Águeda passasse de uma cidade deserta para um ponto turístico conhecido à escala mundial.
Reportagem de Ana Raquel Pinto
Águeda sempre se destacou na esfera económica, nomeadamente nos setores de metalomecânica e ferragens, desenvolvidos desde o final do século XIX. A Famel, por exemplo, colocou a cidade no mapa português ao tornar-se uma das marcas de motorizadas mais conhecidas do território luso, em 1949.
Com o passar dos anos, o Município foi mantendo o dinamismo económico e industrial, que gradualmente se foi especializando nos segmentos de habitat e modalidade. “Águeda sempre foi um concelho muito diversificado nos vários setores económicos e essa diversidade já vem desde há muitos anos atrás”, refere Gil Nadais, antigo presidente da Câmara Municipal de Águeda.
No entanto, o ramo turístico nem sempre contribuiu para os padrões de excelência a que a cidade está acostumada. De acordo com Madalena Pereira, responsável pelo Posto de Turismo, “há duas décadas atrás, Águeda era uma cidade fantasma. Os próprios habitantes não contribuíam para o comércio local e aos fins-de-semana o destino principal para passar o tempo era Aveiro”. Esta foi uma realidade que se manteve até 2006 aquando o surgimento do AgitÁgueda.
O fenómeno do AgitÁgueda
O conceito deste evento consiste num conjunto de atividades gratuitas que se estendem por um período de 23 dias. Entre as mais variadas iniciativas, destacam-se os concertos musicais levados a cabo por artistas nacionais e internacionais. Em poucas edições, o festival tornou-se popular a nível nacional e em 2011 já era visitado por milhares de turistas.
“Devido ao seu sucesso, o festival passou a ser um dos projetos com mais investimentos por parte da autarquia local. A repercussão do evento foi tão significativa que atingiu outros setores económicos, como a restauração, os transportes públicos, o alojamento e o comércio tradicional”, menciona Gil Nadais. De acordo com um estudo realizado à edição de 2019, o evento permitiu estimar um impacto na economia local de cerca de 8 milhões de euros, grande parte desta parcela associada à restauração. Elisabete Almeida, proprietária de um dos restaurantes mais conceituados da baixa da cidade, afirma nunca ter visto nada assim em tantos anos de trabalho. “Tenho clientes habituais que me garantem a porta aberta todo o ano, mas na altura do verão consigo ganhar lucro equivalente a três meses num mês só. Há dias em que o restaurante só fecha à uma da manhã e o horário de encerramento é às nove da noite”. Entre 2015 e 2019, a taxa de crescimento do volume de negócios de restauração aumentou até quase 70%.
O AgitÁgueda tornou-se uma festividade ímpar no panorama turístico nacional. De ano para ano, a qualidade dos programas oferecidos aumentou consideravelmente. Artistas de renome como James Arthur, Calum Scott, American Authors e Vítor Kley pisaram o palco do evento. A acompanhar concertos impressionantes, passou a haver um investimento maior em
atividades paralelas como o Carnaval fora D ́Horas, Color Day e concurso de estátuas vivas. Estas atividades realizam-se durante o dia e incitam à visita de mais turistas em horário diurno. A Arte Urbana também passou a ser um projeto associado ao festival e tornou a cidade mais colorida com ajuda dos milhares de guarda-chuvas que preenchem as ruas mais emblemáticas da urbanização.
Segundo Gil Nadais, “a ideia inicial do projeto visava apenas proporcionar uma melhoria na qualidade de vida das pessoas e integrá-las na cidade”. O deputado do PS refere ainda que a ideia do AgitÁgueda, era dirigida aos habitantes locais e nunca pensou que o evento pudesse chegar tão longe.
Dados fornecidos pela Câmara Municipal de Águeda, revelam que em média apenas 16% dos visitantes são habitantes locais, 72% turistas portugueses e 12% visitantes estrangeiros. Apesar deste último número parecer baixo, a taxa de crescimento no número de estrangeiros aumentou em 124% entre 2015 e 2019.
Para fazer face ao crescente fluxo de turistas, bem como às suas necessidades, o setor hoteleiro precisou de investir em mais infraestruturas e condições que garantissem o seu bem-estar e uma experiência inesquecível. Um estudo de caso realizado entre 2011 e 2021, revelou que o número total de alojamentos turísticos, bem como a sua capacidade, duplicou. A necessidade de aumentar a capacidade desses espaços deveu-se sobretudo ao aumento de turistas, uma vez que a média de estadias foi de 1,6 para 1,7 nesse período. De uma forma geral, o turismo contribuiu de forma considerável para o desenvolvimento de outros setores turísticos.
O surgimento do projeto “Águeda é Natal”
Com base no sucesso do AgitÁgueda, a autarquia decidiu continuar a apostar no ramo turístico e a atrair mais pessoas até à cidade. Foi nesse contexto que surgiu o projeto “Águeda é Natal”.
Em 2015, nascia a primeira edição do projeto natalício que prometia encantar não só os turistas, como os próprios habitantes locais. Para além do famoso Pai Natal, levado ao concurso Guiness e eleito o maior do mundo, acrescentam-se os passeios mágicos a bordo de uma locomotiva construída nos primeiros anos do século XX, ou a visita, completamente gratuita, ao Parque Municipal de Alta Vila, um espaço verde que se situa no coração da cidade e que promete deslumbrar qualquer um. Nas palavras de Madalena Pereira, “a Câmara Municipal não quis ficar por aqui e pouco tempo depois começou a fazer pesquisas para perceber se haveria também o menor Pai Natal do mundo”. Dois anos depois do projeto “Águeda é Natal” se revelar um fenómeno à escala mundial, “a cidade ia acolher agora mais uma novidade icónica”, remata a funcionária do Posto de Turismo local.
Como seria de esperar, o impacto do turismo na economia começou a sentir-se não só em julho, como em dezembro. O comércio tradicional, por exemplo, vê mais saída nesta altura do ano, em comparação com o verão. “O mês de julho passou a ser mais lucrativo para mim em relação há alguns anos atrás, mas é na altura do Natal que eu tenho mais clientes. Os turistas vêm à procura de produtos tradicionais. Lembro-me que até há poucos dias esgotei o meu stock todo de azeite, e foi com um cliente espanhol”. Quem o diz é José Reis, um comerciante local. Em tom de brincadeira, o comerciante afirma que todos os setores económicos da região tiveram uma melhoria de 200%.
“Até há uma década atrás, era raro encontrar mercearias ou pastelarias e restaurante abertos ao fim-de-semana. Não havia essa necessidade, porque as pessoas ou iam para a praia ou iam para o shopping em Aveiro. O que se vê atualmente aqui na cidade, é, de facto, uma melhoria na qualidade de vida dos habitantes, diz José Reis.
Não sendo caso único, vários são os relatos que corroboram o óbvio: o fluxo de turistas traduziu-se no desenvolvimento local da região. Atualmente, Águeda está nas bocas do mundo e sempre de uma forma positiva. A cultura e a tradição levam a que milhares de pessoas visitem a cidade mais colorida e brilhante de Portugal.
Depois de décadas sem dar cartas à economia local, o turismo revelou-se transformador. Apesar de Águeda ser conhecida por ser um concelho industrial forte, o investimento no turismo foi a chave d ́Ouro para sustentar outros ramos económicos que lhe estavam dependentes. A popularidade forte que a cidade dos guarda-chuvas recebeu nos últimos anos, foi fulcral para a economia não se deixar mover tão numa altura menos boa como a pandemia.