“Saber a diferença entre ser muito bom e ser fora de série”

Miguel Tavares Rodrigues, jogador profissional de voleibol, neste momento ao serviço dos polacos do Cuprum Lubin e Internacional português pela seleção A, concedeu uma entrevista, em exclusivo, ao #dacomunicação. Com 27 anos, está na sexta temporada consecutiva a jogar no estrangeiro. Após a saída do Benfica, com apenas 21 anos de idade, conta com passagens pelos italianos do Copra Piacenza, pelos franceses do Tourcoing e do Rennes Voley, últimos clubes que representou antes de viajar até à Polónia. Foi a partir de Lisboa, para onde regressou após o encerramento da liga polaca, provocado pela pandemia da covid-19, que nos abriu o livro sobre a sua vida pessoal e profissional.

Por André Reis e Henrique Magno

Miguel Tavares Rodrigues ao serviço do Cuprum Lubin, na Polónia

Como surgiu o voleibol na sua vida?

Foi muito por causa dos meus pais. A minha mãe foi jogadora da seleção e do Sporting, ganhou múltiplos campeonatos nacionais, e o meu pai foi treinador do Sporting. Venho de uma família de voleibolistas, porque o meu padrinho também foi selecionador nacional de masculinos. Eu ia para os pavilhões desde pequenino, pratiquei muitos desportos, mas acabei por escolher o vólei.

A família foi importante para vingar no voleibol?

Claro que sim. Ter uma família que apoia e incentiva sempre a fazer desporto, seja ele qual seja, é muito importante. Sempre me disseram que havia tempo para tudo, nunca faltei aos treinos por causa da escola. Pode haver aí uma diferença com outro tipo de pais. Além disso, o facto dos meus também serem professores, oferece a vantagem em eles entenderem alguns problemas.

Como foi terminar a ligação de nove anos com o Sport Lisboa e Benfica?

Não acredito que tenha sido o fim, foi apenas uma saída para continuar a minha carreira. O Benfica formou-me como atleta, é um TOP-10 a nível de condições, uma experiência que nem todos os atletas têm. Consegue ter várias modalidades com condições de topo, e isso fez muita diferença para eu poder sempre tentar tirar o melhor de mim a cada época.

Sair do Benfica ainda jovem, foi um passo importante para conseguir chegar onde chegou?

Sem dúvida. Foi uma decisão difícil, mas que originou um dos passos mais importantes que dei. Até lá eu estava a estudar a mesmo tempo que jogava, nunca tinha decidido que só queria o vólei, mas sair do país tão novo, e ainda por cima para Itália, era uma proposta irrecusável.

Os seus pais apoiaram-no no abandono dos estudos?

Eu nos primeiros anos ainda tentei conciliar. Em França perante as dificuldades de exigência do Instituto Superior Técnico, pedi transferência para a Universidade Aberta, que nos permite fazer um estudo à distância e só obriga a um exame presencial por cadeira. Assim fui estudando sozinho, fazendo algumas cadeiras, mas este ano congelei a matrícula para me focar neste grande desafio.

Tem o objetivo de acabar o curso?

Acho que será possível ainda a jogar vólei, fazendo uma ou duas cadeiras por semestre. Mas não é um objetivo que me preocupe neste momento, é mais um brio pessoal que quero ter, porque é sempre importante ser licenciado.

Como foi ficar sem a família aos 21 anos?

Nunca estive só. Eu tive muita sorte, porque o empresário italiano que me levou já era meu conhecido. Então, quando cheguei a Piacenza, já tinha um amigo em quem podia confiar. Além disso, o primeiro ano partilhei casa com um jogador americano, e nós demo-nos muito bem desde o início. Tudo isso ajudou à adaptação, além do apoio da família e da minha namorada, que sempre me iam visitar com regularidade.

O que é preciso para chegar ao voleibol profissional?

É precisa uma combinação perfeita de sorte, ambição e acreditar em nós próprios. Em Portugal havia muitos jogadores com potencial para jogar no estrangeiro, mas o facto de não acreditarem nisso ou não terem um empresário de confiança, impediu-os de darem o salto definitivo para fora.

Chega a privar-se de alguma coisa para estar ao mais alto nível?

Tirando os casos da “junk food” e dos doces, que me obrigam a ter um pouco mais de controlo durante as épocas, acho que não há nada de que me prive. Estar longe da família durante grande parte do tempo é a maior privação.

Como é a rotina de um jogador de voleibol profissional?

No clube acabamos por estar mais sozinhos. A rotina é mais individual e cada um faz o que acha mais correto, tirando os treinos que são obrigatórios.

Jogo mais importante da sua vida?

Para isso tenho de fazer um top-3. O último jogo do campeonato francês em que assegurámos a subida à primeira divisão, a final da taça de França onde ganhámos 3-2, e por fim, com a seleção na final da challenger cup que nos fez qualificar para a fase seguinte.

Se houver a possibilidade de regressar a Portugal para um clube que não seja o Benfica, aceitava?

Acho que, neste momento, não aceitaria qualquer proposta para regressar a Portugal. No futuro o que terá de ser acontecerá e ninguém pode prever isso.

A ida para a Polónia

Sentiu a diferença do rigor da Liga Polaca para as outras onde já jogou?

Sim. A italiana é a liga mais cotada da Europa, e provavelmente logo a seguir vem a polaca, ambas têm um profissionalismo incrível. Aqui todos os jogos dão na televisão em direto e em diferido, o jogador de vólei é uma estrela. E isso não se encontra em França, por exemplo. Aqui não há mensalidades extra para se ver os jogos, e a qualidade dos jogadores é maior, devido ao maior dinheiro e mediatismo envolvidos.

O que falta à liga portuguesa para chegar a esse nível?

Falta um trabalho de formação melhor. Faltam jogadores para ocupar os lugares de quem já está na liga. Dá para ver na seleção, porque às vezes não chega ninguém novo num ano, não há ninguém com capacidade. Na Polónia aparecem 15 por ano. Em Portugal devia haver uma liga de clubes, independente da federação, para haver mais retorno financeiro e mediático para os clubes. Não há lucro para se jogar voleibol em Portugal. Com as oscilações no investimento de ano para ano, os clubes, tirando os “grandes”, não conseguem crescer ao nível de objetivos.

Qual foi a principal dificuldade que teve na sua integração na Polónia?

A língua, sem dúvida. Somos só três estrangeiros na equipa, um deles era bielorrusso e não sabia falar inglês e o outro era brasileiro. Ou seja, eu e o brasileiro ficávamos sempre um bocado à parte, porque quando havia saídas de grupo a língua oficial era o polaco.

Não dominar a língua polaca teve influência na sua forma de jogar?

Acho que sim. Faz com que eu não esteja tão confortável como estaria se falasse polaco. Por exemplo, estamos seis dentro de campo e estão todos a falar polaco, eu sou o único que não está a perceber. Na minha posição, é difícil, tenho de estar atento aos jogadores à minha volta e não conseguir perceber o que eles dizem complica a minha vida, porque não os posso corrigir.

Que diferenças trouxe na sua rotina esta crise pandémica da Covid-19? A Polónia tomou muitas medidas antes de estarem numa situação problemática, e o presidente do clube disse que podia regressar a Portugal, isto porque o campeonato já estava suspenso. Atualmente, estamos completamente parados, os jogadores é que têm a responsabilidade para ir mantendo a forma.

Miguel tornou-se internacional A pela seleção em 2011.

Em 2005, tem uma foto a pedir um autógrafo ao João José. Qual é o sentimento de ter conseguido chegar ao mesmo nível?

(risos) Acho que ainda não cheguei ao mesmo patamar. Para mim o facto de ter conseguido jogado com ele, na seleção nacional, foi muito gratificante. Uma das coisas que mais teve significado para mim. Mas acho que será difícil um voleibolista português chegar ao nível do João José, porque foi o único português a ganhar uma liga dos campeões, único a ter um título individual num campeonato do mundo.

João José a dar um autógrafo a Miguel Tavares

Sonha conquistar esses títulos?

Claro que sim, eu trabalho diariamente para isso. Temos é que ter paciência e esperar pela nossa oportunidade e depois aproveitá-la.

Qual foi a sensação de representar Portugal, no campeonato da Europa, no ano passado? “Devia ter sido um grande objetivo alcançado, mas eu não o senti dessa maneira. O campeonato da Europa foi alargado para 24 equipas, e isso, tirou um bocado de mérito à nossa qualificação, e o facto, de nós acabarmos a não passar o grupo na fase final, prova que caso o campeonato se tivesse mantido no mesmo formato nós não nos teríamos qualificado. E devido a isso não fiquei satisfeito com a nossa prestação”.

Miguel Tavares ao serviço da Seleção, no Campeonato da Europa de 2019

A vida fora do mudo do voleibol.

Como é o Miguel fora do mundo do voleibol?

Eu gosto muito de ler sobre o mais alto nível do desporto. Saber a diferença entre ser muito bom e ser fora de série, porque esse é o meu objetivo no vólei. Gosto muito de viajar, e estar no estrangeiro é uma vantagem para conhecer outros lugares que não teria oportunidade de conhecer. Gosto de estar com os meus amigos ou de ir jantar fora, não tenho assim um outro hobbie.

Já pensou no que vai fazer quando acabar a sua carreira profissional de voleibolista?

Eu gosto de me focar no presente e viver aquilo que está a acontecer, porque acho que o futuro não dá para controlar. E também devido à minha posição, eu acabo por fazer isso durante o jogo, ou seja, tomo decisões a cada 10 segundos, e não posso ficar a pensar no que aconteceu na jogada anterior.

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